Capítulo 463: Amanhã (I)
Um mês depois, o sol nascia com um pouco mais de calma. Nesse tempo, a única coisa que se manteve estática foi a vida de alguns homens. E quando se estendia sobre a morte de outros, talvez… nesse pequeno tempo, houvesse paz para ser contemplada.
No laboratório, Duna estava sentado em sua poltrona, com as duas pernas erguidas sobre a mesa, olhando para o quadro. Ele não ligava para a bagunça que era sua mesa, não porque gostava dela toda jogada, mas porque era a forma da sua mente trabalhar.
Ouvia bastante de Clara que deveria organizar melhor qualquer documento que fosse importante, mas quando sentava ali, encarava o quadro, sua cabeça apenas pensava em resolver problemas, não organizar os que já tinham sido parte dele.
Estava com uma pena, batendo a pelugem no rosto quando a porta foi batida duas vezes, gentilmente.
— Posso entrar, senhor?
Ele girou na cadeira, reconhecendo de imediato Juno.
— Oh, claro que pode.
Desde a luta contra a criatura no meio da cidade de Kappz, ela tinha mudado bastante. Agora, uma boa parte dos seus cabelos tinha se tornado branco, quase igual Dante, por assim dizer, mas seu rosto ainda se mantinha jovial e sereno.
A semelhança no sorriso era igual. Mesmo usando uma roupa azulada, com um toque mais escuro, porque haviam dito que ela era uma guerreira, a juventude de seus lábios criavam a gentileza nela. Mesmo tendo feito o que fez, era quase impossível achar que ela fosse tão forte.
Bom, isso se aplica a Dante também.
— Diga para esse velho trancafiado no laboratório, o que posso fazer por você hoje?
— Bom. Eu tenho algumas dúvidas sobre o que Marcus me informou hoje cedo. — Ela parou em frente a mesa, mas nem encarou os documentos ou o quadro. Fixos nele, como um leopardo vislumbrando o horizonte. — É verdade mesmo?
Duna respirou fundo, concordando com pesar.
— Sinto informar, mas sim. Dei minha palavra que faríamos de tudo para tentar salvar o que restava da força de Dante, mas… — ele negou com a cabeça. — Era tarde demais. As duas Inteligências Artificiais fizeram análises do sistema nervoso, central e inspecionaram parte a parte do que elas chamavam de Maldições.
— Mas o corpo dele…
— Ser velho é algo que ele sempre foi, pelo que parece. A Energia Cósmica poderia criar certa resistência, mas não tinha como simplesmente resgatar algo. — Duna não queria dizer aquelas palavras, mas era necessário. — Juno, a Energia de Dante vive em você. Foi a escolha dele naquele momento para salvar a todos nós.
Ela puxou a cadeira. A hesitação aparecendo pela primeira vez desde que tinha entrado. O olhar vago, uma mente longe.
— Não pense demais nisso — reforçou. — Mesmo que tenhamos todas as peças na mesa, ainda seria difícil consertar até mesmo o corpo dele. Preciso dizer que Dante está vivo porque Clara sacrificou muito mais do que apenas a habilidade dela também.
— Ela também…?
Duna não sabia que tinham escondido isso dela, mas possivelmente era por medo da culpa. Dante entregou para Juno, e Clara entregou para Dante, a fim de salvá-lo. Seria uma trilha de culpa nítida para ela.
— Digamos que a habilidade de Clara não seja como as pessoas daqui pensam. Ela demora para ser armazenada. E quando acontece, tem vezes, ela nem percebe. Clara está na cama agora, ainda desacordada, e você sabe quem deveria estar com você agora.
— Quero estar lá, Duna. Juro. Mas eu sinto que ele vai me olhar… vai me olhar… — Desviando o olhar para baixo, fechando-os. — Eu roubei dele. Dante gostava tanto… e eu tirei isso dele.
— Isso é a sua cabeça te enganando, garota. Ouça esse velho, procure Dante e converse com ele. Bom, se você o encontrar, é claro. Marcus me disse que ele sumiu faz dois dias no meio da cidade. Não sabem onde ele está agora.
A cratera que o Rastro tinha deixado era menor do que a que Juno abrira no último embate. O solo ainda carregava marcas do impacto, fragmentos de pedra espalhados como farpas e o brilho apagado dos raios que ricochetearam pelo terreno. Não precisava ter visto a luta para saber como tinha acontecido. O ar guardava a memória — o cheiro de ozônio, fresco, como se a descarga tivesse ocorrido há poucos minutos, mesmo depois de uma semana.
Ele respirava fundo e sentia como se a batalha ainda estivesse ali, pulsando debaixo da terra, e teve a certeza de que o Rastro havia cometido seu maior erro ao enfrentar Kappz.
— Está um pouco longe da Cuba — uma voz soou às suas costas, tranquila. — Queria ver o que fizemos com ele?
Dante virou levemente o rosto. O som fora limpo, sem passos, sem aviso, como se tivesse surgido do nada.
— Heian… não senti você se aproximando.
O outro apenas esboçou um meio sorriso, seus olhos ainda voltados para a cratera. Quando os levantou, Dante reconheceu a pena e também compaixão. Claro, até mesmo aqueles que foram derrotados por ele teriam ao vê-lo daquela forma.
Virou-se para a cratera onde Juno tinha derrotado o Rastro, e esperou o amigo se aproximar, ficando ombro a ombro.
— Está tudo bem? — perguntou Heian. — Marcus me disse…
— Sim, está tudo bem. Eu fiz uma escolha e não tenho porquê voltar atrás. — Ele forçou um sorriso, mesmo sua mente tentando achar uma maneira de voltar. — Vick me alertou que meu estado é o melhor possível levando em conta que não morri.
— Foi nobreza.
— Foi. — Sua afirmação quase tornando uma pergunta. — Muita gente teria morrido se vocês não tivessem parado ele. Vick também tinha me alertado que eu estava abusando da habilidade regenerativa que tinha, mas não levei em consideração achando que ia ganhar. Foi idiotice também.
— Uma idiotice nobre — brincou Heian tirando um sorriso seu. — Dante, eu queria poder te dizer que fez a escolha correta, mas só você tem sua resposta. E mesmo que não conhecemos por muito tempo, eu tenho certeza que ela está ai, mas você não quer ver.
— Não, não quero. Sendo bem sincero, a única coisa que eu gostaria de ver agora seria uma bela refeição. — E apontou para a cratera. — Acredita que aquela garota fez isso aqui? Acho que nem eu faria algo assim.
Heian deu uma risada.
— Para com a modéstia. Se você o Dante que me jogou na barreira da cidade, esse monstro nem teria chance. Ele teve foi sorte, se Juno e você estivessem juntos, ele teria sido morto antes de ficar gritando e implorando pela vida.
Dante deu uma risada. Os dois viraram para voltar.
— Vamos a pé? — perguntou Heian. — Quer caminhar até lá?
— Até parece. Pode me levar voando, estou velho e sem habilidade. Agora sou um senhor de idade comum.
Heian soltou uma risada seca e concordou.
Até parece, velhote. Ainda continua sendo o mais forte de nós. Mas… está em casa agora.
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