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    Ao chegar em Kenshin, Vinigo puxou as rédeas e desacelerou o cavalo, que já estava exausto da longa viagem. O vento carregava um cheiro de poeira misturado ao de ferrugem das muralhas externas, recém-reforçadas. Ele desmontou com calma, os músculos doloridos pela jornada, e entregou as rédeas a um soldado que se aproximou apressado para recebê-lo. Outros, alinhados em posição de guarda, ergueram as mãos em saudação respeitosa.

    Atrás dele, os dois guarda-costas desceram também, as armaduras levemente arranhadas pela estrada. Vinigo não respondeu à saudação; apenas ficou parado por alguns instantes, como se absorvesse o silêncio ao redor. Ao longe, podiam ver a linha abandonada da cidade vizinha, Kappz, uma sombra no horizonte.

    — A viagem foi bem imprópria — murmurou quando retomaram a caminhada pela estrada que levava às ruas principais. Sua voz soava cansada, suspirando. — Cuba tem um sistema de defesa muito mais sofisticado do que esperávamos. Preciso que meu pai saiba disso imediatamente. Invadir aquele lugar não é a decisão que ele deveria tomar.

    Um dos guardas, percebendo a urgência, adiantou o passo e disparou à frente, sumindo nas ruas estreitas. O outro permaneceu ao lado de Vinigo, atento a qualquer olhar suspeito que viesse das sombras.

    Kenshin já não era a mesma de meses atrás. O crescimento da cidade era visível em cada detalhe: novos mercados improvisados ocupavam as praças; bandeiras coloridas pendiam das janelas recém-construídas; famílias chegavam diariamente, carregando carroças cheias de ferramentas e mantimentos. As ruas estavam cheias de vida, mas também de uma estranha tensão — um progresso rápido demais, como se a cidade estivesse crescendo sobre terreno instável.

    Seu pai, Atechi Novae, era a mente por trás daquela prosperidade súbita. Trouxera pessoas, recursos, criara empregos onde antes havia apenas abandono. Mas Vinigo conhecia bem a fragilidade desse crescimento. Sabia que tudo aquilo estava destinado a estagnar quando a força da natureza — a verdadeira força que moldava os tempos modernos — não estivesse inclusa nos planos.

    Ele havia cruzado mais de dez cidades em sua jornada, e em todas elas encontrou o mesmo problema: a ausência das correntes elétricas. Sem luzes, sem maquinários, sem comunicação, os homens se mantinham acorrentados ao velho mundo, às tochas e às velas. Tentaram reproduzir, tentaram imitar, mas falharam.

    E no entanto, Cuba havia conseguido.

    Vinigo parou por um instante, olhando para a fumaça que se erguia ao fundo da cidade — não fumaça de destruição, mas de forjas ativas, de produção. Mordeu o lábio inferior, refletindo.

    A líder de Cuba, Clara, tinha alcançado o impossível. Ela havia reerguido aquilo que todos julgavam perdido: a energia do mundo antigo. E agora, o casamento era improvável.

    Quando penetrou a casa de seu pai, deixou claro para seu seguidor que se mantivesse em silêncio. Não queria perder mais um que ousasse questionar o dono de Kenshin abertamente. Um erro que Vinigo viu acontecer não só com ele, mas com seus irmãos também.

    Parou no hall, vendo o piso limpido e as paredes altas, ligando o teto ondular. Não se moveu mesmo vendo os soldados e moradores andando de um lado para o outro. Do meio da multidão, uma mulher alta e de cabelos ondulados se aproximou.

    Ela fez uma reverência profunda diante dele, e se levantou, um pouco nervosa.

    — Mestre Atechi Novae o aguarda, mestre Vinigo.

    — Me leve até ele, por favor.


    Havia mais de dez pessoas reunidas dentro do quarto, o ar aquecido pela lâmpada no alto e pelo calor humano, misturado ao murmúrio de expectativa. Todos olhavam para Dante, atentos, quase como discípulos diante de um mestre. Ele começou devagar, ditando os problemas do Farol, relembrando a criatura chamada Moolinch, um ser que não apenas atacava, mas roubava o que os fazia únicos: a Energia Cósmica.

    — Ele me fez desaparecer — disse Dante, num tom grave. A lembrança era estreita, mas vívida quando as dores do seu corpo se reuniam com os pensamentos intermináveis da derrota. — A única forma de vencê-lo foi entregando tudo… sacrificando o que me restava.

    O silêncio que se seguiu foi pesado. Alguns trocaram olhares rápidos, como se a ideia de perder a própria energia fosse impensável. Clara, ao lado, apertou de leve a mão dele, como se para lembrá-lo de que ainda estava ali.

    Ele então continuou, a voz se tornando mais firme à medida que mergulhava nas lembranças: a escravidão sob os marés, a batalha por um rei distante, o dia em que finalmente foi chamado de capitão. Falou sobre o navio que navegou como se fosse extensão do próprio corpo, invejado até por aqueles que o odiavam, e sobre os reparos secretos que aprendeu a fazer em lugares que poucos ousavam visitar.

    E então, vieram os nomes que ecoaram como trovões no ambiente fechado: Glossário e Bastardo. Ninguém ousou interrompê-lo quando descreveu o confronto, os riscos, as cicatrizes invisíveis.

    Antes disso, havia falado do Mundo Espelhado. A sala pareceu prender o ar quando ele explicou: um reflexo da própria alma, onde figuras queridas podiam surgir diante de si, fazendo-o questionar o que era ilusão e o que era verdade.

    — Era verdade — confirmou Marcus de repente. — Nós o vimos lutar em um navio, no meio do mar. Estava buscando alguém…

    Dante se calou, chocado. Se Marcus tinha visto, então a habilidade da capitã do mar não era apenas truque. Isso significava que as outras visões também eram reais. O rosto de Talia, a imagem dos pais na Capital… todos tinham estado ali. Seu coração acelerou com a revelação.

    — Isso muda muita coisa — disse por fim, abrindo um sorriso nervoso. — Eu vi mais do que vocês imaginam. Vi minha família, vi a Capital. Mas deixem-me terminar…

    As palavras fluíam agora como um rio sem represas. Dante falou de como terminou em Selenor, enfrentando os Felroz, desenterrando informações sobre a Rainha do Norte, e como, quase sem perceber, mergulhou em uma luta até a morte com o Rastro.

    — Eu não sabia quem ele era, não até se mostrar — admitiu. — Acho que usei tanta energia que o forcei a revelar o plano. Ele queria controlar os Felroz, e se conseguisse… teria um exército inteiro.

    Um murmúrio correu pela sala. Jix foi o primeiro a falar:

    — Fez bem em enfrentá-lo ali. Nenhuma das suas ações foi impensada. Isso me intriga, porque você tinha mania de agir antes mesmo de cogitar falar com Clara ou Marcus.

    Risadas se espalharam. Dante balançou a cabeça, aceitando a crítica sem defesa.

    — Posso ser estranho, mas… esses dias ficaram para trás.

    Enquanto dizia isso, sentiu o aperto suave da mão de Clara. O gesto valeu mais que mil palavras.

    — Está tudo bem — disse ela com ternura. — Você tem outras utilidades além de nos deixar preocupados. A Cuba tem espaço para alguém que queira aprender, ensinar… e viver. Temos jovens querendo seguir os ofícios da guarda. Você pode mostrar a eles um caminho.

    — É verdade — reforçou Degol. — Temos pelo menos vinte rapazes que querem se juntar às patrulhas. Seria ótimo ter você para observá-los, passar parte do que aprendeu. Mesmo que seja só uma fração dessas histórias.

    Dante riu de novo, mais leve. Havia carinho sincero nas palavras deles.

    — Preciso descansar antes. Depois… ajudarei no que for possível. — Esticou os braços, os músculos doloridos estalando. — Sei que não é um trabalho, mas eu mereço umas férias.

    — Férias? — Jix arregalou os olhos, fingindo indignação. — Garoto, você precisa é de alguém para te abençoar. É praticamente um ímã de problemas.

    As risadas encheram o quarto, abafando por um momento o peso das memórias. E pela primeira vez em muito tempo, Dante se permitiu rir com eles, sem reservas.

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