Capítulo 469: Informações Precisas (II)
O figurino de seu pai não era o mesmo que Vinigo se lembrava do último mês em que esteve fora. Atechi Novae sempre se apresentava envolto em vermelho profundo, dourado reluzente ou branco imaculado — cores que carregavam o peso da tradição da família e a memória da mãe deles.
Nunca, em nenhum banquete ou conselho, fora visto com um azul filamentado, tecido com fios finos que serpenteavam pelas bordas, adornado com arabescos prateados que pareciam brilhar sob a chama das tochas.
O salão, silencioso, absorveu essa mudança como um presságio. Até mesmo os tapetes e as bandeiras penduradas pareciam destoar daquela figura que, por décadas, fora símbolo de constância. O olhar de Vinigo correu rápido para os irmãos, e o alívio de não estar sozinho em sua estranheza foi imediato: Silver também havia notado.
— Por que ele não está usando o vermelho da mamãe? — a pergunta saiu dele carregada de irritação, mas havia também um traço de dúvida, quase de medo. — Onde estão os guardas dele?
Vinigo ergueu o queixo discretamente. Não havia a muralha humana de armaduras que sempre cercava Atechi. Nada além de serviçais discretos, espalhados nos cantos, com o olhar fixo no chão, e o próprio líder de Kenshin sentado diante deles. Aquilo era errado. A cidade poderia, em teoria, ser governada por um único homem, mas o conselho sempre se postava próximo, vigilante, pronto a intervir. O vazio ao redor era ensurdecedor.
— Os dois — a voz de Micaela chegou até eles em tom baixo, quase um sussurro que parecia não querer se atrever a ecoar pelo salão. — Tomem cuidado. Algo não está certo.
Vinigo sentiu um arrepio subir-lhe pela espinha. Se até mesmo Micaela Novae, sempre a mais comedida e equilibrada, via perigo nos gestos do próprio pai, então não era apenas impressão.
Atechi se moveu. Seus passos ecoaram pelas pedras enquanto subia calmamente os degraus até o trono. A cadeira, esculpida em madeira escura e entalhada com símbolos antigos, erguia-se a três níveis acima do solo, como um lembrete constante da distância entre governante e súditos. Mas, ao se sentar, a imagem grandiosa e imponente desfez-se. O corpo massivo, outrora ereto e rígido, relaxou-se numa postura quase desleixada, como se o peso da própria coroa houvesse cedido sobre seus ombros.
Um gesto com a mão, e uma serviçal deixou a mesa central, caminhando de cabeça baixa. Nas mãos, uma pequena caixa de madeira polida refletia a luz bruxuleante das tochas. Ao abri-la diante dele, revelou frutas minúsculas, como uvas cobertas de um brilho úmido. Atechi pegou uma entre os dedos grossos e a levou à boca, mastigando devagar, o estalo da casca soando nítido no salão silencioso.
— Filhos. — Nem a voz dele parecia firme e sólida como antes. Carregava uma rouquidão pesada, quase um cansaço. — Meus amados filhos. Depois de alguns meses, finalmente conseguimos nos reunir, nós quatro. Estou feliz que retornaram de suas viagens a negócios sãos e salvos.
Vinigo piscou, confuso. Negócios? A palavra soava como uma pedra caindo em um lago calmo. Seu pai jamais se referira assim. Para ele, tudo sempre fora guerra, sobrevivência, poder. “Negócios” não era o vocabulário de Atechi Novae.
O silêncio se estendeu até que Silver se adiantou. Endireitou as costas, inchou o peito e falou em tom solene, abaixando a cabeça com os irmãos no gesto habitual.
— Estamos mais honrados ainda em estar aqui na sua presença, meu pai. Gostaria de poder apresentar meu relatório, como filho mais velho.
— Claro, meu filho. Faça.
Generosidade? Bondade? Em que mundo Atechi era assim? Seu pai repreendia Silver até mesmo por respirar, se ele se mexesse errado, era questionado. Agora, ele simplesmente o permitiu falar depois de um ato desonroso sem ter pedido permissão?
— Meu pai, eu estive caminhando na Zona Cega por tempo demais para poder dizer que as forças deles se enfraqueceram desde que Kalish se foi. As fazendas que antes supriam a necessidade das outras duas cidades partiu para outro ponto e não existe localização exata do líder ou dos moradores de lá.
— Kalish é um homem pensante — respondeu Atechi. — Dentro das paredes de sua casa, era um dos antigos donos do Farol. Lá, onde o abismo reina, outros tiveram que ceder de sua própria vida, meu filho. O que mais encontrou?
— Os dois líderes lutam entre si para criarem leis contra o outro. Nunca vi esse tipo de disputa antes, mas quando estive com um deles, Tai Salung, entendi o motivo do porque chamam aquele lugar de Zona Cega. Seus becos são escuros, e mesmo de dia, as paredes são úmidas. Pela contagem que fiz, nós iríamos precisar de praticamente dez mil homens para poder encurtar o poderio deles em 80%. Sobre as tecnologias, nada além de sucata. Não existem inventores, como a nossa mãe chamava. Apenas guerreiros que estão famintos e precisam de adrenalina para viver.
Por que esse idiota estava falando tanto sabendo que as coisas estavam estranhas? Vinigo tinha que alertar, mas a mão de Micaela chegou primeiro ao seu cotovelo. Ele a fitou apenas para entender que a cabeça dela, mexendo de um lado para o outro, era um sinal para não ir adiante.
Vinigo continuou de cabeça baixa.
— Ótima análise, meu filho. Hoje, nossa cidade está precisando de mentes que enxergam além da nossa própria atualidade, do nosso presente. Por isso, precisamos entender como as antigas civilizações nasceram e como foram destruídas. O Aquário Feudal, um dos nossos mais antigos aliados, cedeu da noite pro dia porque fizeram escolhas ruins, e hoje somente suas memórias são governadas. No entanto…
Micaela levantou a cabeça, sabendo que era sua vez de falar. Ela se levantou, ainda segurando a xícara do chá, e fez uma menção completamente longa em respeito.
— Se o senhor meu pai me permitir, falarei sobre o que descobri e sobre quais… negócios o Norte tem estado tão preocupado.
— Por favor, filha.
Por favor… Vinigo queria mais do que tudo encarar aquele homem sentado no trono. Ele nunca tinha dito ‘por favor’ para sua mãe ou filhos. Nem mesmo um agradecimento. Pelas palavras dele, o por favor era uma súplica dita aos fortes, diminuindo a si por algo que você não tem direito de ter.
Micaela também pareceu reparar nessas duas palavras.
— Pai, o norte carrega um peso muito maior do que deveria. Eles estão passando por problemas relacionados a mecanização de casas, estão de forma precária com relação a roupas e saneamento. Estavam passando por muitas necessidades porque no último ano, os curandeiros deles vieram para nossa cidade para ajudar com as doenças que tivemos do inverno. Agora, eles pedem ajuda, uma forma para conseguirem se manter naquelas terras e continuarem a prosperar e nos ajudar. Eles sentem que podem continuar nos auxiliando, mesmo nessas condições precárias.
Micaela era astuta demais. Se fosse verdadeira Atechi sentado naquela cadeira, ele zombaria daqueles homens. Não porque gostava, mas por conta da fraqueza deles. Não pediram os curandeiros naquele tempo onde as crianças adoeciam e morriam em semanas… Eles foram tomados a força.
Agora, os curandeiros serviam ao seu pai apenas. Atechi era esse tipo de homem.
— Fico um pouco triste pela situação deles, mas iremos verificar uma maneira de ajudar quando for necessário. Assim, conseguiremos manter uma amizade com aqueles povos.
Amizade… Vinigo levantou o rosto, sem ao menos ter um pingo de consideração de que ainda não era sua vez.
Aquele homem sentado no trono… não era seu pai.
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