Capítulo 472: Um Pequeno Tremor
Meliah se juntou a Degol no pátio. Os dois irmãos ficaram parados, observando. Não somente eles, mas Juno, Jix, Heian e Gerhman faziam o mesmo. Ao redor deles, guardas, construtores e até mesmo os idosos observavam dos andares superiores.
A luz do sol penetrava o pátio, revelando Leonardo Vulkaris e Dante. Frente a frente, nenhum dos dois se movia. Leonardo era um dos espadachins mais fortes, também era melhor que qualquer outro, incluindo Juno em combate corpo a corpo, mas antes disso, ele sempre era comparado com Dante.
Muitos conheciam o rumor de que Dante era melhor do que ele, mas não era necessariamente verdade. Em um combate, tudo valia. Por isso, naquela manhã, quando Leonardo se aproximou dele, Degol achou divertido.
— Você quer uma luta? — Parecia até piada. A face do espadachim sequer ondulou. Ele tinha certeza do que queria. — Dante ainda está se recuperando. Estamos na terceira ronda da semana.
Dante ergueu a mão.
— Está tudo bem. Eu entendo ele. — Avançou um passo, a postura calma, a voz serena, mas firme. Sua aproximação tinha precisão, como se cada movimento fosse calculado. — Ele não quer apenas uma luta. — Olhou diretamente para Leonardo. — O que você propõe?
O espadachim inspirou fundo antes de responder:
— Desde que você foi embora, eu tive certeza de que o monstro que te derrotou faria o mesmo com qualquer um aqui dentro. Estou errado?
— Moonlich. — Dante pronunciou o nome devagar, como se fosse amargo até na boca. — Para ser sincero, acredito que mais de uma pessoa poderia derrotá-lo. A habilidade dele era simples, mas brutal: eliminar a do inimigo. Em uma luta justa, eu não tive chance.
— Subestimou ele?
Dante assentiu, sem orgulho, apenas com a verdade crua.
— Infelizmente. Só percebi que era até a morte quando já estava sangrando.
— E se eu tivesse estado lá? Eu venceria? — Leonardo perguntou, e sua voz carregava mais do que vaidade: havia ali uma ânsia por quebrar o ciclo de estagnação que os aprisionava.
Dante respirou fundo antes de responder.
— Você já sentiu medo de morrer alguma vez?
Degol permaneceu em silêncio, apenas inclinando-se ligeiramente para ouvir melhor. Leonardo negou com a cabeça.
— Nunca temi por mim. Sempre que um inimigo surgia, eu o derrubava. Meu medo maior era perder um companheiro… ou não voltar para casa, deixando minha esposa e filha sozinhas.
— Nenhum inimigo jamais fez você duvidar da própria existência? — Dante arqueou a sobrancelha, surpreso.
Leonardo hesitou um instante.
— Somente o Rastro…
A simples menção foi como um soco coletivo. O nome carregava o peso de cicatrizes ainda abertas. O Rastro havia reduzido todos eles a sobreviventes rastejando, e só fora derrotado porque cada um dera mais do que podia. Se Leonardo tivesse estado sozinho contra aquela criatura… Dante já sabia a resposta.
— Ótimo. — Um sorriso quase imperceptível surgiu em seus lábios. Ele levou a mão até o botão no punho, desatando-o com calma. — Então essa é a imagem. Se ele foi o único a te causar medo, está na hora de eu te mostrar o que é algo pior.
Degol deu um passo à frente, preocupado.
— Ei… tem certeza disso? Não tem mais…
— Habilidade? — Dante o interrompeu, rindo baixo, já abrindo o outro botão do uniforme. — Eu sei. Habilidade é só um registro que cada ser vivo carrega. Mas sensação… — levantou os olhos, fixando em Leonardo — sensação é forjada além disso. E é isso que eu vou te mostrar.
Por isso, eles se separaram no pátio. Degol não gostava da forma como Leonardo queria provar um ponto. O correto era simplesmente solicitar ajuda, não confrontar alguém que tinha acabado de se recuperar.
Nos últimos três dias, esteve vigiando Dante junto de Marcus. O Atirador sempre ficava a distância, mas quando foi relatado que o velho somente caminhava pela cidade, sem procurar problemas ou indo muito longe, Degol relaxou.
Ele não iria trazer problemas, era sensato.
— Quem diria, hein? — Dinamite sentou em uma das cadeiras, ao lado de Juno. — O grande espadachim Leonardo sentiu o peso da liderança pelo velho.
— Se fosse isso, seria melhor. — Jix respirou fundo. Se apoiava na bengala entalhada por Duna, com os braços imóveis. — Uma alma que não observa o progresso confessa seu próprio arrependimento ao não chegar onde quer. Guerreiros que ficam sem lutar fazem perguntas demais a si, e sem as respostas, eles sucumbem.
A risada de Dinamite fez Jix o encarar.
— Não me lembro de ter dito algo engraçado, rapaz.
A cara do jovial fechou no mesmo momento.
— Deveria observar e aprender como os mais velhos fazem. — Jix ainda fitava Dante, esperando seu movimento. — Porque quando um monstro pisa em território alheio, isso acontece.
Mais, a fim de ser melhor, Leonardo não tinha dúvidas de que a pessoa mais forte que ele conhecia era Dante. Ter navegado, ter derrotado inimigos muito superiores, ser um Capitão de um navio e ter que comandar dezenas de homens contra um dos inimigos mais estranhos e mortais. Depois, se jogando contra a primeira criatura que se denominava Rastro.
Ouvir do segundo, que enfrentou ali em Kappz, de que ninguém era capaz de vencê-lo se não o homem a sua frente era jogar gasolina em uma faísca, que já se alimentava de palha fazia muito, muito tempo.
Por isso, quando sacou sua espada, enquanto Dante ainda parecia despreocupado, ascendeu a mesma voracidade dos seus dias mais jovens. Guiado para dentro de um campo de treino, contra soldados mais fortes e rápidos, que não se importava com patente ou grau.
Era apenas uma luta.
O pátio ao seu redor se deformou dessa maneira, o levando a se concentrar somente no seu inimigo. Somente… nele.
— Só pra constar — falou Dante do outro lado. — Eu não vou pegar leve só porque você é um colega ou aliado. Pode ter visto inumeras pessoas que te trataram dessa forma, não acertando os pontos fracos ou deixando que acerte algumas vezes. Não sou esse tipo de pessoa, não fui treinado pra ser.
— Respeito isso mais do que qualquer coisa.
— Ótimo. Arsena, por favor.
A jovem que estava praticamente em uma corda de aço, acima de todos eles, esticou a mão para o lado. As fagulhas amareladas se formaram, criando uma espada de lâmina curvada, um cabo mais acentuado e praticamente do tamanho da espada de Leonardo.
— Eu guardei aquela que usou contra mim. — Arsena jogou, se divertindo. — Tente não fazer o mesmo que fez comigo naquele dia.
Dante segurou a espada com firmeza, a girando para baixo.
— Ora, mas um treino é um treino. — Ao brandir a arma para frente, a pressão inteira do pátio se alterou na mesma hora. — E uma batalha é uma batalha.
Essa era a sensação que qualquer um sentiria em seus ombros, cabeça e peito ao ter aquele homem como inimigo. Leonardo entendeu bem do que o Rastro falava. Observar Dante era como encarar uma criatura que não deveria existir, um monstro recoberto por olhos e tentáculos ocultos na escuridão. Olhos que não apenas viam, mas sondavam cada fraqueza, despedaçavam cada defesa.
E ainda assim, no meio daquela infinidade imaginária, apenas dois olhos — imóveis, certeiros — permaneciam fixos nele, implacáveis. Aqueles, Leonardo sabia, não estavam apenas observando. Eles estavam prontos para matá-lo.
O tremor que percorreu o pátio não veio da terra, mas das pessoas. Mãos suavam, corações batiam acelerados, um frio rastejou pelas costas de alguns que assistiam. A sensação era uma agonia sufocante, uma vibração tênue que se infiltrava até nas pedras do chão,
E ele não tem habilidade alguma… Duna me confirmou isso.
Leonardo respirou fundo controlando os batimentos cardíacos.
— Não seria interessante se fosse fácil — comentou consigo. — Vamos em frente.
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