Capítulo 474: Trava
Dante desviou de um corte lateral, girou por baixo do movimento e saiu mais uma vez de uma estocada em seu pescoço. Leonardo parecia estar desesperado para o acertar, e não era sem motivos. A habilidade dele era justamente essa.
Se acertasse o alvo, poderia entender quantos faltavam e onde acertar. Dessa maneira, teria uma linha para seguir, um lugar e um alvo para caçar.
— Se ele não consegue acertá-lo — disse Vick —, ficará no escuro.
O choque metálico ecoou alto quando as espadas se encontraram, faíscas voando no atrito. Leonardo tentou avançar mais um passo, mas Dante já havia recuado um braço para trás, abrindo espaço. Foi nesse instante que a pressão se adensou nos olhos do espadachim. Ele foi obrigado a mudar a intenção inicial, retraindo a lâmina para defesa, bloqueando sucessivos golpes alternados.
Era esse o motivo da força de Leonardo. Ele acreditava, assim como Dante, que sua habilidade era um nível que o colocava acima dos outros. Mas, exatamente por depender dela, negligenciava algo óbvio: o seu próprio instinto.
Olhos, ouvidos e tato estavam relaxados, como se não merecessem confiança diante do que a habilidade podia oferecer. E era por aí que Dante o enganaria.
Num instante, Dante atacou pela direita, peito exposto, guarda baixa, completamente aberto. Um movimento que qualquer espadachim experiente veria como um blefe mal disfarçado. Uma isca clara demais para ser real.
Mas aquela isca… nunca foi uma isca.
— A arte de não parecer, mas ser. — A voz de Vick ecoou na memória de Dante, a lição do dia anterior. — Ofereça ao inimigo dois focos. O mais óbvio sempre será priorizado. O verdadeiro golpe vem de onde ele não espera.
Dante abriu a mão livre e, no instante seguinte, desviou a lâmina de Leonardo com um único toque. O som metálico reverberou alto no pátio, e o olhar de Leonardo se estreitou — ele esperava um contragolpe forte, um rompante agressivo. Mas Dante não lhe deu.
Em vez disso, girou o corpo em diagonal, como se o próprio ar o impulsionasse, e o braço desceu como um chicote. A lateral da mão atingiu o pescoço de Leonardo em cheio. O estalo seco foi seguido por um engasgo involuntário. O espadachim cambaleou, deu um passo para trás, e o mundo à sua frente escureceu por um instante.
Quando conseguiu abrir os olhos novamente, Dante já estava perto demais, a curta distância que anulava qualquer reação. Leonardo ergueu a espada em reflexo, tentando trazê-la para cima, mas algo o travava. Sentiu o pulso torcer-se contra a própria vontade, o corpo girar como se fosse conduzido por uma força invisível, e então a dor súbita de um chute na lateral da perna o fez perder o equilíbrio.
O impacto foi rápido demais para acompanhar. Quando percebeu, estava arfando, peito subindo e descendo em ritmo frenético. Nem ao menos tinha visto os detalhes da sequência.
Rendido. Em poucos movimentos.
— Mas que merda foi isso? — bufou, a voz embargada pela falta de ar.
Dante o soltou, ainda calmo. O processo foi parecido com o que tinha feito uma vez com Miatamo, no Nokia.
— Desarme rápido. — Ao abaixar e pegar a espada de Leonardo, entendeu o motivo de muitos confiarem nele. – Espadas são mais letais do que imaginam, mas quando se trata de usar elas, você está muito bem entendido. Não é a toa que chegou onde chegou hoje.
— Eu agradeceria se não tivesse caído em um truque tão bobo como esse. — A insatisfação visível se tornava ainda marcante pelo fato de que Leonardo queria entender mais sobre a lacuna que existia. Dante só não queria forçar mais isso. — Abrir sua defesa foi intencional, não é?
— Claro que foi. Eu não uso espadas para lutar, uso as mãos, pés, corpo. Eu sou praticamente um pugilista. Desde o começo, minha verdadeira intenção foi te mostrar que não existe equilíbrio em quem está do outro lado. No momento que segurei aquela arma, sua mente te fez acreditar que eu lutaria somente usando isso.
Leonardo forçou um pouco a respiração e abaixou a cabeça. A luta contra o Rastro tinha sido exaustiva. Depois de derrotado, foi necessário alguns dias para se levantar, mas o desgraçado tinha tirado muito sangue e também o acertado diversas vezes.
Como um Espadachim, a força que emerge quando se observa um inimigo se dá pela capacidade de experiências. E ele tinha isso, mais do que suficiente. Mas… olhando para Dante o encarando de lado, curioso como uma criança, Leonardo parecia ainda mais perdido.
Era possível que sua espada o cortasse um dia?
— Meu pai era um espadachim, sabia? — Dante começou a abotoar o pulso novamente. — Ele usava todos os tipos de armas, na verdade. E pra ser sincero, eu nunca o vi usando nada além disso para lutar, mas ele fazia algo com a arma que sempre me deixava intrigado.
— O que era?
— Isso.
Dante segurou o cabo com a mão esquerda e o rotacionou levemente para a direita. No mesmo instante, separou as duas pernas e abriu o golpe para a diagonal.
Como se o mundo inteiro tivesse se calado, Leonardo escutou o assobio do ferro ao separar o caminho da brisa. E então, sua mente lhe fez acordar no pátio, muitos anos atrás, quando seu pai repetia a mesma etapa de braços e pernas.
O som, como uma flauta soando para os ouvintes passageiros, se tornando a melodia que sua infância tinha tomado pra si. Uma lembrança perdida fazia anos…
— Era assim? — Dante parou, voltando a ficar ereto. — Lembro que ele tinha algo parecido com isso. Mas, não me recordo muito bem. Toda vez que você usava algum movimento mais calmo, eu quase ouvia ele se formando.
— Quase? — Leonardo nunca tinha parado pra pensar nisso. — Minha espada não faz o som da flauta.
— Flauta? Não. Acho que é assobio mesmo.
Leonardo viu que ele não estava mentindo ou brincando. Era sério. Dante realmente tinha quase ouvido o som da sua espada sendo forçado a ganhar voz mesmo nunca tendo escutado realmente. Isso queria dizer….
— Trava — murmurou.
— Trava?
— É o nome que meus antigos mestres utilizavam para dizer quando você chegou ao lugar onde queria, mas não consegue entender e nem sentir que está lá. — Leonardo segurou sua espada novamente, avaliando sua textura, sua lâmina, o brilho envolto. Seu reflexo voltando a ele. — É o mesmo que não acreditar em si.
Dante, então, respirou fundo.
— É um pouco difícil acreditar que um homem tão forte não confiaria em si mesmo apenas porque pensa que não é digno de algo. Não quero te desmotivar, mas se precisar de outra surra. — Dante deu uma risada. — Posso ajudar depois de terminar meus estudos.
Leonardo ficou abismado. Mesmo sem habilidade, mesmo perdendo a força que tinha, mesmo sendo apenas um homem normal… Dante praticamente era maior que qualquer um apenas por ser ele mesmo.
Era como voltar a ser criança e perceber que somente uma pessoa era adulta o suficiente para entender as próprias falhas, fraquezas e erros. E dessa vez, não fugir delas. Era aceitar.
Nunca esqueceria desse sentimento. Nunca.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.