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    — Eu já disse que se você roubar qualquer coisa da minha sala, eu vou vir aqui e roubar de volta. Aliás, isso aqui é meu, então nem é considerado roubo. — Era uma garota, mais baixa que Juno, talvez na mesma altura que Clara, e falava enquanto caminhava de costas, olhando para trás como se não tivesse receio algum de se perder.

    Antes que desse mais um passo, Dante esticou o braço e a deteve com leveza, fazendo-a parar. O choque de movimento a fez encarar o homem por alguns segundos, sobrancelhas arqueadas.

    — Oh… — murmurou, reconhecendo-o. — É o senhor de antes.

    Houve um breve silêncio, até que ela abriu um sorriso travesso.

    — Ah, perfeito! Você pode me ajudar. — Virou-se de repente, apontando para Duna como se fosse uma acusação em tribunal. — Ele está roubando todos os meus projetos. Esse velho safado!

    Dante não conteve a risada quando Duna, do outro lado da sala, gritou de volta, gesticulando com os braços:

    — Velho safado é o seu tio, aquele traste! Kalish devia ter te deixado na Zona Cega, sua moleca intrometida! — A voz dele ecoava carregada de irritação, mas também havia uma pontada de costume, como quem já discutira com ela dezenas de vezes. — Agora, se você quer mesmo ajustar isso aí, precisa deixar comigo. Ou vai preferir ficar travada de novo por semanas?

    A garota cruzou os braços, fazendo um enorme bico que deixou claro: ele tinha tocado em algo real. Talvez já tivesse ficado encalhada em problemas técnicos mais de uma vez.

    — Eu trabalho no meu tempo. Ainda tenho prazo para testar, não é algo crucial. — Respondeu, virando o rosto como se tentasse se manter firme, embora soasse defensiva. — Se eu estivesse na sua posição, aí sim teria que correr. Você está sempre atolado até o pescoço, cheio de coisa para resolver, e mesmo assim arranja tempo para perseguir meus projetos.

    Duna bufou e saiu de trás da mesa, passos pesados, avançando em direção à garota. O tom da briga estava prestes a escalar, mas Dante ergueu o olhar e o encarou. Foi o suficiente para que o homem parasse no mesmo instante, como se tivesse dado de cara com uma parede.

    — Calma, Dante. — Duna ergueu as mãos num gesto apaziguador, tentando se justificar. — Não é o que você está pensando. Esse projeto é importante, porque melhora — e muito — a filtragem da água. Precisamos disso imediatamente, e ela não tem o necessário para conduzir sozinha.

    Dante estreitou os olhos, cruzando os braços devagar.

    — Espera… O Reservatório já está em funcionamento?

    A garota, rápida, virou-se para ele e balançou a cabeça em negação.

    — Não. Por isso eu preciso terminar o mais rápido possível. Prometi à senhora Clara e ao meu tio que faria tudo para entregar. — Nervosa demais. Claramente ter prometido deixou ela ansiosa. — E esse velho — apontou de novo para Duna, com a cara franzida — roubou de mim no meio da noite! Eu passei dias procurando, até descobrir que estava com ele.

    Dante inspirou fundo, deixando o silêncio parecer entre eles. Por fim, olhou diretamente para Duna.

    — Sério, Duna? — perguntou, cruzando os braços de forma mais firme. — Sério que pegou o projeto da garota?

    — Como eu disse, justifico meu ato porque é algo que demanda muito tempo. — Duna ergueu o queixo, cruzando os braços com arrogância.— E ela não tem nada além de uma mente sem ideias para levar pra frente. Eu consigo fazer qualquer coisa aqui dentro. — Abriu os braços, indicando o laboratório.

    O espaço era caótico: mesas cobertas de papéis e ferramentas, plantas de projetos empilhadas sem ordem, quadros lotados de rabiscos indecifráveis e até documentos espalhados pelo chão. O cheiro de metal queimado e tinta fresca impregnava o ar. Duna fez questão de apontar para tudo.

    — Viu? Está sob controle. Pelo menos, se estivermos falando de arrumação.

    — Eu ia falar… — comentou Dante, a voz carregada de ironia.

    A garota não conteve a risada, quase se dobrando para frente.

    — Tome conta das suas coisas, velhote. — Seu olhar faiscou de malícia. — E se pegar algo meu de novo, vou contar tudo para a senhora Clara.

    A expressão de Duna azedou instantaneamente, o cenho se fechando. Parecia até que tinha comido algo ruim.

    — Dante, por favor… — tentou apelar, mas a voz soou mais fraca do que gostaria.

    Dante ergueu uma sobrancelha, divertido.

    — Não tem nada que eu possa fazer. Ela está trabalhando nisso. — Balançou a cabeça. — Eu duvido que você teria coragem de fazer o mesmo com Marcus, por exemplo.

    No mesmo instante, como se ensaiados, Duna e a garota negaram ferozmente.

    — Não! — disseram juntos, quase em uníssono.

    Dante sorriu, satisfeito com a reação.

    — Ele dá medo, né?

    — Senhor Marcus dá muito medo. — A garota respondeu sem hesitar, franzindo o nariz. — Ele sempre parece irritado, como se fosse arrancar a cabeça de alguém a qualquer momento.

    — Então pronto. Estamos certos. — Dante inclinou levemente o corpo para ela. — Qual é mesmo o seu nome, garota?

    Só então reparou nos detalhes dela: o rosto arredondado, de feições suaves, contrastava com algumas mechas cor-de-rosa que escapavam de um coque malfeito, onduladas e vivas sob a luz do laboratório. Havia nela algo meio desorganizado, mas cheio de energia.

    Ela estendeu a mão, hesitante, e logo a recuou, mordendo o lábio.

    — Não sei se devo apertar sua mão… Todo mundo diz que você é uma lenda.

    — Lenda? — Dante deixou escapar uma risada curta, sincera. — Nunca fui. Agora, o nome.

    — Manu. Manu Kalish.

    Dante levantou a mão e pousou-a sobre a cabeça dela, bagunçando os fios soltos com um gesto fraternal. Manu fez uma careta, mas não conseguiu esconder o rubor no rosto.

    — Se precisar, estarei aqui para te ajudar. — Disse com firmeza, voltando o olhar para Duna. — Pode deixar que eu cuido dele. Não vai roubar mais nada seu.

    Os olhos da garota brilharam. Um sorriso largo se abriu em seu rosto, iluminando-o por completo, e ela assentiu com entusiasmo.

    — Obrigada e… — virou-se para Duna, esticando a língua como uma criança provocadora. — Velho caduco.

    Duna resmungou algo inaudível, a expressão endurecida, enquanto Manu soltava uma risada satisfeita indo embora.

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