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    Dante e Duna ficavam no laboratório por praticamente seis horas. Os dados que Vick coletava e processava eram despejados diante deles em projeções simples, linhas e números correndo pelo ar. Esse fluxo constante alimentava a imaginação de como poderiam erguer uma estrutura mais sólida para Cuba. O ritmo de trabalho se mantinha surpreendentemente leve, apesar da carga mental. Dante absorvia cada informação, mas também se lembrava dos alertas de Vick: tecnologias muito avançadas, se reveladas sem cuidado, poderiam provocar pânico, como acontecera em Selenor, muitos anos atrás. O conselho era claro — gerir o acesso à informação era tão importante quanto produzi-la.

    Mas Duna não aceitava isso facilmente.

    — Não falar pra eles sobre melhorias é o mesmo que esconder o que estamos fazendo, IA. — A irritação vazava na voz dele, mesmo que tentasse soar racional. — Se souberem que estamos fazendo tudo por eles, sempre irão se sentir em dívida conosco.

    — Negativo… — respondeu Vick, direta.

    — Não quero saber de maneira realista o que está tentando nos passar, Vick. — Duna cortou, batendo a palma contra a mesa, espalhando alguns papéis. — O que importa é que estamos praticamente prontos para avançar um passo… se não cinco passos… em reconstruir essa cidade.

    Houve um breve silêncio. O zumbido entre eles se intensificou, até que Vick devolveu:

    — Cinco passos? — Ela fez uma pausa. — Não estão nem perto do que seria um único passo, cientista. Suas fantasias de reconstruir um mundo baseado nas suas memórias não existem mais. Os humanos têm medo do desconhecido. Estão sempre se escondendo de tudo o que lhes soa “novo”. Minhas pesquisas sobre vocês confirmam: quanto mais algo parece deslocado da realidade deles, mais se afundam em pesadelos e se recolhem. Estou errada?

    Dante acompanhava a troca em silêncio, atento. Observava Duna com cuidado e viu nele a reação mais honesta que podia ter: silêncio. O velho desviou o rosto, como se não conseguisse encarar a verdade nua e crua, e apenas apontou para a projeção.

    — Não. Não está. Mas… — ergueu a mão para impedir uma nova resposta automática da IA. —Isso não é resposta para pessoas como eu.

    — Sua base como cientista é revelada somente por descobertas e melhorias para sua espécie. — Vick era brutal, objetiva, quase impiedosa. Dante já havia se acostumado com esse tom, mas sabia que suas palavras se tornavam praticamente agulhas contra a pele dele. — Se quer mostrar as melhorias que precisam ser feitas, mostre, não diga.

    Dante acenou devagar, apoiando-se contra a mesa.

    — Concordo bastante com ela.

    O olhar de Duna se estreitou.

    — Até você? Está de complô com ela?

    — Na verdade, sim. — Dante deu de ombros, com um meio sorriso. — Vick e eu estamos praticamente juntos há bastante tempo. É normal que eu concorde com as ideias dela. Ela me salvou… e me mostrou maneiras de enxergar o mundo como ele realmente é.

    Duna bufou alto, desviando de novo o olhar. Cada vez que fazia isso, encarava o quadro cheio de equações rabiscadas em giz branco, como se buscasse ali uma resposta que se negava a aparecer. Dante reconhecia alguns daqueles traços. Tinha passado tempo demais no vilarejo, observando Talia rabiscar as próprias equações até encontrar resultados. Ela sempre chegava a algum lugar.

    Duna, por outro lado, não avançava. Durante toda aquela semana, não havia conseguido terminar uma única daquelas fórmulas.

    — Vick… — murmurou, quase pedindo por uma saída.

    A IA assimilou seus pensamentos de imediato.

    — O conhecimento que você possui é suficiente apenas para responder a parte das questões que estão aí. Mas sem os livros tecnológicos que a Capital guardava, não alcançará os resultados completos.

    Dante fechou os olhos por um instante. Não tinha esses livros. Tudo o que carregava eram mapas da cidade, alguns pergaminhos que Duna lhe emprestara e os velhos relatórios que escrevera quando ainda vivia na caverna com Magrot e Arsena. Não era suficiente. Não seria nunca.

    Por isso, desviou sua atenção para o mapa da cidade inteira, aberto em outra mesa. Gostava de ver como as ruas se ramificavam, como o metrô traçava um segmento próprio, escondido sob camadas da estrutura. E sabia que precisava conversar com alguém mais, alguém fora dali, para seguir adiante.

    Pegou o casaco pendurado na cadeira, vestindo-o em silêncio, enquanto Duna se voltava lentamente para sua mesa. O velho girou a cadeira para encarar o quadro, a postura marcada pelo cansaço. Seus ombros pareciam afundar mais a cada noite.

    — Terei algo mais sólido amanhã. — Sua voz saiu quase em sussurro.

    Dante parou na porta, lançando um último olhar.

    — Te vejo amanhã, Duna.

    — Te vejo amanhã… — respondeu o cientista, já mergulhando outra vez nas equações inacabadas.

    Do lado de fora, no corredor, Dante esperou praticamente até estar vinte metros distante, chegando num dos beirais da Cuba, para só então revelar seus pensamentos em formas de palavra.

    — Ele está ficando sem opção. Nós entregamos um baquete inteiro pra ele, mas com um garfo e uma faca, ele não consegue focar em uma coisa só. Acha que fizemos errado em querer ajudar com tanto?

    — Minhas pesquisas indicam que humanos tendem a ser perder quando existe uma imensa quantidade de informações disponíveis. Antigamente, vocês possuíam algo chamado ‘rede’, que ligava as informações de todo o mundo, mas usavam de maneira idiota e bem exagerada, apenas para passar o tempo.

    Dante deu uma risada assim que chegou ao beiral.

    — Passar o tempo, hein? Isso seria divertido, mas a gente tem muita coisa pra fazer. Não somos mais guerreiros, mas temos que estar a frente de praticamente todas as coisas que envolvem essas pessoas. — O pátio estava recheado de rostos conhecidos, e muitos que ele tinha ouvido falar que ajudaram de certa forma na reconstrução quando Dante esteve fora. — Você já alinhou as informações de todos eles pra mim?

    — Positivo. Todos os rostos, profissões e habilidades foram ajustadas para que possamos entender melhor como gerenciá-los de maneira adequada e sem perder recursos. O próximo passo seria entender melhor como cada um deles se comporta e…

    — Ainda não está na hora da reforma. — Dante manteve os olhos focados em Juno e Arsena conversando. As duas tinham uma grande amizade, além de serem rivais. Isso ajudava bastante na evolução. — Vamos nos encontrar com Rupestre. Ainda temos muitos assuntos pendentes a tratar com ele.

    — Positivo. Traçando caminhos até o subsolo.

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