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    — Que planos seriam esse, Dona Clara? — Dante não se importava se eles conversavam sobre novos projetos. Clara e Rupestre eram colegas que também queriam o bem para a cidade e para seus moradores. Eram líderes em lados diferentes da terra. — Eu consigo ajudar em algo?

    — Eu não escondi nada, está bem? — O prato foi recheado com algumas pequenas porções de carne e batata. — O Hospital tem sido um problema muito grande pra todo mundo. Simone já deve ter falado sobre os utensílios. Estão escassos. Não temos como forjar ou ficar improvisando porque é uma área muito elevada. Tudo precisa estar limpo, arrumado. Temos bastante gente aprendendo com ela, mas sem os materiais, eles não muito longe.

    — E esse plano seria…?

    — Acessar o Hospital por uma via alternativa — respondeu Rupestre. — Muitos dos túneis dos metros passando por baixo das edificações da cidade. Alguns antigos postos de saúde que foram marcados também foram soterrados por conta dos Felroz e saqueadores da Zona Cega que não conseguem seguir as regras.

    Não seria a primeira vez. Quando Dante chegou a Kappz, havia um homem que sempre importunava roubando carnes e suprimentos no meio do frio. Os moradores que passavam fome eram deixados de lado para que homens como ele fossem os únicos a ter a possibilidade de uma boa vida.

    Dante esperou a resposta de Clara, mas ela enfiou uma das batatas na boca, fazendo um som prazeroso.

    — Está uma delícia, Rupestre. Nossa. Conseguiu mesmo fazer um banquete imenso.

    Nick também comia com ferocidade, enfiando a colher na boca e mastigando velozmente. Ele parou ao ver que Dante o encarava, apenas para ter seus cabelos acariciados. Gostava da presença do pequeno Sugador.

    — Eu tentei deixar o mais próximo do que vocês costumam comer. Sobre os caminhos e metro, eu acredito que posso ajudar. Muitos dos meus irmãos gostam de caminhar por baixo da cidade, e todos reportam para mim sobre lugares e também pessoas. — Ele fez uma pausa, passando o olhar para Clara. — A presença de pessoas vindo de fora causa uma estranheza para meus irmãos, e por isso, acredito que eu deva deixar relatado que existe um grupo de fora que também está de olho no Hospital.

    Clara parou de comer, voltando sua atenção com foco.

    — Pessoas de fora, você quer dizer?

    — São pessoas que vocês acolheram esses últimos meses. Alguns não são tão simpáticos, mas eles possuem capacidade para limparem certa parte do Hospital antes de nós conseguirmos estabilizar algum plano.

    Dante viu Nick esticar uma colher. Ele pegou, colocando na boca, ainda ouvindo os dois.

    — Kenshin? — perguntou Clara. E Rupestre concordou com a cabeça. — Já imaginava. O plano deles de tentar me convencer a ir pro lado deles era tão mal feito que eu acreditei que eles estavam ali só pra entenderem como nossa casa era. Achei ter deixado claro que Kappz não é uma cidade alheia, é a nossa cidade.

    — Eles não ouviram — continuou Rupestre. — Terem vindo, ficado e observado deu a eles liberdade de se acharem no direito de invadir um lugar onde o menor perigo somos nós. Na última semana, a seu pedido, eu verifiquei aqueles picos de Energia Cósmica, achei que pudesse ser algum dos Felroz Mutantes, mas me enganei.

    — O que era?

    — Uma Pedra Lunar. — Rupestre e Clara ficaram em silêncio. Dante apenas colocou a colher na boca, e concordou com Nick sobre estar gostosa. — Se essas pessoas pegarem, acredito que possa existir possibilidade deles chegarem a um nível parecido com a Zona Cega em questão de poder.

    Por muito tempo, Dante ficou travado nessas pedras quando esteve como Capitão do Nokia. Esse mesmo problema era o que o Bastardo tanto queria. E o perigo de novas pessoas terem essas mesmas experiências seria desastrosa até mesmo para Clara.

    Por mais que não quisesse admitir, Cuba ainda não tinha gente suficiente para lidar com pessoas como Bastardo.

    — Eu posso dar uma olhada depois nesse lugar.

    Os dois encararam Dante, de repente.

    — Conheço muito bem que as Pedras Lunares são perigosas. Mas, Vick e eu tivemos muitas experiências com elas quando eu estive fora. Nós temos algumas maneiras de procurar e também de trazer sem alertar as criaturas.

    — Ainda é perigoso demais — disse Clara. — Agora, você está…

    — Fraco? — Dante não se ofendeu. — Entendi. Sem problemas.

    Rupestre tentou contornar com um pouco mais de tato.

    — Já tem feito e fez tanto pelas pessoas, pela cidade ou por meus irmãos. É algo que eu não poderia pedir para você fazer sem ter uma segurança. Precisa entender que não estamos conversando e deixando a sua presença de lado…

    — Eu entendi, Rupestre. — Dante mostrou um sorriso de lado. — Não precisa se preocupar com isso. Sei que não mais adequado para ir em lugares perigosos. Eu sou grato por estar vivo, por ajudar no que posso, mas não posso fazer isso.

    A mão de Clara avançou sobre a sua, gentilmente.

    — Desculpe, é melhor assim.

    Concordando em silêncio num sorriso meio torto, Dante pegou a colher e continuou a comer Nick. O pequeno Sugador lhe deu um olhar tristonho, e virou para entregar uma batata espetada no garfo. Pelo menos, Nick estava bem.


    — Não está satisfeito, não é? — Clara perguntou ao ver Dante retirar seu casaco. Ela esperava deitada na cama, com a camisola mais fina, e com a coberta em cima das pernas. — Eu sei que é difícil. Voltar para cá depois de ficar meses… e agora você…

    — Sei que tenho limitações maiores agora. — Dante tirou a camisa longa, deixando pendurada no cabide. — Sei que as pessoas não esperam mais de mim o que eu era. É como se tornar só uma imagem.

    — Claro que não. — Clara esperou ele se virar. — A Cuba inteira depende de você, de mim, dos outros. Cada uma das pessoas…

    — Não precisa medir palavras comigo, Clara. — Dante deixou a vista cada uma das cicatrizes em seu corpo. — Essas não são marcas de gente que me queria vivo, nem criaturas. Sei o que sou agora, mesmo que eu tente dizer ao contrário. Preciso me acostumar a viver com uma pessoa normal, ter uma vida normal. Não é isso que Simone disse pra mim? Não foi o que Marcus disse?

    O rosto dela se contorceu em uma tristeza enorme.

    — Não deveria…

    — Mas é assim que as coisas são. Eu sei até onde posso ir. Prometi a Degol que ajudaria ele com as rondas, e vou continuar fazendo até que seja necessário mudar e fazer outra coisa. — Ele mostrou um sorriso, mesmo falso. — E está tudo bem. Aceito isso.

    Suas palavras poderiam ser ouvidas por ele, mas uma voz bem no fundo de sua mente negava…

    Não. Não aceitamos isso…”

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