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    Dante sentiu o olhar amistoso e curioso de Manu diante das conversas, até depois que todos se foram, quando ele se levantou e partiu. Ela se manteve em suas costas, numa distância bem razoável, ainda o seguindo praticamente por todo o caminho para o lado leste.

    Do lado de fora, quando as nuvens se formaram no céu para desabar a chuva, ela se escondeu debaixo de uma lona esticada. Não se importava com aqueles olhos curiosos, mas do lado de fora, ela precisava ser cuidadosa mesmo que não tivesse mais Felroz por perto.

    Os monstros eram traiçoeiros, ainda mais porque gostavam do cheiro da chuva, do terreno molhado. Por isso, permaneceu por perto, apenas observando o terreno inteiro com cautela. Aquele lugar tinha tanto potencial a ser explorado, tantos meios para se elevar.

    Duna vai ter um grande trabalho.

    — O cientista tem bons olhos para ver o presente — disse Vick. — No entanto, como uma mente trabalha por melhorar, é necessário que tenha olhos que observam o futuro. Ele possuí a mente, mas não o coração.

    — Ainda é cedo. Todos eles tem medo das mudanças porque saíram da lama para ter algo incrível. Mudar e melhorar tudo de uma só vez seria mais do que maluquice. Isso ia destruir a moral deles. Construíram praticamente sozinhos, sem ajuda de ninguém.

    — Quer dizer… sem sua ajuda?

    Vick era maldosa nas respostas. Dante concordou com um sorriso de canto.

    — Sim, sem mim. Mas, nem tudo gira ao torno do meu umbigo. Preciso ser bom e dar o melhor que eles podem ter. Assim, posso ajudar. O Rastro me tirou muita coisa, mas não o otimismo.

    Dante fechou os olhos. A chuva tocava seu rosto com leveza, fria e serena. Fraca e sensível a se desfazer ao toque, ela era constante. Um dos motivos de ser praticamente uma força da natureza.

    — Posso fazer uma pergunta?

    Dante abriu os olhos percebendo que a voz não era de Vick. Ele virou ao ver a jovem Manu ali atrás dele, com um estranho equipamento que bloqueava os pingos de chuva de acertá-la por completo. Era bonito e simples, bem usual.

    — Como chegou aqui sem fazer barulho?

    — Ah, isso? — Ela levantou um dos pés. — Botas sonoras. Eu fiz esses dias usando o isolamento acústico de uma antiga sala. Como não temos mais uso pra essa sala, fiz pra mim.

    Dante deu uma boa olhada na bota. Era como o guarda-chuva. Simples e bonito.

    — Muito interessante. Você quem fez?

    — Claro. — Manu mostrou um sorriso grande e sorridente. — Eu faço muitas coisas, por isso estou aqui. Eu gostaria de fazer uma pergunta, senhor Dante.

    — Olha, me chame só de senhor ou só de Dante. — Tinha dias que lembrava dos marinheiros do Nokia o chamando pelo nome, por senhor e Capitão de uma só vez. Era cansativo. — Mas, pode fazer. Vamos só sair da chuva antes.

    Eles caminharam até um pequeno pedaço de prédio que estava destruído, e sentaram em um pedaço de pedra. Manu tinha aquela prancheta ainda com ela, mas deixou de lado antes de seus olhos cravarem nele.

    — Quero saber se o senhor é forte.

    A pergunta pegou Dante de surpresa, mas ele riu por alguns segundos.

    — Eu… falei algo engraçado? — Manu arqueou as sobrancelhas. — Desculpe… eu…

    — Não precisa disso. — Precisou limpar os olhos. — Não precisa se desculpar. A pergunta só me deixou um pouco… Ai, ai. É uma ótima pergunta. Se fosse para dizer que eu era forte, então sim. Mas, hoje eu não tenho mais habilidade. Por isso estou na ronda.

    — Você lutou contra o senhor Leonardo e venceu.

    — Não venci. Foi uma luta teatral. Quando eu morava aqui, antes de acontecer muita coisa, e precisar voltar, Leonardo e eu tínhamos uma pequena disputa, mesmo que simbólica. Ele precisava de mais do que só força, precisava entender que estava a par de muitas coisas. Quando eu sai daqui, deixei eles sem uma resposta. Por isso, naquele dia, ele queria ver se eu estava apto a mostrar serviço se fosse preciso.

    Manu assentiu, ainda parada com os olhos fixos.

    — E o que mudou desde que você voltou?

    — Muita coisa, mas eu não posso mais lutar como antes. Deixei essa responsabilidade para todos os outros. Por isso, cuido da ronda para Degol.

    Era uma resposta fácil…

    — Senhor Dante… digo, senhor… — Ela levantou a mão. — Eu sou uma projetista. Eu crio coisas, e preciso de um espelho para meu maior projeto. Olhe. — Ela pegou a prancheta e entregou a Dante. — Eu coletei dados visuais de todo mundo que luta dentro da Cuba. Me escondi de alguns, questionei suas formas de lutar, até tentei entender suas habilidades, mas ninguém deu atenção.

    E ele sabia o motivo. Os dados eram sensíveis demais. Muitas anotações pessoais, comentários que mesmo não sendo maldosos, deixavam expostos falhas evidentes e até mesmo considerações que talvez levassem a uma falha fatal.

    Marcus, Leonardo, Gerhman, os lutadores que Cuba tinha, Manu anotou com bastante precisão cada um deles.

    — É uma análise bem-feita — disse Dante. — Você não deixou nada escapar. Entendo eles não te quererem por perto.

    — Sempre que chego a uma conclusão, sinto que não tenho mais como evoluir. Essas pesquisas serviriam para criar um guardião perfeito. Uma síntese para quando as coisas chegassem ao extremo. Para ninguém mais precisar se preocupar ou arriscar suas vidas.

    — Isso é bonito, Manu. Mas, você precisa entender que as pessoas arriscam suas vidas sabendo bem dos riscos. Esse seu projeto é praticamente uma visão muito distante do que eles vivem hoje.

    Então, as palavras de Vick acertaram sua mente.

    No entanto, como uma mente trabalha por melhorar, é necessário que tenha olhos que observam o futuro.

    A garota tinha uma visão muito distante… mais do que Duna poderia ter. Qualquer palavra errada poderia desmotivar uma mente brilhante, e uma mente brilhante precisava de recursos. Cuba tinha uma visão presente, mas não uma como a dela.

    — Eu ouvi a mesma coisa dos outros — disse Manu com um olhar cabisbaixo. Ela pegou a prancheta de volta, mas quando tentou puxar, Dante não soltou. O rosto dela ficou meio iluminado pelo sorriso. — O que houve, senhor?

    — Eles não entenderam o que você precisa, por isso ficaram assim. Minha irmãzinha tinha o mesmo desejo que você. Crescer, construir, fazer de tudo para melhorar sua casa. E quando ela ficava desmotivada, precisava só de um pouco de tempo para entender que ninguém pensava igual a ela. Manu, você quer fazer dar certo suas pesquisas e seus projetos? Então, vou te ajudar com o que precisar.

    Os olhos castanhos se tornaram praticamente dois sois de tão iluminados, e Dante deu uma risada.

    — Isso é sério, senhor?

    — Seríssimo. Vou te ajudar se você me ajudar, está bem?

    — Claro que sim. — Ela firmou a mão, e Dante segurou. — Do que o senhor precisa?

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