Capítulo 484: Pronto para…
Manu pulou para frente com os olhos cheios de água. Abraçou o robô com tanta força que parecia querer fundir-se a ele. O metal frio gemeu sob a pressão dos braços magros, mas Dante entendeu na mesma hora: aquilo não era apenas um abraço. Era o símbolo de uma solidão tão antiga que já tinha aprendido a se calar. A menina tinha colocado todas as suas esperanças em algo que não era humano, e, por alguma razão, não era tão estranho pensar que ele mesmo fazia o mesmo, em mais de um momento da vida.
Vick ainda estava ao seu lado, firme como uma sombra. Depois de tanto tempo, continuava a lhe ensinar, pacientemente, quase todos os dias. Pequenas lições — algumas úteis, outras apenas para fazê-lo lembrar que ainda era um homem. Defendia sua vida e sua honra como se fossem suas próprias. O nível de respeito que sentia por ela beirava o absurdo, e talvez fosse justamente isso que o fazia sorrir, como agora.
Ele soltou uma risada curta, um som rouco, quase carinhoso.
— O dialeto dele ainda é enferrujado — disse Vick. — Ainda possui deficiência física, mas sua principal arma está na observação. Foi criado para substituir as mãos humanas nos trabalhos pesados. Sua habilidade em analisar e copiar é… evoluída. É quase um espelho, Dante.
— Isso é bom. — Dante assentiu devagar, os olhos fixos no robô. — Mais um braço quando for necessário.
Queria acreditar que Holanda nunca precisaria escolher um lado. Que bastaria estar com Manu. Mas nem ele acreditava nisso de verdade.
Aproximou-se dos dois. Manu falava, entusiasmada, contando como havia reconstruído peça por peça, como tinha gasto noites inteiras tentando fazer com que ele vivesse. Suas palavras carregavam o fervor de quem tentava dar alma a um corpo sem coração.
— O senhor Dante conseguiu isso — disse a menina, apontando.
O robô virou a cabeça, lentamente, e abaixou-se num gesto quase humano.
— Ele está te agradecendo, senhor. Pelo menos… acho que é isso.
Dante soltou uma risada contida.
— Não precisa me agradecer, Holanda. Mas tenho uma pergunta.
Os dois olhos piscavam, azuis e calmos como o céu.
— O que seria, senhor?
— Manu pensou em você por todo esse tempo. Passou a vida inteira tentando te dar vida. Os humanos chamam isso de lealdade. Somos feitos disso — disse ele, com voz baixa. — Quando alguém nos estende a mão no pior momento… nós reagimos. Faz parte do que somos. Você entende?
Os olhos deixaram de piscar. O silêncio ficou espesso, como se o mundo prendesse a respiração.
— Minha vida é dedicada à senhora Manu, senhor Dante. Se ela estiver em perigo… estarei pronto para…
Dante se moveu antes que a frase terminasse. O braço disparou como uma serpente, rápido, cruel. Um bote. Manu nem teve tempo de recuar. Mas o robô se moveu também — e o som do impacto foi como ferro contra rocha.
As mãos metálicas de Holanda travaram o golpe, segurando-o no ar. Seus olhos, antes azulados, tingiram-se de vermelho.
— Farei o que for necessário para proteger a senhora Manu — disse, a voz distorcida, quase trêmula. — Mesmo que isso seja contra vocês dois.
Dante abriu um sorriso — e, em seguida, o combate começou.
Ele puxou o braço para trás e girou o corpo, o chute vindo com precisão. Acertaria seu corpo, mesmo que fosse suficiente para quebrá-lo. O impacto sacudiu o robô, que cambaleou, arranhando o chão com os pés de metal. O som ecoou pelo pátio vazio como o rosnar de uma fera sendo acordada.
— Bom — disse Dante, endireitando a postura. — Se quer aprender a proteger alguém, eu posso ensinar. Mas lembre-se disso. — Abriu o botão do pulso, revelando uma cicatriz antiga. — Vai aprender do pior jeito possível.
Manu respirou fundo, os punhos cerrados. Ela sabia o que estava prestes a acontecer. Dante havia explicado antes: Holanda era capaz de aprender pela observação. Cada movimento, cada erro, cada golpe — tudo seria gravado. Era assim que ele evoluía.
Ela precisava dele preparado. Assim como precisava de Clara. Assim como precisava de Dante.
— Venha — ordenou Dante, erguendo a mão, os olhos brilhando com o desafio. — Se você já conhece os estilos dos outros na Cuba… então vamos te moldar.
No momento seguinte, Dante deixou que ele se aproximasse. Os dedos se alargaram como garras, e ele entendeu que Arsena tinha sido seu molde para esse movimento. Ele tentou aplicar golpes de todos os ângulos. Encontrar uma brecha, encontrar um caminho, e quando Dante bloqueou seu braço direito, o robô girou o corpo praticamente inteiro.
Seu braço torcido não foi quebrado. Uma mola e serpentina giraram juntos, e ele chegou ao outro lado com seus dedos se unindo como lâminas. Dante deu uma risada e puxou o braço que segurava. E Holanda foi puxado para trás, e então, indo de encontro com Dante.
Antes de entender o que tinha acontecido, ele já estava no chão, arrastando suas costas pelo chão da sala silenciosa. Seus dois olhos vermelhos piscaram e um amarelo apareceu, piscando algumas vezes.
— Analisando movimentos…
— Fique de pé.
Holanda obedeceu velozmente. Ele segurou a voz, mas queria perguntar. O movimento que observou não era nada além de uma sequência de movimentos simples, mas… ele sentia que o dano cometido em seu corpo era praticamente acima do que seus dados alertaram antes.
— A diferença de técnica para experiência é absurdamente alta – comentou Dante. – Mesmo que eu o acerte, não deveria ser tão doloroso. Você ficou de pé, mas se fosse uma pessoa comum, ela não poderia se levantar.
— Por quê?
— Porque eu sou feito de carne e ossos. Você é feito de metal. – Dante ergueu a mão o chamando mais uma vez. – Você foi feito para analisar e reportar, mas eu fui feito para batalhar e derrotar. Existe diferença nessas palavras que você demoraria para entender se tivesse que pensar sozinho. Sua sorte é que Vick e eu somos abençoados pelo fato de termos perdido muitas batalhas, nos enfiado em lugares que não era para estarmos. E voltamos vivo. Nossa experiência é o que nos mantém vivos nos dias de hoje mesmo não tendo uma habilidade. Sua melhor habilidade é poder ver uma única vez o que tivemos que fazer incontáveis vezes para aprender, por isso eu tenho certo receio. Se eu te ensinar tudo o que sei, seria você melhor do que eu? – Dante deu uma risada. – Seria essa a sensação ao ver algo ou alguém capaz de me superar?
Meu pai uma vez já sentiu isso?
— Venha, Holanda. – Ele não queria pensar no seu pai naquele momento. – Manu precisa que você esteja preparado.
— Obrigado… — a voz do robô pegou todos de surpresa. – Pela lição… mestre.
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