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    — O que está vendo? — perguntou Marcus assim que Juno se lançou para o outro lado.

    Uma chuva de espinhos caiu no ponto exato onde ela estava, rasgando o ar como um enxame metálico. Os galhos grossos foram perfurados pela metade, a madeira estalando, soltando um cheiro úmido e doce de seiva. Quando Juno tocou outro galho, as agulhas se converteram em concreto, endurecendo no ar, e se lançaram contra ela em blocos de pedra cinzenta.

    O Atirador não se moveu. Marcus sabia, melhor do que qualquer um, que Juno era esperta. A garota tinha uma forma de pensar que lembrava um predador estudando sua presa, calma e cruel. Ela não era apenas rápida; ela aprendia. Depois das últimas seções de treino, dava para saber o motivo de Dante ter nutrido ela com mais e mais lutas usando o ambiente.

    Deitado entre as vigas retorcidas de um dos andares superiores, Marcus mantinha o fuzil apoiado sobre o parapeito quebrado, um pequeno buraco aberto para o cano. Dali, tinha visão de quase todo o Jardim. A bruma baixa fazia o verde parecer mais denso, e o som de algo como chuva fina se misturava ao farfalhar das folhas, disfarçando qualquer movimento. Mas, não era chuva.

    O encanamento acima deles tinha sido destroçado, a água escorria pela árvore completamente.

    Quando Juno pousou, envolta pelo lampejo de seus próprios raios, ele moveu a luneta um pouco para a direita. As copas das árvores tremiam de tempos em tempos, em lugares distintos. O inimigo estivava brincando com eles, testando seus reflexos. Sempre que o movimento cessava, um ataque vinha logo depois.

    — Não consigo localizar ninguém — disse Juno, a voz cortando o chiado do comunicador. — Só vejo folhas. E você?

    — Estou procurando — respondeu ele, com calma.

    Por mais que as folhas se agitassem, sempre em três ou quatro pontos, o padrão era enganoso. Qualquer disparo mal calculado revelaria sua posição, e se Marcus revelasse de onde estava, seria praticamente engolido

    Marcus respirou fundo. Deixou o som do próprio coração se acalmar e apenas observou. Havia aprendido há muito tempo que a paciência matava mais do que qualquer bala.

    Juno pousou de novo. O vento soprou forte, e por um instante ele viu. Um dos galhos… não se moveu.

    — Achei algo — murmurou, a voz ficando mais baixa, como se falasse com o próprio fuzil. — Linha da esquerda. Dez horas. Vai.

    Um disparo.

    O som se perdeu entre as árvores, abafado pela distância. Juno se lançou imediatamente, um raio de energia viva, descendo pelos galhos em espiral. Os laços elétricos se enroscaram nas toras abaixo, e ela se projetou para frente, como se o ar fosse uma corda a ser puxada.

    Dois giros no ar. O estalo dos raios soando como chicotes em volta dela. E então, de repente… silêncio.

    Os relâmpagos congelaram. As correntes se dispersaram como fumaça dissolvida.

    — O quê…? — A voz de Juno vacilou. Ela começou a cair, o corpo sendo engolido pelo vazio. — O que aconteceu?

    A altura era brutal, trinta metros, talvez mais.

    — Meus raios não estão saindo — ela gritou. — Meu poder… sumiu!

    — Para de drama — disse Arsena pelo comunicador, fria e sarcástica como sempre. — Olha pra baixo.

    Marcus já estava mirando. Viu o brilho metálico rasgando o ar: uma espada se cravou no tronco, a lâmina encaixando-se com precisão a metros do chão.

    Juno estendeu a mão, agarrou o cabo e girou o corpo, a força centrífuga lançando-a de volta. Ela pousou num galho grosso, o tronco gemendo sob o peso. Espinhos se ergueram à sua frente e ela saltou para trás, os dentes cerrados, desviando por pouco. O som dos projéteis petrificando o ar soou como ossos rachando.

    — Não achei nada — disse ela, ofegante. — Aqui ele não consegue me acertar, Marcus. Deve ser…

    — Vinte metros do tronco — completou o atirador, ajustando a mira. — E eu não tenho como atingi-lo sem me expor. Arsena e Magrot estão abaixo. Vamos ter que tirar ele do buraco.

    O comunicador crepitou. Silêncio. A floresta respondeu apenas com o som distante da chuva batendo nas folhas.


    — Mestre Dante — chamou Holanda.

    O robô permanecia imóvel, o olhar fixo no horizonte. A névoa que cobria Kappz parecia viva agora, contorcendo-se, ganhando densidade, até que o azul do céu foi engolido por um cinza pesado.

    — O que fazemos quando não podemos ver o inimigo? — perguntou ele. — Estou me alimentando dos dados de todos em Kappz, mas nenhum indica o que estamos enfrentando.

    O ar tinha mudado. Havia um gosto metálico nele, como de ferrugem misturada a eletricidade. Dante percebeu o frio nos ossos antes mesmo de pensar.

    Alguns Felroz, sabia ele, tinham dons incomuns. Enfrentou vários deles que conseguiam um tipo de habilidade diferente depois de consumir uma Pedra Lunar, mas esses já tinham sido levados para os Lagmoratos ou forma para outros terrenos mais afastados, pelo que Leonardo tinha dito a ele da última vez.

    — Não vamos nos precipitar — disse Dante, sem mover um músculo. Sentado sobre a pedra, observava o robô com aquela ansiedade de querer ir pra batalha. — Se entrarmos no raio do Cubo de Transmissão, interferimos na baixa frequência. E isso pode trazer mais Felroz pra cá.

    Holanda inclinou a cabeça.

    — Irei amplificar minha visão para detectar movimentação ao…

    Ele não terminou. Moveu-se bruscamente para a direita, o som metálico do corpo cortando o ar. Dante reagiu no mesmo instante, rolando para o lado. Um segundo depois, algo atingiu a pedra onde estiveram.

    O impacto soou com uma pequena torção do concreto para os lados.

    Dante se levantou, olhos estreitos. No chão, fincada entre fragmentos, uma lança os observava. A lâmina era amarelada, a base coberta por espinhos. Era uma arma estranha e deformada, mas que tinha sido arremessada sem eles ao menos sentirem direito.

    — Pela forma como foi entalhada, é uma arma tribal, criada para o arremesso de longa distância — disse Holanda. — O que devemos fazer, mestre?

    Dante se aproximou, os olhos duros. Passou os dedos pela superfície da lâmina. Sentiu a aspereza, o frio, o peso.

    — Essas armas não são de Felroz, Holanda. — A voz veio baixa. Ele levantou a cabeça para o meio da névoa. — São feitas por humanos.

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