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    — Aperte logo — gritou Juno. O sorriso assassino de Arsena sempre foi sua marca, mas dessa vez, ela tinha o prazer desigual de apertar. Assim que ela o fez, olhou para cima apenas para ver o vislumbre de um pedaço de madeira ser explodido.

    As chamas foram enviadas para fora como uma torrente, mas não se esgotaram com facilidade. De começo, nada ocorreu além de um pequeno brilho vermelho sair de alguns pequenos buracos do tronco.

    Juno se jogou para longe, girando no ar e usando as correntes para se apoiar em cima de uma das raízes quebradas; grande o suficiente para caber cinco delas em cima. Encarou a colega, arfando:

    — Não explodiu nada.

    — Por que a pressa, pirralha? — Arsena não tirou os olhos das chamas. — Estamos apenas admirando um pequeno desfecho do que deveria ser a nossa maior arma. É assim que nós crescemos, ouvindo isso todos os dias.

    A madeira rangeu um pouco, mas nada além disso. As chamas que se libertavam simplesmente pararam de se espalhar, retornando para o ponto central. O cheiro de queimado surgiu, mas nada, nenhum brilho, nenhum som.

    O rosto de Arsena continuou vislumbrante, admirando.

    — Duna sempre nos ensinou que o drama é uma das muitas armas para a surpresa. — Ela sorriu. — Eu adoro o drama.

    Um estalo de dedos. As chamas simplesmente expandiram como uma matilha de caça atrás de pequenas raposas. Elas subiram lambendo a madeira por fora, rasgando qualquer coisa que houvesse pelo caminho, madeira, folhas, as copas, galhos torcidos.

    Os troncos que tinham espalhados explodiram de repente. Juno abaixou vendo a pressão do ar jogar estilhaços para todos os lados. Eles não tinham ido para aquele lado, então… como?

    — Prontinho. — Arsena jogou o detonador para o lado. — Perdeu a graça agora. Já está feito. Agora vem a parte chata. Limpeza.

    — Não… — a voz da criatura se arrastou até onde as chamas tinham tomado. Elas ainda lambiam boa parte de raízes espalhadas, chegando longe, quase do outro lado do jardim. — Não podemos deixar… não… ela está morrendo.

    As duas olharam para cima, na direção do monstro escondido, mas ainda não o observavam. A única coisa que se mexiam eram as copas. Todas as folhas vibravam com violência para todos os lados ao mesmo tempo.

    — Eu não posso deixar isso acontecer. Eu não posso. — A voz ficou irritada, abafada com o próprio ar dos pulmões. — Eu não vou deixar que vocês matem a minha… amada. Existe um… ninho aqui.

    Juno arqueou as sobrancelhas ao ouvir. Um ninho não era bom, nem mesmo num lugar aberto, em um fechado então? Se não finalizasse aquele desgraçado, seria o mesmo que ficar ali eternando ouvindo suas mentiras.

    Suas pernas, entretanto, ficaram agarradas no chão. Houve um estrondo lá de cima, e ela levantou a cabeça.

    — O ataque de Arsena teve um efeito muito melhor do que o esperado — disse Marcus pelo comunicador. — A árvore é parte do Lagmorato, por isso ele está tão desesperado. Existe alguma coisa aqui que ele não quer que tomemos.

    Juno olhou para seu pulso. O pequeno relógio que indicava porcentagem deles dentro do Lagmorato estava em 47%. Eles tinham entrado com uma força comparada a 43% apenas. A árvore queimada era suficiente para terminar aquilo?

    Se sim, qual a razão da contagem ser tão diferente de um para outro?

    — Onde está seu foco? — Veronica a chamou de dentro de sua mente. — Concentre-se no que você tem que fazer. Se perder aqui, os treinos que passou, o inferno que nós vivemos, nada disso vai ter valido a pena. Agora, se concentre.

    Os dois braços cruzaram o peito, as mãos subindo até perto do rosto. O ar ao redor dela vibrou —primeiro um estalo baixo, depois uma sequência de faíscas que ricochetearam no chão como gotas de fogo. As correntes elétricas se encontraram no centro do peito e, num clarão, começaram a se fundir.

    Forjar a si mesmo dentro de uma tempestade era o preço por ter tantos acreditando no seu próprio potencial. Só por esse motivo, ela não precisava ter medo dali pra frente.

    Arsena ficou observando os raios se aglomerarem ao redor dela, com um misto de admiração e inveja. Porque a desgraçada tomava o mesmo tom que o velho, era como um relâmpago vestido em carne: viva, furiosa, e pronta para destruir tudo o que tocasse.

    — Absolutamente… destrutivo — era seu melhor elogio. — Ei, pirralha.

    De sua mão esquerda, a Energia Cósmica se fundiu, criando uma espada longa, mas com sua lâmina fina, afiada. A arma foi jogada no ar, alguns metros a frente de onde ela estava. No meio do ar, filamentos de eletricidade a tocaram.

    Num piscar de olhos, Juno estava lá. As rajadas de ar deixadas para trás foram suficientes para jogá-la para cima. Ela cortou o espaço em um segundo, criando uma pequena brecha azulada no ar quando rasgou a madeira, e ao esticar o braço, o trovão soou.

    Como um martelo, ela levantou a arma até o final.

    — Eu gosto de dar nomes em alguns pequenos golpes mais fortes. — A lembrança de Dante veio em sua mente. — Mas só aqueles que realmente são maneiros. Não é qualquer um que deve receber. Pense em um que vai fazer algo incrível.

    Um nome, antes de acertar. Ele vai se revelar na sua mente, depois de tanto tempo se dedicando.

    A espada desceu, e os relâmpagos surgiram ao redor dela. Eles respondiam ao seu comando, e Juno sabia disso. Dançavam conforme a música, criavam o estalido que trazia a tona o tambor da guerra. Seus olhos se arregalaram na mesma hora.

    É isso.

    — ‘Tambor de Guerra’.

    A espada desceu com todos os raios juntos, firmando um rastro azulado no céu, como fez uma vez contra Magrot. Remodelados e se afiando, finalmente para tomar a forma da verdadeira arma com praticamente uma dezena de metros.

    O grito de guerra se misturou com o tambor de um golpe furioso, determinado. Juno nunca tinha ido até o limite contra inimigos comuns, contra Felroz, contra as pessoas. Apenas contra ele… Apenas.

    — Não — a voz da criatura se emendou entre os tambores. — Não pode me acertar. Não pode. Desvie.

    A espada desceu. Os raios se chocaram contra a copa. As folhas verdes foram lambareadas, penetradas pelos raios, esculpidas em um cheiro torrado, feitas de cinzas em um único momento. A copa inteira da árvore foi apagada sem vestígios quando o vento soprou seus restos.

    E a espada não parou de descer, somente para estagnar contra uma pressão invisível. Juno avistou uma criatura parada na frente da imensa arma, com seus olhos abertos, cheios de raiva, medo e tristeza, mas não deixando que ela tocasse seu objetivo.

    — Minha casa não… vai ser destruída.

    A mentira, outra mentira feita contra a realidade. Juno tinha entendido mais do que qualquer um que as palavras dele se tornariam verdade. Então, ela puxou o braço. O campo invisível foi desfeito. Ele responde a realidade, só assim vou conseguir acertar.

    — E vocês vão morrer pelos meus.

    O barulho veio primeiro —grave, rouco, como se a própria árvore estivesse urrando de dor. Em seguida, o som se multiplicou, ecoando de dentro do tronco até tremer o chão.
    Juno ainda estava no ar quando viu as fendas se abrirem na madeira.

    As carcaças começaram a sair.

    Não era uma, nem dez. Eram centenas, escorrendo do interior da árvore como vermes libertos de um corpo podre. Cada uma tinha uma forma própria, uma aberração de carne e osso: algumas rígidas como armaduras partidas, outras moles, trêmulas, escorrendo gosma.

    Braços demais para um único corpo. Rostos costurados onde não deveriam existir. Olhos caídos, pendendo das órbitas por veias longas e escuras.

    Algumas criaturas tinham a pele cor-de-rosa, quase infantil, contrastando com o vermelho vivo dos que pareciam recém-nascidos do inferno. Outras batiam asas amareladas, rasgadas e sujas de seiva.

    E no centro de tudo, ele. O que havia convocado o ninho.

    Coçava o próprio rosto com as unhas, longas e afiadas como lâminas. A pele se abria sob o toque, mas ele não parava, parecia saborear a própria dor. Os olhos eram fundos, cheios de algo que não era ódio, mas fome. Juno sabia que era uma fome beirando a loucura e o inferno.

    — Vão morrer. Vão morrer. Vão… morrer.

    Juno puxou a espada de volta, preparando-se.

    — Vem me pegar, então.

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