Capítulo 495: Fronteira (I)
— Estou me distanciando bastante, Holanda — disse Dante no comunicador. — Lembra de voltar assim que ouvir a ordem do Leonardo. Não apareça pra eles ainda. Volte para a sala de som.
— Sim, mestre. Farei isso.
Dante se mexia pelas pedras com extrema facilidade. As patas do Felroz sacudiam o concreto, deixando para trás um pequeno rastro de poeira, mas não revelando nenhum som com as passadas. Ele precisou curvar seu torso para não ser pego no repuxe do vento.
O que o deixou mais impressionado era que o Felroz tinha uma velocidade tão alta que se os Selvagens tivessem usado isso antes, Holanda e ele teriam problemas para acompanhar. As criaturas eram feitas de Energia Cósmica, com características próprias, e mesmo assim não tinham sido sequer cogitadas a usar.
Dante ouviu desde cedo a temer os Felroz pela capacidade física deles, mas quem os montava sequer levou isso em consideração. Azar o deles, então.
Foram mais de uma hora em uma corrida contra a cidade de Kappz. Eles estavam atingindo o extremo sul, e por mais que Dante tivesse feito algumas pequenas rondas para aquela direção, ainda não fazia ideia do que encontrar além de uma pequena capela onde tinha sido sua última ronda.
Ao passar pela capela, todas as casas, prédios e veículos eram novos. Com os olhos amarelados, Vick ajudava a monitorar qualquer movimentação estranha nas proximidades, coletar as informações de posição e espaço.
Não demorou mais de quarenta minutos para o Felroz começar a diminuir a velocidade, fazendo uma curva em uma rua estreita, deslizando pelo concreto e se jogando dentro de um dos prédios.
— Ei, pra onde estamos indo?
As paredes curtas e estreitas não foram problema. O Felroz se jogava em buracos que Dante praticamente via por pequenos flashes de segundos. Ele começou a subir o edifício como se estivesse correndo ainda, sem diminuir a velocidade.
E quando o buraco no último andar se mostrou, o Felroz se lançou em uma parede, saltando com um giro, colocando Dante de cabeça para baixo.
— Essa criatura sabe exatamente onde está e como fazer isso — informou Vick. — Sua performance não é uma amadora. Ela conhece esse lugar com extrema precisão. Acredito que deva estar familiarizada por ser seu antigo lar.
Ele caíram no teto do prédio, mas a criatura não se moveu mais. Sua cabeça se levantou, e moveu lateralmente, encarando Dante. Parecia até mesmo impressionada em vê-lo naturalmente calmo. Os Humanos tinham medo de se mover, tinham medo de serem mortos, mas depois do que viu acontecer…
Aquele humano não era um qualquer.
— Onde estamos agora, Vick?
— Pelo mapa que forjei das suas rondas, no ponto mais distante que já estivamos ao Sul. Possivelmente, se viéssemos de meios convencionais, demoraríamos dias, mas pelo que seus olhos estão vendo, o Sul de Kappz foi dividido.
Dante tinha certeza disso. Distante, pelo menos mais algumas horas, havia um imenso rastro de destruição deixado no chão. Era praticamente um buraco esticado para todos os lados, uma trincheira gigante deixada por algo que Dante não conseguia nem dimensionar.
A única coisa que chegava a sua mente eram as marcas na muralha da Capital. Quando as viu a primeira vez, eram enormes, gigantes, feitas por algum tipo de criatura que ele nunca enfrentou antes. E lembrar de criaturas grandes, sua mente era levada para o Farol, na Zona Cega.
— Será que foi alguma coisa igual aquela? — Aranhas, vermes, até mesmo insetos gigantes, observando do fundo do abismo, com olhos carmesins, apenas esperando. Nunca entendeu como caiu aquela distância sem ter um arranhão delas. — Não gosto nem de lembrar do Moonlich.
— Não há simetria nos movimentos, o que indica que foi causado por algo desordenado. — Vick fez uma breve pausa. — Existe um movimento curto vindo dos destroços laterais, aqueles prédios grandes que se unem como uma cruz.
O edifício que Vick mencionou tinha a junção cruzada, mas havia cordas e pequenos andaimes arcaicos nas laterais. Além de que bem abaixo, Dante forçou a vista, algumas pessoas caminhavam com criaturas ao lado.
Mas, ele não estava vendo mais a névoa. O Felroz girou o corpo para outra direção, mais a oeste, na outra ponta da trincheira, dezenas de metros de distância, a mancha branca se mantinha acessa, mas muito menor do que antes.
Ele tinha chegado primeiro, mas o Felroz queria mostrar Dante algo. O tamanho, a distância, a dimensão do que o esperava.
— Por que fez isso? — perguntou olhando para a criatura. — Acha que isso vai te salvar da sua morte?
A cabeça dele abaixou, medroso da pergunta. Isso fez Dante soltar um pequeno sorriso e dar um tapa no pescoço dele.
— Sua esperteza te deu mais um dia vivo. Continue assim. Aquele lado deve ser o lugar reservado para o retorno dos Selvagens. Então, esse lado deve ser mais social. Se eles tem algum tipo de padrão de sociedade, claramente deveriam estar a procura de alguma coisa perto da Cuba, mas as Pedras Lunares já foram quase todas capturadas. Então, o que deve ser?
— Qualquer registro de Energia Cósmica vindo daqui é pouco utilizado — informou Dante. — No entanto, o subsolo é recheado de algum tipo de energia que não consigo decifrar. Possivelmente, algum mecanismo ou tecnologia antiga que mantém uma reserva concentrada.
Os olhos de Dante piscaram. As camadas de terra foram substituídas pela visão de Vick. Abaixo de toda aquela terra, indo na direção do outro lado, mais a sul, existiam caminhos que possuíam um brilho intenso de verde e amarelo, misturando e se expandindo para muito mais longe do que ele já tinha ido.
— O que pode ser? — perguntou Dante.
— Não se encaixa com nada do que nós temos registrado em nenhum dos lugares que já passamos. Precisaria estar conectado a ela para analisar e decifrar suas funcionalidades.
Dante ficou um pouco pensativo. Olhando para aquela quantidade absurda de poder que tinha bem abaixo dos pés deles. Essa quantidade era massante até mesmo para ele, existia a possibilidade de… não. Não podia pensar em ter seus poderes de volta.
A Conversão tinha ido embora com sua vontade de continuar batalhando como um louco. Eu… não posso arriscar nada agora.
Levou a mão ao comunicador em seu colarinho, chamando por Holanda:
— Está posicionado?
— Sim, mestre. Já estou aqui faz algum tempo. Sem sinal de Felroz ou dos Selvagens. E o senhor, onde está? Não consigo localizar sua posição.
Dante continuou focado naquela trincheira gigante que formava uma fronteira entre Kappz e um abismo de poder imensurável.
— Estou… investigando algo. Continue até a ordem de Leonardo, como falei. Estou seguindo em frente.
— Certo, mestre. Tome cuidado. Estarei aqui.
Dante abaixou a máscara de ossos e deu um tapinha na direita do Felroz.
— Siga na direção da névoa.

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