Capítulo 502: Demônios (I)

A Selvagem o levou a uma cabana maior. Afastada do terreno dos outros da sua comunidade. Dante pisou em lama, em uma terra molhada, e o vento forte vindo mais ao sul batia contra eles com força. Haviam alguns parados na porta, com lanças e algumas armas enferrujadas, e mesmo que pudessem ser fortes como os outros que tinha enfrentado, Dante sentia agora que eles não passavam de folhas largadas ao redor.

Assim que se aproximaram, a mulher virou o rosto, ainda com medo.

— Irmã Isha, o que houve? — perguntou um deles se aproximando. — Quem é esse?

— Esse é o irmão… — Isha virou esticando a mão, e Dante ergueu o olhar. — Irmão Dante.

Levando a mão perto do peito, e abaixando a cabeça, Dante repetiu o gesto. Os outros dois responderam da mesma maneira.

— Irmão Dante voltou de uma luta contra os humanos do norte, e conseguiu sobreviver — disse Isha. — Eu trouxe para que Asafir possa conhecê-lo.

Asafir deve ser o líder, pensou Dante.

Os dois recuaram e abriram o braço, deixando o véu esverdeado para o lado. Isha foi a primeira, depois Dante. Assim que entrou, deu de cara com uma deformidade no espaço. A cabana do lado de fora era pequena, um pouco maior do que as outras, mas dentro era enorme.

O espaço se alongava por praticamente vinte metros quadrados, sem contar as portas para as laterais. Ali dentro, o chão era feito de madeira polida, com as vigas de madeira segurando o teto alto e uma série de móveis confortáveis ao redor.

E a quantidade de Selvagens ali dentro passava dos trinta facilmente. Eles conversavam apontando para um mapa na mesa redonda, com ódio e falando bem mais alto do que daria para escutar do lado de fora.

O lugar parecia como o convés do Nokia, que conseguia estender o espaço para as laterais sem precisar de uma pessoa para fazer isso. E o mais interessante era que eles eram acostumados a isso.

A diferença de postura para quem estava lá fora e quem estava dentro daquele lugar eram grotescas. Não porque pareciam bem mais alimentados, mas porque tinham um lugar para ficar sem precisar se preocupar do lado de fora.

Assim que se aproximou, outros ajustaram a postura para Ishia. E por incrível que parecesse, quem estava do outro lado da mesa, observando em silêncio a chegada deles era um homem muito pequeno, talvez um anão…

Dante se lembrou de Nekop, o anão do Nokia tinha um andar engraçado, mas não tinha tanta aura quanto aquele ali na sua frente. Os olhos dele cravaram nos seus, então, os outros se afastaram.

— Isha, irmã — chamou um dos homens a direita. — Eu soube de sua mãe ontem, mas não esperava que fosse ser tão rápido. Perdão por não estar presente.

— Irmã. — Outro se aproximou com uma pequena flor branca. — Desculpe por não estar presente. Sua mãe foi uma guerreira que dedicou toda a sua vida a derrotar o Sul.

O sul. Dante ficou confuso. Ele tinha quase certeza de que queriam subir para o norte para ganharem terreno. O que tinha mais ao sul para que eles ficassem dessa maneira?

— Obrigado, irmãos. Eu vim aqui justamente para poder receber as palavras de todos. — Isha tentou deixar um sorriso para eles, mas era dolorido. — Ainda acho que vou voltar para minha casa e encontrar ela me esperando, mas esses dias já se foram.

— A morte é só um pensamento para vivermos uma vida adequada. — A resposta do Anão, do outro lado da cabana irregular, chamou a atenção de todos. — Sua mãe, Ishida, demostrou o que nenhum outro Selvagem tem hoje em dia. Determinação.

Mesmo rebaixando os Selvagens presentes, nenhum dos muitos ao redor o questionou ou rebateu. Dante tinha mais certeza agora: ele era o chefe. Sua máscara era diferente também, com o vermelho esticado na lateral, e mesmo pequeno, a presença dele era absoluta.

— Ishida nos mostrou como nós devemos viver nossas vidas. Ao norte, temos os Humanos Brancos, que sempre estão buscando voltar ao estilo que nos enviou para a morte, e ao sul, os próprios mortos. Aquelas criaturas, não importa quem seja, não deveriam caminhar, e foi graças a Ishida que temos uma chance de vivermos. — Ele tomou um pequena caneca feita de ossos também, levantando o máximo que conseguiu. — Um brinde a vida que ela teve com os nossos irmãos.

Os outros responderam. Quem estava com uma taça levantou. Quem não tinha se curvou. Dante imitou Isha ao vê-la descendo a cabeça e subindo em seguida.

— Obrigado pelas palavras, Ancião — respondeu ela. — Minha mãe me ensinou o que eu devo ensinar aos meus irmãos mais novos. Não vou deixar que o legado dela termine. É uma promessa.

— Gostei das palavras — disse o Ancião. — Gosto do seu gosto pelas batalhas, mas nós tivemos uma imensa perda ao norte recente. Mais de dez dos nossos irmãos foram derrotados por um humano e uma… criatura metálica. Nosso irmão presente ao seu lado foi o segundo que retornou com vida, isso mostra sua vontade e sua força em querer permanecer batalhando.

Isha encarou Dante rapidamente, e depois concordou.

— Nosso irmão Dante voltou a vida depois de ter batalhado contra a própria morte, Ancião. Ele sabe melhor do que muitos o que é lutar pela nossa sobrevivência. — Isha se curvou e Dante repetiu o mesmo processo. — O Ancião tem notícias dos Demônios? Eu preciso saber se eles foram derrotados.

A face do Anão girou, mas Dante percebeu sua raiva ao voltar a encará-lo. Esse mesmo rosto recheado de ódio e receio.

— Nossos irmãos precisaram voltar depois de serem derrotados. Os demônios são muito mais fortes quando estão juntos, e depois de conseguirem recuperar uma das Pedras do Fogo, ficaram mais ousados e estão se alinhando.

— Eles ganharam consciência — disse o Selvagem ao lado de Isha, surpreso. — Muitos usam armas agora. Nunca vi nada igual.

— Agora eles estão em maior número e mais rápidos, e tem aqueles desgraçados dos Cavaleiros e Caçadores. — Outro abaixou a cabeça. Todos eles tinham as mãos atadas. — Nossa única vantagem são os Felroz que o Doutrinador nos entregou, mas não podemos continuar usando-os como escudos.

Escudos. Esse tal Doutrinador não está mais presente, então.

Quem respondeu foi Vick, rapidamente:

— Minha varredura não indicou nenhum dos homens presentes com a marca. A pessoa responsável não está aqui. Preciso indicar que também não consigo encontrar Lilo ou Nick em lugar algum. Insisto que procure por ambos.