Capítulo 507: Divisória
Dante esperou que eles abrissem os olhos. Ambos pareciam sincronizados até nisso. Um deles tinha um braço acertado pela arma, perfurado, e o outro havia sido nocauteado sem ar. Quando viram o rosto do Selvagem diante deles, estremeceram.
Será que sou tão feio assim para eles se assustarem dessa maneira? Pensou Dante, rindo para si.
— A luta foi boa, admito — disse aos dois. — Tive que me segurar para não matar vocês, mas vi que valem mais a pena vivos do que mortos. Então, como prova da minha benevolência, vocês vão responder algumas perguntas, entenderam?
Os dois se contorceram de dor, mas concordaram.
— Eu gosto disso. Primeira pergunta — Dante ergueu um dedo. — De onde vieram?
— Como um Selvagem não conhece Hein? — a pergunta partiu de Jimbo, irritado. — Nós sempre viemos pegar nossa parte do acordo, como não sabe disso?
Dante fez uma cara de irritado, mas Takka respondeu calmamente.
— Porque ele não é um Selvagem. — Os olhos dele não eram normais, eram curiosos. — Eu senti no momento que lutamos. Os Selvagens tem medo do que representamos, nossa armadura, nossas habilidades, mas não vi isso em você em nenhum momento.
— Claro que não. Vocês são fracos, por que eu teria medo de vocês?
Takka e Jimbo ficaram ressentidos ao ouvir. Eles eram fracos? Não, não mesmo. Dante entendia também o motivo de suas caras, ele lutava com criaturas dez vezes piores, mesmo em situações difíceis. Uma luta contra duas pessoas ‘normais’ era tranquilo pra ele.
— Hein é um Império bem ao Sul — respondeu Takka casualmente. — Foi estabelecido dez anos depois da destruição de tudo. Você vem do Norte, certo? De Kappz, o Berço da Criação.
— Sim e não. Já passei por uns quatro continentes, mais ou menos. — Dante abanou a mão apoiando a cabeça na outra mão. — Mas, Hein é algum tipo de Império que extorque os outros? Como que funciona isso?
— Não extorquimos ninguém — Jimbo respondeu irritado. — Nós fazemos de tudo para manter o Império de pé, por isso estamos aqui. Essas duas criaturas atacaram um monte de pessoas que estavam em treinamento, então viemos cobrar porque sei que o Dominador era daqui.
— Não é Dominador — corrigiu Takka. — É Doutrinador.
Dante concordou em partes.
— Bom, vocês vieram até aqui é certo. Agora eles não são do Doutrinador e não pertencem a Fronteira, eles são meus amigos, como podem ver. — Dante apontou para Nick em um ombro e Lilo no outro, ambos mostrando os dentes, ferozes. — Deram muita sorte que não mataram nenhum deles, porque se tivessem feito isso, eu mesmo teria ido até essa Hein e destruído tudo.
Casualmente, as palavras dele assustavam Takka por inteiro. Não era só balela, ele faria mesmo.
— Já fiz em outros lugares, então. — Dante deu de ombros, suspirando. — Agora vamos falar do terceiro, havia mais um com eles dois. Essa é a minha segunda pergunta. Onde está ele?
— Um terceiro?
Takka abaixou a cabeça, pensando, e lembrou-se.
— Um Felroz de montaria. Sim, ele estava com esses dois. Foi capturado antes, deve estar em algum dos vilarejos de caçada.
Ao terminar, a aura do homem diante deles cresceu imediatamente. Os dois engoliram em seco, mais uma vez. Ele não tinha demonstrado isso duranta a luta, nem mesmo uma vez. Era uma pressão que afetava seus corações e mentes.
— Onde é esse tal Vilarejo de Caçada?
— Seguindo ao Sul — respondeu Jimbo imediatamente, sua voz falhando. — Assim que entrar na estrada principal pavimentada, terá uma curva a esquerda. Se pegar ela, vai dar direto para o Vilarejo.
— Três dias a pé — acrescentou Takka. — Talvez dois se for rápido.
Dante não tinha uma montaria normal, mas levantou-se olhando para o Sul. O terreno não era ruim, tinha alguns pequenos deslizes, mas não seria difícil. Parando pra pensar, agora que tinha recuperado parte da sua habilidade, poderia se locomover usando a energia cinética como propulsor.
Seria ainda mais rápido.
— Bom, acho que já tenho pra onde partir, então vamos para a próxima pergunta. — Dante sentou-se mais uma vez. — O que sabem da Flor de Neve?
Takka cruzou a sobrancelha e Jimbo recuou o rosto.
— É uma lenda — respondeu o primeiro. — Uma lenda que contam sobre artefatos que tem um poder descomunal que cria efeitos da natureza.
— Lendas, hein? — Dante mostrou certo fascínio pelo fato de não saberem. — Um inverno que dura praticamente um ano parece ser uma lenda? Kappz ficou debaixo disso por tanto tempo. Vocês também devem ter ficado.
— Um efeito do mundo mudando, é o que é — respondeu Jimbo. — A Energia Cósmica muda o mundo de acordo com seus próprios feitos. Não somos nós quem controla eles, e não há como serem criados esses artefatos.
Dante respirou fundo.
— São bem ignorantes mesmo, não é? — Coçou a testa desajeitado. — Eu não vou matar vocês dois por um motivo bem específico, eu simpatizei um pouco com as respostas que deram. Vou deixar vocês partirem depois de explicar por que a Fronteira vive de maneira tão medonha e vocês parecem bem fartos? E esses vilarejos, vocês fazem comércio, não é?
— Isso é porque a Fronteira é o lugar onde os demônios azuis moravam. — Takka ajeitou sua postura, respirando fundo. — Antes de Hein chegar até aqui, eles lutavam uns contra os outros, tribo contra tribo, pelo poder enquanto os Demônios Azuis queriam tomar tudo. Os Selvagens acreditam que são donos da terra inteira, mas não conseguem administrar as próprias. Hein ofereceu um acordo de derrotar os Demônios Azuis em troca de alguns favores, um deles foi o fato do Doutrinador os ensinar a domar algumas bestas.
— E ele fez isso?
— Somente um Cavaleiro tinha a capacidade pra isso. O Doutrinador vivia aqui, por isso viemos atrás dele. Quando esses dois… atacaram algumas pessoas, nós viemos cobrar o acordo. Somos justos.
Ah, Dante entendia agora o mal-entendido. Os Selvagens tinham dito que os Cavaleiros eram animais brutais que matavam, mas era um acordo que nem mesmo eles levavam em conta. Ou seja, distorceram a ideia que ouviu.
— Ah, cara, que bom que não matei vocês dois. — Dante riu abertamente. — Seria um erro se eu fizesse isso.
Novamente, Takka não sentia nada além de confiança e convicção dele. Era como se realmente ele pudesse fazer tudo o que suas palavras diziam.
— Bom, eu tenho que falar que a Flor de Neve não é um artefato, ela existe mesmo. — Dante viu o rosto dos dois mudando. — A Pedra Lunar, a Pedra Solar, o Rastro e a evolução dos Felroz, tudo isso é real. Pelo bem de vocês dois, espero que acreditem nisso. Eu enfrentei algumas das criaturas mais estranhas e poderosas, e perdi para algumas delas. Não acreditem só no que contaram a vocês. Se eu fizesse ouvindo o que os Selvagens disseram, eu teria cortado a cabeça dos dois antes mesmo de terem a chance de mostrarem meus amiguinhos aqui.
A garganta de Jimbo subiu e desceu.
— E de onde você veio?
— Sou de outro continente, de uma cidade chamada Capital. — Nenhum deles esboçou nada. Como sempre, longe demais para saberem. — E não sou um Selvagem. Eu vim atrás deles porque atacaram meu colega e eu. Vim saber o que eles eram.
— E obteve sua resposta?
— Sim, entendi que eles não gostam de vocês. Que tem um Império ao Sul que faz acordos com os outros, e vilarejos espalhados que parecem ser protegidos por ele. Mas a Fronteira não teve a mesma sorte.
Takka quem respondeu:
— Eles são pessoas que acreditam serem diferentes, então não se misturam a nada e ninguém. Hein tentou um segundo acordo para se moverem na direção de Heian, mas eles negaram alegando que seus corações pertenciam a Fronteira.
— Por que o nome Fronteira? Sabem dizer?
— Também é uma lenda — disse Jimbo. — Como dissemos, os Demônios Azuis adoram aquele lugar por alguma razão. Antes dos Selvagens se estabeleceram lá, era um lugar que diziam ser mágico, transbordando energia.
O desgraçado do fantasma.
— Mas, a cidade de Kappz também tinha o mesmo aspecto — acrescentou Takka. — Era uma cidade sem vida que não havia nada além de morte e aberrações. Foi um lugar cheio de experimentos podres dos antigos e agora nada lá vive.
Dante deu uma risada e apontou para si.
— Não tire essas dúvidas complicadas, eu sou de lá.

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