Capítulo 53: Fragilidade
— Não parece muito bem vendo seus colegas se arriscando dessa forma, senhora Clara. — Jix apareceu ao seu lado sem ao menos os demais sentirem sua presença. Já estava com Marcus fazendo isso, mas nunca alguém se aproximou tanto quanto ele tinha feito ali.
Devo estar somente preocupada com aqueles dois.
— Posso ficar um pouco aqui? — o senhor se aproximou da beirada e olhou para baixo. — É uma distância bem razoável. Morar aqui em cima dá uma bela segurança, deve ser bem normal se sentir poderosa daqui de cima.
— Estar no alto não te dá poder algum, apenas mostra que está desfavorável em um terreno e não pode controlar os outros. — Sua resposta sempre foi a mesma. Uma vez tinha ouvido uma resposta igual. — Não posso fazer nada para ajudar nenhum dos dois, ninguém pode.
Jix apoiou suas mãos na bengala. A luta que se desenrolava era crucial para Clara. Uma promessa de que Dante e Marcus poderiam perder e tudo seria levado lhe deixava ansiosa, mais do que qualquer outra perda. Se perdessem, eles seriam massacrados e nunca mais teriam nenhum tipo de apoio.
Uma perda dessa lhe lembrava de Marcus apanhando para Antton, apanhando para os dois James no hospital alguns anos atrás. Naquele dia, o rosto de seu colega ficou branco. Demorou mais de semanas para se recuperar mentalmente.
O psicológico era sempre o mais afetado.
— E por que acha que eles precisariam de ajuda, senhora Clara? — Jix não se mexeu, o corpo estático encarando Marcus e Dante discutirem sobre o disparo pesado que foi realizado contra as costas de Degol. — Sabe qual o maior prazer de ter aliados poderosos? É poder confiar neles de olhos fechados. Mesmo que Kappz seja uma cidade destruída, olhe ao seu redor. As pessoas estão esperando o retorno deles, mas seus olhos possuem medo. Consegue sentir?
Clara sentia. As mãos tremendo, os rostos aflitos, os mais novos escondidos atrás dos cuidadores. Até mesmo os recentes moradores que chegavam não estavam tão confiantes. Clara percebeu que estar ali, em pé e não fazer nada, também não ajudava esses rostos medrosos.
— Posso lhe dar uma dica? — perguntou Jix.
— Eu gostaria, por favor.
Jix a fitou.
— A mais elegante e pomposa regra sobre a confiança vem sobre quem está atrás dos homens que se arriscam. Homens como Marcus, inspirados pela sua história, não temem arriscar tudo para que o seu futuro seja melhor do que o presente. E homens como Dante, esse ai você deveria agradecer a Deus pelo que recebeu. Ouça a sua intuição sobre o que está vendo, e aja de acordo. O general se mostra presente no campo de batalha pelo espírito, não pelas ações.
Clara não esperava que as palavras dele fossem tão sinceras e objetivas. Sendo um dos recentes moradores, não tinha ideia de que ele era sábio dessa maneira. No entanto, sabia também que era ele quem estava ajudando Dante em algum tipo de treino.
Quanto mais alto você chegar, mais pessoas irão se inspirar nas suas ações.
A voz de sua mãe era sempre recheada de amor, mas a perdeu para uma guerra sem sentido. Não queria tomar partido, não como Yuna tinha feito antes. Sua mãe perdeu tudo ao confiar nas pessoas erradas, mas nunca deixou de acreditar no seu propósito.
— Não são somente os dois que precisam das suas palavras, Clara — disse Jix quebrando sua linha de pensamento. — Todos eles precisam. Seja firme, mas deixe seu coração guiar suas palavras.
Clara fechou a mão e respirou fundo.
— Dante, Marcus. — Sua voz ecoou no meio do silêncio da noite, acertando todos os espectadores ao seu redor. — Essa é a nossa casa, não é deles, não é de Antton. Estamos esperando que retornem, então, não percam.
Jix aprovou suas palavras com um sorriso sincero.
As crianças gritaram primeiro, e depois os mais velhos. O prédio inteiro onde Clara residia se incendiou de gritos de apoio. Ninguém queria perder, ninguém queria ceder o que ganharam ou conquistaram.
Meliah ou Degol? Mesmo que fosse um Rei vindo de outro mundo, eles não cederiam ali.
— Pode deixar comigo.
Dante ergueu a mão, acenando de forma calorosa. Clara adorava quando ele fazia o gesto. Era atencioso, acolhedor e confiante. Essa era a confiança de que Jix falava. Não importava o risco que passavam, Dante sorria.
Preciso sorrir mais?
Quando Meliah apareceu com seus dois braços transformados em lâminas, Dante ainda virava para o prédio. No entanto, quando os dois braços desceram, a mão do velhote encaixou em seu pescoço, o impacto o arremessou três passos para trás, engasgando.
Segurar a garganta era impossível com as mãos de lâminas, Meliah tentou falar, mas quando a saliva desceu corretamente, Dante surgiu na sua frente. Seu braço foi puxado para trás, e uma cotovelada pegou no seu queixo, antes de se libertar, a palma aberta pegou em seu rosto, o mandando para trás.
No dia que Clara viu Dante mandar um Felroz para longe com um soco, sua percepção de força havia mudado um pouco. Machucado, um senhor de idade não hesitou em quebrar a linha entre pensamento e ação.
Um soco era sempre suficiente para derrubar um Felroz, mas sabendo que sua habilidade era corporal, entendia muito bem que ali, no meio da rua, o sorriso dele era para tranquilizar não somente Marcus ao lado, mas a todos ao redor que observavam que nada daquilo era realmente perigoso.
Aliados fortes lhe dariam a possibilidade de ver o mundo por outro ângulo. Um que Clara tinha quase certeza de que era suficientemente grande as possibilidades para crescer.
— A esperança é uma maldita palavra que desperta otimismo e fé nos piores lugares. — Clara não se importava se Jix ou Simone ouvissem o que ela pensava. — Estou cansada de ter que me esconder sempre dos mesmos problemas. Não quero mais me esconder. Os Felroz são nosso menor problema, porque podemos nos esconder deles.
— O real perigo sempre foram os humanos — completou Jix por ela. — Conheço essa história, senhora Clara. Para nunca ser traído, precisa sempre estar desconfiada. Porém, o quanto do seu coração está na confiança e o quanto sua alma está na falta do acreditar? Se me permitir, eu gostaria de estar aqui, para te ouvir e comentar sobre o que faz. Creio que mesmo velho desse jeito, eu posso ajudar com conselhos.
Clara o encarou.
— Prefiro que me mostre primeiro que posso confiar no senhor. Depois, podemos conversar.
Jix manteve o sorriso no rosto, sem responder.
Clara precisava aprender a não ter medo, respeitando a história que se repetia.
— Confie de olhos abertos e desconfie de olhos fechados. — Clara se apoiou no pequeno muro do terraço. — Confie…
Marcus saiu de um soco por baixo de Degol, recuou dois passos e apontou a carabina ISE. O impacto arrebentou uma parte da armadura de pedra do ombro, mas quando se virou, as duas pistolas acertaram seu peito.
Degol recuou quase dois metros cambaleando, mas quando tentou se mexer, recebeu outro na perna, o obrigando a cair em um joelho. E assim que levantou a cabeça, Marcus chutou seu rosto, o mandando para o chão.
Nunca esperou que o atirador tivesse ficado tão rápido, Clara não queria perder mais vezes. Não queria apenas lamentar das escolhas que faziam, nem mesmo ouvir Marcus xingando a si mesmo durante as noites sobre tudo o que acontecia.
Não era a vida que queria viver, não era o que sua mãe gostaria que ela vivesse.
Como ter esperança nesse lugar de merda?
— Acabe com isso, Marcus. – Clara segurou o beiral com mais força. – Acabe logo com esse desgraçado.
Degol levantou e tentou um soco direto, Marcus usou a pistola e acertou os dedos de pedra. Outra crosta explodida e o Jones recuou gemendo de dor. Marcus se aproximou num passo rápido, usou a coronha da arma contra a têmpora dele, e o empurrou dando mais três disparos bem dados na sua barriga.
Antes de Degol se recompor, a ponta da ISE encostou um pouco abaixo da testa, bem no meio de seus olhos.
— Sem hesitar, filho da puta – disse Marcus, apertando o gatilho mais uma vez.
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