Índice de Capítulo

    Dante queria terminar logo com aquela troca de insultos entre os dois irmãos. Eles nem mesmo se queixavam mais da bateria, e sim sobre honra e promessas vazias. Pelo que parecia, Meliah Jones não voltava atrás de sua palavra, tornando ainda mais complexa a relação do Degol Jone. Esse último achando que nem mesmo um grão de areia era necessário ser negociado.

    Uma promessa ou aposta seriam sempre levadas a sério por homens justos. Sem conhecer os dois, mas ouvindo suas palavras, Dante tinha certeza de que Degol havia sofrido e muito com as promessas do irmão, e no entanto, Meliah teve algum tipo de perda com as ações impulsivas do caçula.

    Era uma perda de tempo esperar que os dois se retratassem ali.

    — Acabou a conversa. — Dante levantou e ergueu a mão. — Ei, vamos finalizar por aqui.

    Assim que chegou perto, um dos seus homens saiu das sombras correndo. Arfava com ferocidade, em uma expressão preocupada e triste.

    — Chefes. — Ele esticou o rádio que segurava. — É uma mensagem da base. Parece que tem alguém atacando a gente. Estão levando os trabalhadores. Não sei quem são.

    Meliah parou de escutar Degol e pegou o rádio.

    — Indiana, é o Meliah. O que houve?

    Chefe. — A voz cheia de terror e medo, tremulando enquanto soluçava. — Eles vieram do chão. Apareceram do nada. Não sei o que fazer. Estão levando todo mundo embora pro leste. Por favor, volta pra base.

    Meliah respirou fundo. Ele segurou Degol pelos ombros, olhou bem no fundo dos seus olhos, e o balançou.

    — Temos que voltar. Agora. Aquele maníaco do Aquário Feudal voltou.

    — Ah, bosta.

    Degol acenou para todos os seus homens escondidos. Numa ordem rápida, eles saíram das sombras e retornaram para uma rua secundária correndo. Meliah deixou o irmão partir, mas antes de fazer o mesmo, voltou-se para os dois.

    — Ainda não terminamos.

    Ele partiu para dentro da escuridão, deixando-os sozinhos. Dante não fazia ideia do que era o Aquário Feudal, mas não parecia ser nada bom pelo tempo que demoraram para retornar. Quando Dante e Marcus voltaram a subir pelos prédios, os moradores os saudaram, apertando suas mãos e pedindo que Marcus contasse como tinha sido confrontar aqueles dois.

    A fama dos Jones era terrível, mais do que aparentava. Cruéis e desonestos, até mesmo alguns diziam dos boatos de que comiam carne humana. Dante duvidava ser verdade, mas quando chegou ao terraço e sentou no colchão que tinha sido dado, Clara se aproximou.

    — Podemos conversar em particular?

    — Sempre que precisar.

    Ambos seguiram mais a fundo do terraço, não tendo ninguém ao redor. Simone e Jix afastaram os moradores, mantendo-os nos andares inferiores. Sozinhos, Dante observou Clara suspirar, não aliviada, mas de uma preocupação que fazia seus dedos tremerem.

    — Está tudo bem? — Dante segurou o braço dela com delicadeza, a mão firme, mas os dedos gentis. A colocou sentada no beiral, onde o ar tinha menos peso do que suas palavras. — Está pálida.

    — Eu posso descansar depois. — Ela evitou o olhar, mas usou o braço de Dante como apoio mesmo sentada. — Não quero deixar as pessoas apavoradas, mas se aquele homem disse que alguém do Aquário Feudal apareceu, então podemos ter mais problemas do que imaginamos.

    Dante sentiu a tamanha cautela ao dizer. Abaixou, ficando quase na mesma altura que ela, mas não soltou o leve aperto. Mesmo sendo um assunto crítico, o toque, com a luva, reconfortante dela tinha certo charme.

    — O que seria esse lugar?

    — É fora de Kappz. Um lugar que ninguém pode entrar. Quando nós éramos mais novos, ouvimos falar de uma cidade que tinha tudo. — Ela ainda tinha os olhos na cidade. — Tentamos várias vezes achar uma forma de sermos aceitos, mas eles nunca quiseram nada de nós. Sempre nos chamavam de ‘Impuros’. Não quero ter que lembrar daquele lugar de novo, Dante, mas foi lá que Marcus perdeu o pai, onde eu perdi minha família. Kappz pode ser perigosa, mas não chega perto do que GreamHachi é.

    O nome não era estranho para Dante.

    — Esse não é o lugar que Marcus tinha dito pra mim quando apontava uma arma para minha cara?

    — O Aquário Feudal é um lugar que rouba de nós sempre. O que acabou de acontecer com os Jones vai acontecer conosco. E eles não são boas pessoas. Eles matam, mesmo sem ter necessidade. E pior…

    Clara afundou o rosto no peito de Dante. Ela tremia de um medo que transbordava além da carne.

    — Eu estou aqui. — Foram as únicas palavras que Dante conseguiu dizer enquanto passava os dedos nos cabelos dela. — Vai ficar tudo bem. Prometo.

    I

    Na manhã seguinte, Dante procurou por Clara e Marcus, mas nenhum dos dois se encontrava no Terraço ou nos arredores. Desceu para os andares inferiores, apenas Simone sentava em uma cadeira, observando o nascer do sol. Sua mão tinha um copo de água, no qual parecia intocado.

    — Senhora. — Dante arriscou se aproximar. — Onde está todo mundo?

    — Em uma reunião. — Ela abaixou o olhar, não querendo demonstrar para Dante algo que ele já esperava. Medo, raiva ou talvez desconfiança. — Clara partiu mais cedo, antes do sol aparecer. Ontem, depois que todo mundo foi dormir, a notícia chegou pra gente. Degol quase morreu.

    Dante puxou uma cadeira e se sentou ao seu lado.

    — Como assim?

    — Parece que os dois chegaram a ver quem eram as pessoas que apareceram do nada. E havia muitos corpos, Dante. Pessoas que lutaram para que seus bens não fossem tomados. A cena deve ter sido terrível. E as crianças… — As lágrimas pareciam não respeitar o desejo dela, escorrendo pela bochecha. — Pobres crianças, Dante. Elas ficaram arrasadas.

    Foi como Clara tinha dito no dia anterior. O Aquário Feudal era um lugar terrível, que mesmo não os aceitando, ainda se apropriava dos bens que coletaram. Não tinha feito nada em relação a Meliah ou Degol por saberem que não machucariam as pessoas de Kappz, mas esses invasores de GreamHachi sequer se importavam com as vidas.

    Ligas metálicas, plástico ou até mesmo uma bateria, nada disso valia o peso de uma vida.

    Dante tocou sua mão em Simone, que contraiu o braço inconscientemente. Ele recuou, não querendo forçar intimidade num momento tão drástico.

    — Você disse que veio de um lugar distante — falou Simone, baixinho. — Lá, pelo menos, as pessoas vivem sem ter medo?

    A pergunta doía mais do que a resposta. Os muros da Capital se tornaram um símbolo contra os Felroz, a eletricidade lutava contra a escuridão, e as vozes dos moradores nunca foram caladas — assim eram as histórias que seu pai lhe contou quando era mais novo.

    A sorte de não precisar lutar diariamente corria nas veias de Dante. Seu vilarejo nunca tinha sido atacado pelas criaturas, mas agora, vendo como era a necessidade de um povo sem absolutamente nada, ele entendeu o real sentido da guerra.

    — Lá onde eu morava, as pessoas sorriem mais do que choravam.

    Ele tinha errado. A resposta claramente doía mais do que a pergunta. 

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