Capítulo 56: Responsabilidades
O retorno de Clara e Marcus fez com que Dante entendesse o que Simone havia dito horas atrás. A brutalidade escancarava em seus rostos, mantendo um olhar sombrio e desolado, enquanto os ombros caídos demonstravam o cansaço pela manhã inteira.
Dante não se aproximou deles. O resultado da reunião não era um questionamento para se fazer no momento mais tenso. Clerk e outros dois homens se aproximaram, e Clara respondeu algumas das suas dúvidas, mantendo o olhar erguido, fingindo um certo contentamento.
Até mesmo os piores mentirosos teriam desprezo pelo fingimento que Clara tinha no seu sorriso e risada. Mais do que nítido era o assombro.
O correto era esperar. Dante se virou e saltou para a cidade. Não olhou para trás, e já estava no meio da rua quando ouviu passos em suas costas. O pequeno e velho homem, Jix, caminhava com leveza e sem pressa, batendo a bengala a cada passo.
— Ah, me notou mais rápido do que da última vez, Dante. — O sorriso dele não era fingimento. — Posso saber para onde está indo agora? Seus amigos não parecem muito empolgados para te ver longe nesse momento.
— Não quero atrapalhar os planos deles.
Jix abriu a boca, entendendo.
— Então, ficar longe ajudaria? Parece uma decisão arriscada. Eu estive na reunião, sabia? — E passou a frente na rua. — Ouvi bastante um jovem que lidera as caças dizendo que a culpa era de Clara. A menina nem teve chance para rebater. Foi uma gritaria só, mas a jovenzinha com flores na cabeça que ficava olhando para o Marcus ajudou ela.
— Luma?
Jix apontou para ele.
— Essa mesmo. Eu nunca tinha visto uma pessoa tão calma e tão eufórica. Lembra quando a gente era mais jovem, né? — E soltou um risinho baixo. — O ferimento que o irmão mais novo teve foi interno. Eles não podem fazer muita coisa agora já que não tem remédios nem nada parecido.
— Eles decidiram fazer o que?
— Meliah, acho que é o nome dele, disse que tem uma Pedra da Lua na parte de baixo do metro. — Jix deu de ombros. — Ele falou que da última vez que viu alguém aparecer do nada, era perto de uma dessas entradas para o subsolo. Aqui nessa parte tem muitas, não é?
De onde estava, Dante podia ver pelo menos duas em longas distâncias. Suas portas foram seladas com ferro e uma fita amarelada, e o mato também tapava o metal do painel. Não parecia que as criaturas tinham saído de lá recentemente.
— E os bueiros — disse Jix, apontando. — Eles parecem lacrados pra você?
Dante parou ao lado de um deles e abaixou, dando uma erguida na tampa. O cheiro de esgoto subiu. Não foi somente o odor, os gemidos no fundo. Mesmo no escuro, Dante avistava os vultos correndo de uma ponta a outra, como um mar escuro e suas ondas instáveis.
Era como Clara tinha dito para ele. “Viva de dia, se esconda de noite”.
Mesmo sendo um pequeno bueiro, os Felroz claramente poderiam subir por ali no dia a dia. O que mais intrigava Dante era o motivo das criaturas que viviam na Capital não temerem o sol, mas em Kappz, sim.
Existia alguma diferença nelas? Seria o local interferindo nelas?
— GreamHachi alguma hora virá, Dante — disse Jix apoiando sobre a perna direita. — Ouvi de Marcus que você não mataria um homem se ele não cruzasse o seu limite.
A tampa foi reposta no lugar. Dante se levantou e bateu a mão uma na outra, limpando-a.
— Um homem consciente.
— Mesmo um homem pode deixar de ser consciente mesmo que enxergue. O homem quem fez aquilo com o caçula dos Jones seria poupado caso viesse até você?
Dante não disse nada. A resposta era clara. Quem quer que aparecesse com a intenção maliciosa, seria tratado como inimigo. Seu pai teria respeito pela sua escolha? Aliás, foi ele quem o ensinou a enxergar as intenções.
Seu punho foi feito para destruir criaturas. Foi pra isso que fui treinado, pai?
— Dante.
— O que foi?
Não se virou, olhando para as dezenas de prédios inabitados. Cada andar vazio, apenas com o vento balançando a grama que se infiltrou pelas janelas e portas, as árvores que cresceram pelos escombros e buracos nas paredes.
— Posso pedir algo para você?
— Como amigo ou aliado? — A pergunta o fez rir. Tecno e Freto ainda permaneciam em sua lembrança.
— Um amigo pediria um favor. E um aliado faria o necessário para ter sua confiança, propondo uma promessa. — Jix foi até onde Dante pôde enxergar um pouco mais a frente. — Como amigo, eu gostaria que você lidasse com os problemas que essas cidades têm. É o único lugar que não tem uma pessoa egoísta liderando. Mas, se enxergar vividamente cada um dos que lidera, verá que o egoísmo molda sua sociedade, a mantendo forte por medo ou propósito. Marcus é alguém forte e próximo de Clara, mas não será o suficiente para manter esse grupo unido. Eles precisam de uma base sólida, forte e que tenha um histórico perfeito.
— Não sou a pessoa perfeita pra isso.
— Nunca disse que é, Dante. — Os olhos de Jix eram firmes, transbordando confiança. — Precisamos do respeito e do medo unidos em um só homem. Clara é o respeito, Marcus será o medo. No entanto, quando pensarem neles, você deve ser como uma montanha impossível dos inimigos escalarem. E para fazer isso, preciso que demonstre impiedade com aqueles que querem o nosso mal.
Dante esperou ele se virar completamente. O vento soprou com tanta força que balançou suas roupas. O velhinho mantinha um rosto cheio de vontade, num sorriso orgulhoso.
— Esse povo precisa de alguém com um punho de ferro para os guiar no meio do caos. Quero acreditar que você seja essa pessoa. Não para deixá-los confortáveis, mas para inspirar. Eu estarei com você, Dante. Posso mostrar o necessário, posso mostrar o caminho que aprendi tropeçando, um caminho que já foi pavimentado.
A responsabilidade de um povo. Dante saiu de seu vilarejo esperando que as missões o fizessem mais maduro, que cada uma das suas escolhas tivessem um peso decorado com sua posição hierárquica. Um povo… seus punhos. Isso seria dar um passo maior do que a perna?
— Dante, você pode fazer isso?
— Eu nunca deixaria as pessoas que me salvaram serem machucadas. — Seu punho se fechou e abriu repetidamente. — O que acha que eu deveria fazer primeiro, Jix?
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