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    Quantos dias se passaram? Juno não tinha mais certeza. O conceito de tempo parecia ter se distorcido, diluído na sequência de eventos que agora se embaralhavam em sua mente. Ela tentou contar, uma vez, quando ainda havia alguma esperança de ordem. Mas os dias começaram a se fundir, cada um igual ao outro, e os números perderam o significado. Cem? Duzentos?

    Abstrato, sua mente gritava. Tudo era abstrato desde que sua única missão se tornou resgatar suprimentos, comida e remédio. Sua única derrota lhe levou até aquele momento.

    As pessoas que fugiram deles sequer lhe dava medo. A adrenalina das semanas passadas ainda pulsava em suas veias, como uma lembrança incômoda, e o tédio agora ameaçava tomar seu lugar. O vazio da rotina se espalhava lentamente, como uma sombra que crescia com o tempo.

    Ela sabia que a linha entre o controle e a perda era tênue. O que a impedia de ceder ao impulso, de dar vazão àquilo que havia ficado enterrado nas últimas semanas?

    Se o vazio a tomasse, era disso que seu coração temia.

    O medo nos olhos deles, de suas faces acuadas, os olhos desviando para não a encarar. Juno não tinha tanto quanto aqueles que um dia a fizeram acreditar. O sorriso que tentou demonstrar por tantos anos se transformou numa poça de indiferença.

    — Juno — Sebastian se aproximou com a espada em mãos. — Estamos prontos. Tudo o que conseguimos reunir dessa parte da cidade já está sendo levado, mas não conseguimos ir muito longe esse último mês.

    — Por quê? — A pergunta saiu de sua boca em um tom arrastado. Ainda fitava o chão, sua visão meio embaçada pelos pensamentos nublados. — O que houve?

    — Tinha um velho andando para lá e pra cá. Bom, se aquilo pode ser chamado de andar. Ele entrou em um monte de casa que marcamos no mês passado, e pegou tudo. E ele fez isso em quase todos os dias.

    — Não conseguimos nem metade — completou ela. O cabeça longo ainda pendia sobre os ombros. — O chefe não vai ficar contente.

    Sebastian deu uma risada, guardando a espada na bainha.

    — Ele gosta de você. Conversa com ele pela gente. Fizemos de tudo. Esses Impuros que pegamos do lado de fora fizeram um bom trabalho. Nós também temos aquele disquete que diz como podemos produzir linho, não vamos precisar voltar.

    Juno fechou os olhos, cansada.

    — Eu falo.

    — Isso que eu gosto de ouvir. Agora, vamos.

    Juno tentou se levantar, mas antes que pudesse fazer o movimento completo, seus olhos se fixaram em seu braço. Algo estava estranho. Ela não sabia exatamente o que era, mas uma sensação inquietante a invadiu. Os pelos de sua pele começaram a se erguer, um a um, como se uma corrente invisível estivesse percorrendo sua carne. No início, foi sutil — uma leve ondulação que poderia ser ignorada. Mas logo, a sensação aumentou, como uma reação involuntária do corpo à presença de algo fora do comum.

    Ergueu a cabeça. O silêncio e escuridão do fundo daquele cômodo largo não a deixava menos incomodada do que a sensação de que algo a encarava.

    Sebastian reparou para onde ela olhava e fez o mesmo, mas não encontrou nada.

    — Ei, pare de ser estranha e vamos.

    Ele saiu pela porta, a deixando sozinha.

    Juno ficou de pé, não convencida. O tédio estava sendo substituído. A adrenalina do dia que fritou metade do corpo de um homem, começando pelos dedos. Ela abriu um sorriso de canto, ainda fitando o escuro.

    — Parece que tem ratos maiores do que eu imaginava por aqui. — Ela levantou a mão rapidamente, mas piscou antes de converter sua Energia Cósmica.

    Quando Juno abriu os olhos, ele estava lá. Um homem, tão perto que o ar parecia pesado com sua presença. Seu sorriso era largo, exagerado, quase irreconhecível em sua confiança. Havia algo estranho naquele sorriso, uma firmeza desconcertante que tornava o momento ainda mais surreal, como se ele já soubesse o que estava prestes a acontecer.

    Juno ficou paralisada, os músculos congelados por um segundo que parecia se arrastar infinitamente. Ela sabia que havia sido superada, mas a velocidade com que tudo aconteceu a deixou sem reação. O homem estava à sua frente antes mesmo de ela ter tempo de se preparar.

    De repente, seu corpo foi forçado para trás, sua barriga colidindo com a força brutal de um soco que parecia vir do fundo da terra. A dor explodiu imediatamente, uma onda quente que se espalhou por seu torso, mas o impacto não foi apenas físico. Algo em sua boca se incendiou — uma mistura de raiva e adrenalina, uma sensação visceral que a levou de volta ao dia em que tudo mudou. A raiva, crua e sem filtro, tomou conta de seu corpo, alimentada pela memória do passado e pela intensidade do momento presente.

    Ele levantou a mão com determinação, os dedos se esticando para agarrar o pescoço do velho. A intenção era clara: imobilizá-lo de uma vez por todas. Porém, com uma agilidade surpreendente, o velho se esquivou com um movimento rápido e fluido, seu corpo inclinando-se para o lado com a precisão de alguém que conhecia cada truque de um combate.

    Quem é ele?

    Ela foi enviada contra a parede, quebrando e sendo arremessada para o outro lado. Os civis a viram se levantando, chocados. Juno respirava fundo, e soprou o máximo de ar, controlando sua raiva.

    Estava rindo. O velho estava vindo na sua direção rindo, passando pelo buraco que ele mesmo causou.

    — Juno. — Sebastian rapidamente partiu para cima do velho.

    — Ei, calma aí.

    Do meio das sombras, um som de disparo ecoou. O estalo do disparo parecia se estender por um segundo interminável, sua presença inconfundível, e um tremor sutil percorreu o ambiente, deixando todos em alerta.

    De dentro da escuridão, Juno viu um pequeno flash. Logo em seguida, Sebastian saiu voando antes de encostar no velhote. Ele sorria, seus dentes brancos brilhando como se estivesse se divertindo com o caos ao seu redor. O sorriso era largo, quase desafiador, como se ele estivesse observando tudo de uma posição de poder, aproveitando o momento com um prazer sombrio.

    A atmosfera ao seu redor parecia se distorcer, a tensão crescendo enquanto ele continuava a sorrir, imune ao perigo iminente, como se nada pudesse tocá-lo.

    — Levante e continue — ouviu o velho dizer para ela, parando de se mexer.

    Todos ficaram estáticos. Juno começou a abrir um sorriso desleixado. Juno, por sua vez, começou a abrir um sorriso desleixado, uma expressão que misturava desprezo e diversão. Seus olhos brilharam, e ela se levantou lentamente, como se cada movimento fosse calculado, sem pressa. Os braços caíram ao longo do corpo, a postura relaxada, mas a tensão em seu olhar não deixava dúvidas de que ela estava longe de subestimar a situação.

    Ela o encarou com firmeza, seu olhar fixo nele, como se estivesse esperando algo — talvez uma reação, ou quem sabe, o próximo movimento. Sua risada, suave e quase zombeteira, cortou o silêncio, liberando uma pequena faísca que dançou ao redor de seus ombros. Quase no mesmo instante, ouviu o zombar de um sorriso vindo do outro lado.

    — Isso vai ser divertido — disse o velhote. — Não posso perder o costume. Recruta Dante se apresentando para combate.

    E bateu o punho da mão aberta, um som surdo que cortou o silêncio. — um sinal de que estava pronto para lutar. Juno ficou admirada e ao mesmo tempo atenta. Esse era um inimigo formidável.

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