Índice de Capítulo

    — Você não pode deixar Juno se machucar — Clara disse com urgência. — Ela ainda não está pronta.

    Dante sabia bem disso. A finalidade do treino era justamente para que ela mesclasse o uso do corpo com a habilidade. Os raios respondendo ao seu chamado já era um indicador de que estava dando certo, mas ainda era cedo demais.

    Juno havia jogado um carro depois do outro. O Duas Caras horrendo expeliu chamas amareladas, e pelo calor, eram duas vezes mais quentes do que as outras. Ou seja, estava levando eles a sério agora. Mas, Clara ficaria exposta.

    — Vai.

    Havia uma figura bem longe, atrás do Duas Caras. Seus olhos tremularam quando a figura de Render novamente surgia. De costas para o homem, ele segurava a espada na mão direita. E quando metade do seu rosto girou, Dante soube que esse era o momento de avançar.

    A Energia Cósmica se reuniu novamente e ele saltou, deixando uma onda de ar para trás. Juno também precisava dele. A garota era mirada por um dispositivo e o brilho amarelado focava ganhando mais força.

    Ele soltou uma risada, no meio do ar, chamando atenção dos três que o observavam.

    — Está na hora de trocar, Juno.

    O braço de Dante se esticou no instante exato, seus músculos tensionados como uma mola pronta para disparar. Ele sabia que era apenas um segundo — um intervalo ínfimo —, mas no campo de batalha, até mesmo um segundo era tudo. E Duas Caras, com toda sua arrogância e confiança, não tinha esse luxo. Foi o suficiente.

    Dante viu quando Juno ergueu o braço na direção do inimigo, suas mãos se juntando enquanto a eletricidade pulsava em seu corpo. Mas ele sabia o que precisava fazer. Com um movimento fluido, ele girou o corpo, aproveitando a rotação para ganhar impulso.

    No momento em que soltou a mão de Juno, ele sentiu a força do movimento se completar. O ar pareceu rachar ao redor dela enquanto era lançada com velocidade impressionante na direção de Clara. Cada detalhe passou pelos olhos de Dante em câmera lenta: o cabelo de Juno esvoaçando, o brilho das faíscas elétricas que a rodeavam, e a expressão determinada em seu rosto.

    Ele não precisava olhar para trás para saber que Duas Caras ainda estava rindo. Mas isso não importava. Clara precisava ser protegida, e ele confiava que Juno faria o resto.

    No entanto, ele fez o giro na direção do inimigo. Duas Caras não se distraiu, num piscar de olhos, as chamas foram expelidas como uma montanha amarela tão alta que iluminou praticamente aquela parte inteira da cidade.

    — Não importa quem seja — disse Duas Caras. — Ainda não vai ser páreo pra mim.

    Dante simplesmente respondeu erguendo o braço pra cima. O ar inteiro se moveu ao seu comando. As chamas ao redor de Duas Caras foram arrastadas pelo turbilhão, misturando-se à corrente de ar em um espetáculo caótico de fogo e vento.

    O brilho intenso das chamas se espalhou, crescendo em intensidade, mas, ao mesmo tempo, se tornando instável e desordenado. O controle que o homem tinha sobre o fogo foi subitamente quebrado, e sua arrogância deu lugar à surpresa.

    O redemoinho que Dante criou não apenas enfraqueceu a estabilidade do ataque de Duas Caras, mas o lançou para o alto, como um boneco sendo arrastado por uma tempestade. A força bruta do vento o ergueu do chão, e por um instante ele perdeu completamente o controle da situação.

    Dante manteve o braço erguido, e pisou no terraço vendo o homem mais alto do que antes.

    — Você ainda está confiante demais pro meu gosto, velhote. — Duas Caras usou aquele momento no ar para apertar mais dois botões. As chamas se tornaram roxas, de uma cor tão intensa que fez o tornado perder força na hora ao aumentar sua intensidade de fogo. — Vejo nos seus olhos que tem medo do que posso fazer.

    Mesmo em meio ao caos — as chamas roxas crepitando no ar e a tempestade rugindo ao redor deles, o som distinto de uma arma sendo destravada. Foi um som seco, preciso, que pareceu congelar o tempo por um instante.

    Dante deu uma risada.

    — Tem certeza disso?

    Um estalo, foi como se o rugido da carabina ISE nem mesmo tivesse som no meio do tumulto. Porém, Duas Caras permaneceu imóvel, como se o disparo fosse apenas um detalhe insignificante no teatro de destruição que o cercava. Sua confiança — ou talvez arrogância — o fez ignorar o som, seus olhos ainda fixos em Dante.

    Mas Dante sabia melhor do que ninguém o que significava. Ele sentiu o ar mudar, percebeu a trajetória invisível que o projétil seguia. Ele conhecia aquela carabina e o que ela era capaz de fazer. Mesmo que o som fosse pequeno, o impacto não seria. O rugido abafado era apenas o prelúdio para o verdadeiro golpe que estava prestes a acontecer.

    — ‘Impacto Púrpuro’.

    Duas Caras esticou as duas mãos, agora descendo do céu. As chamas roxas foram todas puxadas para dentro do cano abaixo do pulso. E gargalhando, teve certeza de que a vitória estava ali.

    —… dois, um. — Dante abriu os braços na mesma hora.

    Uma imensa explosão acertou o braço de Duas Caras, fazendo o céu se colorir com um misto de chamas. Amarelas, azuis, vermelhas, roxas e branca, elas se uniam enquanto o homem gritava em dor.

    Dante fechou as duas mãos na direção dele num impacto forte.

    Tudo se moveu. As chamas que desciam junto do Duas Caras foram enviadas de volta para o céu, e ele junto. Dante viu as placas metálicas espalhadas ao redor do homem. O tiro foi certeiro, Marcus havia acertado de uma distância que nem mesmo Dante era capaz de prever com exatidão. E o vento, a trajetória do alvo, até mesmo sua queda…

    A mira do atirador era assustadora.

    Antes que Dante pudesse sequer reagir, um borrão passou ao seu lado, movendo-se com uma velocidade impressionante. O vento cortante trouxe um lampejo de luz elétrica, e ele imediatamente soube quem era. Juno.

    Ela subiu em uma explosão de energia, deixando pequenas faíscas que se dissipavam na tempestade. Era diferente de antes. Mais rápido, mais determinado. Dante percebeu que ela estava se adaptando, que seu corpo começava a responder de forma instintiva às demandas brutais do combate.

    A aceleração inesperada pegou até mesmo Duas Caras de surpresa. Ele girou o olhar para baixo, as chamas ao seu redor oscilando com o deslocamento de ar que Dante havia causado. Havia algo de imprevisível nos movimentos daquela garota, como uma tempestade elétrica em plena fúria, e isso fez Dante sorrir de leve.

    Ela não hesitou, nem olhou para trás. O foco dela era absoluto, e cada fibra de seu ser parecia gritar que ela não seria deixada para trás novamente. Dante não precisava interferir agora; ele sabia que Juno tinha algo a provar — não apenas para ele, mas para si mesma.

    Duas Caras foi ultrapassado, seu olhar metálico poderia estar calmo, mas o que restou de sua humanidade tinha temor, surpresa e descrença. Juno havia passado por ele, erguendo a mão na direção da tempestade, que respondeu num brilho intenso e um trovão vibrante.

    Os raios se uniram criando um espelho elétrico bem atrás dela. Um imenso braço, feito da própria energia destrutiva da natureza, desceu ao seu comando. Atrás dela, as faíscas se entrelaçaram em um padrão caótico, criando um espelho reluzente de pura energia elétrica.

    O reflexo vibrava, distorcido pela intensidade dos raios que o compunham, até que algo começou a emergir. Um braço colossal, feito inteiramente da energia destrutiva da natureza, se formou, cada detalhe moldado pelo poder bruto de Juno. Ele brilhava com uma luz ofuscante, e o ar ao redor parecia ferver, crepitando com uma força impossível de conter.

    Com um movimento deliberado, Juno estendeu a mão, e o braço elétrico respondeu de imediato, descendo em um golpe avassalador. O som foi ensurdecedor, como um trovão explodindo à queima-roupa. A força destrutiva do impacto foi tão intensa que o chão tremeu, e o ar ao redor se distorceu em ondas de calor.

    Era como se a própria natureza tivesse sido convocada para punir Duas Caras. Dante observava de onde estava, impressionado, mas com um pequeno sorriso de aprovação. Juno estava começando a entender o que significava ser verdadeiramente poderosa.

    O golpe desceu queimando o que restava de Duas Caras. Dante se posicionou, e esticou a mão para trás.

    Não poderia deixar sua mais nova aluna se achar por ter esse tipo de força. Um Mestre só poderia ser superado no momento de sua morte, como Render havia lhe ensinado. Tudo que ele possuía, ele converteu em força.

    Sua Energia Cinética claramente se expandiu por dentro dos músculos, da carne e das veias. Seu oxigênio bombardeando mais rápido, sua respiração acelerada, mas nunca sem um sorriso. Ele sempre precisava sorrir, para que as pessoas ao seu redor pudessem vê-lo, para que fossem inspirados.

    Foi o que prometeu quando leu a carta que Clara lhe deu.

    Irritado, você as deixa confiantes. E confuso, todos esperam que ache um novo caminho. Mas não é isso o que mais gosto de ver em você. É o seu sorriso, ele encanta as pessoas ao redor.

    — Ei, Duas Caras — Dante disse, a voz firme cortando o caos ao redor, enquanto os olhos do inimigo se voltavam para o chão durante a queda. — Cadê o seu sorriso agora, desgraçado?

    O punho de Dante cortou o ar, mas dessa vez, não era apenas um golpe. Era algo mais, algo que parecia ressoar com o próprio mundo ao redor. O impacto não apenas atingiu — ele explodiu, rasgando o céu em um clarão ofuscante. O som reverberou, sacudindo tudo em seu caminho.

    Acima deles, o céu cinzento do inverno cedeu, uma rachadura de luz azul se espalhando em todas as direções, como se o verão tivesse invadido a paisagem gelada. O brilho era imenso, alcançando quase cem metros de extensão, iluminando cada canto da cidade soterrada pela neve.

    E, mesmo assim, os flocos brancos continuavam a cair, serenos, contrastando com a energia feroz que emanava de Dante. Era um espetáculo surreal — o calor do azul brilhante contra o frio do inverno rigoroso.

    Clara e Juno, mesmo distantes, olhavam para cima, os olhos arregalados pela cena que parecia desafiar as leis da natureza. Mas não eram as únicas. Nos níveis inferiores da Ilha Predial, os moradores haviam descido, atraídos pela intensidade do brilho e pelo som que parecia anunciar algo grandioso.

    Por um momento, ninguém falou. Não havia palavras que pudessem capturar o que estavam testemunhando. O céu parecia dividido entre a fúria de Dante e a calma insistente da neve.

     Bem distante de todos, Marcus ainda estava de pé, sobre a Torre de Rádio. Ele soltou um assobio, bem impressionado. 

    — E ele ainda acha que é fraco. Que babaca arrogante. — Sorrindo, abaixou sua carabina ISE.

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