Capítulo 82: Antes de Ir
A Energia Cósmica se libertou da Pedra Lunar em uma explosão silenciosa, expandindo ondas luminosas que engoliram o quarto inteiro. O brilho era tão intenso que as sombras se comprimiram nos cantos, tremendo como criaturas vivas. Cada superfície refletia aquele dourado celestial.
O corpo do homem tremia como uma corda esticada demais, os espasmos sacudindo seus músculos em um ritmo errático, brutal, como se algo dentro dele tentasse escapar. Dante o segurou, apertando com força, os dedos firmes, como um ferreiro contendo um metal incandescente antes de moldá-lo. Não havia espaço para hesitação ali. O mundo ao redor parecia congelado, mas Degol queimava sob suas mãos.
Esse calor, Dante já tinha sentido, anos atrás, quando perdeu o controle. Não poderia deixar que ele se libertasse, seus músculos e órgãos se romperiam em pedaços caso a Energia Cósmica não fosse estabilizada.
— Segurem ele o mais forte que puderem — disse Dante a todos ao redor. — Clerk, vem.
Com Clerk esticou a mão na direção de Degol, Dante segurou sua mão e enfiou em cima do líquido dourado. A pressão que culminava de Jix também recaiu sobre ele, forçando suas pernas a arquear um pouco. Sua cara também contorceu.
— Isso é… maluquice — arfou Clerk, quase cuspindo as palavras, o rosto pálido como leite azedo. — Vou começar — completou, embora sua voz traísse o medo.
A habilidade de Clerk gerou uma estranha sucção contra a Pedra Lunar em formato de líquido. Dante não estava certo, mas o homem ao seu lado conseguia consertar ou melhorar algo de acordo com a sua própria vitalidade. Uma dádiva ou uma maldição, dependendo do olhar.
Se fosse dessa maneira, então, que fosse pela Energia Cósmica que tinha. A gravidade atuou como um rebote, gerando um atrito contínuo ao redor de si.
Mas, quando todos viram que o líquido dourado estava simplesmente se tornando esbranquiçado, entenderam que o líquido estava sendo melhorado e tocando a pele. O tecido muscular estava ganhando coloração esverdeada enquanto o cheiro de podre começou a ser liberado de dentro.
Clara encarou Dante. Ela não esperava que ele estivesse fazendo tudo aquilo apenas para Degol se manter vivo, mas fosse lá o que ele pensava, parecia dar certo. Os espasmos se tornaram menores, mas Degol simplesmente ergueu a cabeça, soltando um urro.
Foi o primeiro som que ele emanou em quase um mês inteiro. E Dante usou a outra mão, segurando a cabeça dele e jogando contra a maca.
— Calma lá, ainda não está na hora de levantar.
Suas palavras tiraram um sorriso ao redor. Ele continuou forçando sua Energia através de Clerk, diminuindo consideravelmente cada um dos requisitos para que ele pudesse se manter intacto. Consertar um corpo era infinitamente mais complexo do que restaurar uma parede rachada ou uma arma quebrada. Paredes não tinham veias, ossos ou órgãos pulsantes; paredes não lutavam contra você.
O esforço exigia tudo deles. Clerk arfava como um cavalo em seus últimos passos, mas, ainda assim, segurava firme, obedecendo à vontade de Dante.
Jix já estava visivelmente exausto após a primeira hora, o suor formando manchas escuras em suas roupas desgastadas. Seu rosto estava pálido, os olhos fundos e opacos, mas ele continuava firme, como um soldado que se recusa a largar a bengala.
Clerk, por outro lado, havia parado de arfar. Não era um bom sinal. Ele agora economizava cada resquício de força, os olhos fechados e a respiração controlada, lenta e rítmica pelo nariz. Seu peito subia e descia como se até o ar fosse um recurso escasso demais para ser desperdiçado.
Dante ergueu os olhos, buscando algo para se fixar, algo que pudesse manter sua mente longe do cansaço que ameaçava dobrá-lo. Foi então que a viu. Clara estava do outro lado, imóvel como uma estátua, mas seu rosto traía tudo o que tentava esconder. A preocupação a consumia, uma aflição silenciosa que se estampava em cada linha de sua expressão.
— Ei — sua voz rompeu o silêncio, chamando atenção de todos. — Vai ficar tudo bem, certo?
— Por que está falando isso agora? — a voz dela saiu baixa, mas ainda resistia aos espasmos de Degol. — Preciso que tenha foco.
Dante mostrou seu sorriso largo e concordou.
— Sim, senhora.
Dante agiu de forma veloz. Puxou a mão de Clerk para longe de Degol, o tirando da concentração. Antes que pudessem dizer algo, as duas mãos de Dante chocaram contra a cabeça e o peito de Degol.
— Pode acordar agora.
A Energia Cósmica que se libertou de dentro de Dante veio como uma cachoeira caindo de um penhasco — poderosa, avassaladora, impossível de conter. Ela rugiu através dele, queimando por suas veias como fogo líquido, antes de se derramar sobre o corpo mutilado de Degol.
As veias de Degol saltaram sob a pele, grossas e pulsantes. Lentamente, mas com uma força inexorável, a pele queimada começou a se renovar, brilhando em tons doentios sob a luz fraca. As manchas escuras, as bolhas de podridão e o fedor que envenenava o ar foram cedendo, dissipando-se como sombras sob a aurora.
Os dedos chamuscados se alongaram, reconstruídos centímetro a centímetro, enquanto os cabelos queimados se recompunham, crescendo de volta como ervas após a chuva. Cada pedaço perdido de vitalidade parecia ser puxado das profundezas do abismo, arrancado à força do lugar onde fora esquecido desde o dia de sua queda.
O corpo de Degol ainda era um campo de batalha, mas agora, em vez de derrota, havia algo mais. Algo que pulsava. Algo que retornava.
Quando a luz começou a inundar seus olhos, Dante soltou uma risada, rouca e inesperada. Nunca tinha achado que aquilo ia funcionar, pelo contrário, dentro das suas expectativas, queria que o teste fosse apenas certeiro para que tivessem uma chance de salvar a vida dele.
Mas, se um dia Juno fosse descoberta, Dante teria uma carta para jogar. A vida de Degol seria sua aposta, uma dívida impossível de ser ignorada. Uma vida pela outra. Ele guardaria essa carta até que o momento certo surgisse, como uma adaga oculta sob o manto.
Foi então que Vick o alertou, a voz seca e sem emoção, carregada de uma urgência gélida:
“Índices de atrito decaindo velozmente. Utilização de toda porcentagem em tempo real. Espaço de tempo: imediato”.
Dante entendeu no mesmo instante, mas sua reação veio um segundo tarde demais. Ele puxou as mãos, o movimento brusco e desesperado, mas já estava feito. A pressão se reverteu em um rebote violento, uma onda luminosa que o atingiu como um martelo. A força o arrancou do chão, arremessando-o para trás com brutalidade.
Ele colidiu contra a cortina montada para isolar o quarto, rasgando-a com um som agudo e seco. Seu corpo girou no ar antes de atingir o chão com força, o impacto arrancando-lhe o fôlego. Por um momento, tudo era dor e luz. Dante levou a mão ao peito, onde um calor ardente se espalhava, como brasas sob a pele.
Foi ele quem prendeu a dor nos músculos, como um homem que segura um fio prestes a arrebentar. Ele não gritou, não gemeu. Apenas respirou fundo, os olhos semicerrados, enquanto a dor pulsava em ondas lentas e impiedosas.
Dante tinha a boca aberta, sem soltar ar algum. Ele viu Clara se abaixar ao seu lado, o rosto marcado por uma mistura de pânico e determinação. Os dedos dela tocaram-lhe o rosto, depois o pescoço, como se procurasse algo que já sabia que estava errado. Ela falava, os lábios se moviam em frases apressadas, mas Dante não escutava uma única palavra. Era como se o silêncio tivesse engolido tudo.
Clara virou-se para alguém, gesticulando com urgência, mas Dante forçou um sorriso. Era tudo o que podia oferecer. Não se preocupe, ele queria dizer. As palavras se formaram na mente, mas nunca alcançaram seus lábios. Ele sabia o que estava acontecendo. O corpo cedia, lento e inevitável, como uma muralha desgastada pelas décadas. Só não esperava que aquilo fosse acontecer por alguém como Degol — alguém por quem ele nunca tivera sequer um sentimento bom. A ironia o fez sorrir mais uma vez, fraco, enquanto as pálpebras começavam a pesar.
Antes que o escuro o levasse, sentiu dois tapinhas firmes em sua bochecha. Seus olhos se abriram com esforço, e lá estava Juno. Ela o encarava de lado, a expressão irritada e determinada, como uma mãe contrariada por um filho teimoso. Juno balançou a cabeça duas vezes, negando, como se estivesse dizendo a ele que aquilo não era o fim.
Preciso descansar um pouco, garota…, Dante pensou, quase deixando escapar as palavras, mas a expressão dela endureceu. Ela balançou a cabeça novamente, negando com mais força, como se recusasse até mesmo a ideia de desistir.
Foi então que Juno estendeu a mão em direção ao peito dele. Dante sentiu o calor antes do choque — uma carga elétrica brutal que atravessou seu corpo como uma tempestade caindo sobre uma árvore seca. Seu peito se arqueou, os músculos contraídos em espasmos, enquanto os batimentos cardíacos disparavam como um tambor enlouquecido.
Ele arfou, puxando o ar com força, como um homem emergindo de um afogamento. O silêncio que o envolvia se quebrou de uma vez, substituído pelo som da própria respiração e do sangue rugindo em seus ouvidos. Juno continuava ali, imóvel, a mão ainda estendida, os olhos fixos nele, desafiando-o a morrer.
Dante tossiu, ofegante, e olhou para ela, os olhos ainda turvos, mas vivos. Maldita garota, pensou, sem saber se ria ou gritava.
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