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    Arsena tinha o olhar caído, e um pirulito, sujo e gasto, pendia de sua boca. Ela o girava distraidamente entre os dentes, sua atenção oscilando entre suas duas espadas e o homem à sua frente. Magrot estava sentado à mesa de ferro, sua postura relaxada, mas os olhos sem vida, como se a alma dele tivesse sido arrancada e jogada em algum lugar distante.

    As partes de metal que cobriam seu corpo eram de segunda mão, visivelmente improvisadas, peças jogadas de algum canto, mais por necessidade do que por escolha.

    Duna não daria algo de valor para ele novamente, não depois do que aconteceu. Depois de ser derrotado, humilhado, e lançado a mais de cinco quilômetros de seu alvo, Magrot não era mais a peça de confiança que fora um dia. Ele agora era apenas mais um caído, como tantos outros.

    O que Arsena não conseguia entender, o que consumia sua paz, era o motivo de ele estar ali. Por que Magrot, de todos, estava naquela cidade perdida, onde não havia nada de valor para Havok? Nada que ele ou qualquer outro pudesse querer. A cidade era apenas uma ruína esquecida, um lugar no meio do nada que fazia divisa com GreamHachi.

    Ainda mais depois de ter sido derrotado, humilhado e jogado a mais de cinco quilômetros do seu alvo. O que ela não entendia ainda era o porquê… porque ele estava lá sendo que não havia nada na cidade que fosse importante para Havok.

    Ela piscou, o olhar se perdendo por um momento enquanto refletia sobre aquilo. Talvez houvesse algo que ela não estava vendo, algo que Magrot sabia e não queria contar de jeito algum.

    — Ei, idiota. — Arsena tirou o pirulito da boca e coçou a boca com o braço, irritada. — Vai contar logo por que estava lutando? O que tinha em Kappz?

    — Nada. — Magrot apertou dois botões no braço direito e, de repente, as chamas começaram a se acumular ao seu redor, brilhando com uma intensidade opaca, como se ele tivesse perdido o controle de algo que antes dominava com facilidade. A habilidade dele de conjurar variações do fogo era algo que Arsena conhecia bem, ela mesma já havia sofrido nos treinamentos passados por causa dele. Mas agora, as chamas pareciam uma sombra do que um dia foram. — Recurso… — A palavra parecia uma promessa de algo mais, algo escondido. A história, cada vez mais, ficava mais interessante.

    — E o que acha de me falar que recurso é esse? — Arsena deu dois passos na direção dele, desafiadora, mas Magrot respirou fundo e trocou as chamas com um movimento impessoal. — Vamos, feioso. O que era tão importante para você ter ido até lá sozinho, sem falar com ninguém?

    — Nada. — Ele respondeu, a voz sem convicção, como se já tivesse se resignado a esconder o que fosse que realmente estivesse acontecendo.

    Magrot se levantou, as pernas metálicas rangendo com o movimento, ainda incapazes de acompanhar os passos de um homem inteiro. Ele avançou lentamente até uma pilha de sucatas que se amontoava na caverna metálica.

    Arsena o seguiu, imitando o movimento, se aproximando dele com a agilidade de um predador. Ela se abaixou, ficando bem perto.

    — Ah, Magrotizinho, você está escondendo alguma coisa, não é? — Ela apontou para ele com o dedo, o tom de sua voz sarcástico e afiado. — Ah, está sim. Eu sei quando você tenta me enganar ou esconder alguma coisa. E eu quero saber o que é. Vai que eu te ajudo.

    — Não é nada. Já disse. — Ele murmurou, mais irritado do que antes.

    Atrás deles, do outro lado da sala, a porta se abriu com um rangido baixo e, com passos firmes, Duna entrou, segurando um relatório. Seus olhos estavam fixos no papel, imersos no que lia, como se o mundo ao seu redor fosse uma mera distração. Mas assim que ele percebeu os dois próximos um do outro, o olhar de Duna se ergueu, frio e afiado. Ele fez um gesto impaciente para Arsena, como se ela fosse um incômodo que não queria mais tolerar.

    — Longe dele, moça. — A voz de Duna soou ríspida, sem espaço para discussões. — Você tem o dom de deixar os outros irritados.

    Arsena, sem dizer uma palavra, recuou, os olhos brilhando com uma mistura de desdém e divertimento. Magrot, por outro lado, não parecia surpreso. Ele apenas permaneceu onde estava, seu olhar vazio, como se nada mais importasse, até que Duna o chamou novamente.

    — Magrot, vem pra cá. — O tom de Duna agora era mais direto, como se algo importante estivesse prestes a ser revelado. — Eu vi algo no registro de hoje que pode te interessar.

    Magrot se levantou lentamente, as articulações de metal rangendo com o movimento. Seus passos eram pesados, mas ele não parecia se importar. O que quer que fosse que Duna tivesse visto, era o suficiente para atrair sua atenção, pelo menos por um momento.

    Duna entregou o relatório para Magrot, e a reação dele foi quase visível, como se uma faísca de surpresa tivesse acendido nos olhos opacos do homem. Por um instante, parecia que o peso da derrota havia sido aliviado, que algo no fundo de seu ser ainda pulsava com um fio de esperança. Mas a transformação não durou. Ele encarou Duna, um brilho sutil de expectativa se formando em seu olhar.

    — Isso indica que a pedra está lá, certo? — A voz de Magrot estava carregada de uma frágil esperança. — Não tem como um aumento de Energia Cósmica ter sido feito apenas do nada. Ela existe.

    Duna, porém, não cedeu. Sua expressão continuava grave, como uma rocha resistente a qualquer maré de emoção. Ele respondeu com uma frieza calculada, sem sequer vacilar diante da esperança de Magrot.

    — Ainda não é nada certo. — A resposta foi seca, direta. — Quero apenas te mostrar que existe a possibilidade. Mas, como veio diretamente de lá e arrastado, creio que ir sozinho não seja sua melhor opção.

    Arsena observou a troca entre os dois, sua mente funcionando como uma máquina afiada. Ela conhecia bem Duna. Não era de dar falsas promessas ou levantar esperanças vazias. O homem sempre jogava a partida com um pé na desconfiança, e isso era algo que ele nunca deixava transparecer. Magrot, por outro lado, parecia estar tão perdido na busca por esse… objeto que seus olhos não enxergavam que se saísse daquela maneira, seria morto em vez de ficar em pedaços.

    — Deveria conversar com Havock — aconselhou Duna ficando de costas. — Ele pode ajudar a pegar, mas vai sem expectativa. A quantidade de Energia que liberaram de lá foi suficiente para que o meu captador pegasse. E estamos bem distante de Kappz.

    Arsena cansou de ouvi-los e se afastou da parede.

    — Bom, parece que já tenho minha próxima caçada, Duna. — Ela deu um sorrisinho de lado vendo Magrot a encarar. — Kappz é logo ali, no meio do caminho para GreamHachi. Vou fazer uma visitinha ao pessoal de lá. Vingar meu amigo Magrotinho.

    — Você? — Duna lambeu os lábios e foi até a mesa pegar um cantil de água, deu uma golada e suspirou. — Sabe que não vai conseguir pegar nada deles. Magrot perdeu, você acha que consegue sozinha?

    — Nossa, que grande confiança. Acha que eu vou perder para alguns nômades?

    Magrot ainda estava com o relatório na mão e jogou na maca onde estava deitado antes.

    — Se quer ir mesmo, tome cuidado com o velhote. Mas… a garota dos raios é perigosa. E tem algum atirador, foi ele quem me deixou nesse estado. Eu queria ir, mas não posso até ter todas as peças no lugar.

    — Ah, está preocupado comigo? — Fingiu um afeto. — Que lindo da sua parte. Ah, Magrot, se toca. Acha que vou perder para alguns macaquinhos tentando sobreviver lá fora? Não me compare a você, nem a qualquer um dos que Havok diz serem bons. Eu sou a melhor no que faço.

    Magrot não respondeu e somente devolveu o relatório a Duna.

    Ela se virou com um movimento rápido, seus passos firmes, indo em direção à saída. O corredor à sua frente era sombrio, mas seu espírito estava mais sombrio ainda. Não permitiria que nenhum deles, nem Duna, nem Magrot, sequer pensassem que estavam mais fortes ou mais preparados. Em Kappz, ela tomaria a vida de quem fosse necessário. Magrot? Ele era apenas outro idiota que Havok havia contratado. Um peão em um jogo que ele não compreendia.

    Ele não era forte, nem rápido, apenas tinha uma habilidade. Uma habilidade que, na visão de Arsena, o tornava menos dispensável. Se ela quisesse, poderia cortá-lo em dois pedaços, e a ideia sequer lhe causava um arrepio. Era tão simples.

    Ela estava quase fora da sala, já no corredor, quando a voz de Duna cortou o silêncio como uma lâmina afiada.

    — Antes que eu me esqueça… — A voz dele era fria, sem pressa, como se estivesse falando sobre o tempo.

    Arsena parou por um momento, mas não olhou para trás. Ela sabia o que viria.

    — A Soberba…

    Ela rangeu os dentes, o ódio subindo como um fogo indomável dentro de seu peito.

    — …precede a queda.

    Era um aviso, mas ela não se importava. Nenhuma de suas palavras a atingia. Ela estava acima disso, e sempre soubera que o mundo só se importava com os vencedores. E ela seria a vencedora.

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