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    Juno não queria dizer nada no começo. Ver Dante de pé, com o braço enfaixado, foi algo que a tocou mais do que gostaria de admitir. Ela queria treinar, desejava com todas as forças, desde que chegara ali. Mas ele, aquele que sempre estava disposto a lutar, não poderia mais fazer nada. O pensamento a incomodava de um jeito que ela não conseguia evitar.

    Ela tinha ficado com Jix, praticando o pique-pega, mas, apesar de sua energia e determinação, não havia vencido. O mais triste, no entanto, não era perder o jogo, mas o fato de Dante não poder ajudá-la. Ele sempre foi divertido, com aquele sorriso fácil que iluminava até os momentos mais sombrios, e o jeito estranho de lidar com as situações que fazia tudo parecer menos pesado. Quando o homem-ferro apareceu, Dante reagiu ainda mais rápido do que ela, e isso a deixou ainda mais ciente das próprias limitações.

    Velocidade e força — duas coisas que Juno não tinha para superá-lo. Ela sabia disso com clareza. Mesmo com seu ataque no céu, não havia sido suficiente para derrotar o homem-ferro. Dante precisou usar sua habilidade ao ponto de se machucar, e isso fez seu peito apertar de angústia.

    Queria poder fazer mais, queria poder ajudá-lo de alguma forma, mas o que poderia ela fazer?

    — Está pronta? — A pergunta de Dante a tirou de seus pensamentos. Ele se aproximou com o braço enfaixado ainda abaixado, a expressão no rosto uma mistura de leve preocupação e leveza. — Está dormindo em pé? O que foi?

    — Seu braço… você não pode treinar. E eu… — Juno hesitou, mas Dante a cortou antes que ela pudesse terminar.

    — O que? Quem disse isso? Acha que eu ia ficar caído por mais tempo? — Ele abanou a mão, como se o próprio pensamento fosse absurdo. — Meu braço vai ficar bom em uns dois dias, mas isso não quer dizer que eu não possa usar outra coisa para te ensinar. Na verdade, quando você estava lutando, percebi que sua esquiva é muito mais lenta do que o seu ataque. É previsível demais, Juno. Você sempre sabe para onde vai, e o que vai fazer. Por isso…

    Ele esticou o braço para o lado, e Marcus apareceu, como uma sombra, movendo-se sem pressa, mas com uma precisão quase predatória. Ele depositou uma espada de lâmina fina nas mãos de Dante, que a pegou com um sorriso largo, já visivelmente animado.

    — Vamos treinar com armas. — A proposta saiu quase como uma ordem, mas a diversão em sua voz não deixava de ser evidente.

    Jix, que observava de longe, já achava a ideia ruim. Sua expressão fechada e os braços cruzados diziam tudo.

    — Eu disse que era avançado, garota. Sua esquiva no pique-pega ainda é baixa demais para desviar de golpes com armas. Mas Dante disse que vai usar apenas a espada guardada na bainha, para não te machucar tanto.

    Antes que Juno pudesse reagir, Clara apareceu, ouvindo a conversa. Ela se aproximou com a expressão preocupada, os olhos fixos em Dante.

    — Não machucar tanto? — Sua voz carregava uma dose de exasperação, e ela estalou a língua para Dante com um gesto de reprovação. — Se essa menina chegar aqui toda marcada, vocês três vão dormir na neve, entenderam?

    Marcus ergueu as mãos, confuso.

    — Eu nem fiz nada.

    — Ainda — Clara apontou para ele com firmeza, sua voz mais dura. — Sei que essa espada foi forjada por você. E cadê os Jones?

    — Decidiram sair por aí. — Dante respondeu com um tom descompromissado, como se a ausência deles fosse apenas uma pequena distração no meio do caos.

    Mas Clara não parecia convencida. Ela olhou para ele, os olhos estreitos, e então lançou um olhar a Marcus.

    — Pode ir dar uma olhada para mim, por favor?

    — Pode ir dar uma olhada para mim, por favor?

    O atirador assentiu com um movimento seco e saiu caminhando para os andares inferiores, a carabina firme nas mãos, os passos ecoando até desaparecerem na distância. Clara esperou até que ele sumisse por completo antes de voltar a atenção para Dante. Ela o apontou com o dedo, os olhos estreitos, cheios de uma concentração quase maternal, mas com o peso de uma ameaça real.

    — É o que eu disse. Se essa menina voltar falando que foi maltratada, eu vou acabar com você.

    Dante respondeu com uma risadinha provocativa, aquele tipo de riso que parecia não levar nada a sério. Ele piscou para Clara, provocando ela.

    — Eu adoraria ver você tentando.

    Clara mordeu o canto do lábio, o rosto levemente corado, e se virou sem responder. Ela caminhou para longe, já chamando a atenção de outros moradores. Clara nunca parava. Sempre havia algo a ser feito, alguém para ajudar, algum problema para resolver.

    Juno observou a cena em silêncio, a cabeça inclinada enquanto tentava entender. Clara e Dante se davam tão bem que era quase óbvio o que havia entre eles, mesmo que nenhum dos dois admitisse. Pareciam um casal. A ideia incomodava Juno de um jeito estranho, mas ela não sabia dizer o porquê.

    Se duas pessoas se gostam, não deveriam ficar juntas?

    A pergunta se instalou como um prego em sua mente. Quanto mais pensava, mais doía. Se duas pessoas se gostavam tanto, por que não ficavam? Por que Sindri, Bit Boy e Gatuna não ficaram? Por que não a levaram com eles?

    A dor de cabeça veio rápida e cruel, pulsando nas têmporas. Juno cerrou os olhos, mas o desconforto só se dissipou quando sentiu algo: a mão de Dante, firme e pesada, repousando em sua cabeça. Mesmo com as bandagens, ele acariciava seu cabelo distraidamente enquanto conversava com Jix.

    Dante era diferente. Ele segurava sua mão quando precisava, olhava para ela de um jeito que os outros não olhavam. Ele não a deixaria. Não, ele não iria embora.

    — É isso — disse Dante, animado, puxando-a de volta para o momento. — Vamos treinar para tirar esses pensamentos todos da sua cabecinha? Sei quando alguém está avoado. Eu ficava assim também.

    — Ficava? — Juno piscou, surpresa. Era possível um homem tão forte se questionar? Alguém como ele também ficava perdido? — E o que fazia para eles… irem embora?

    Dante riu, mas não era uma risada feliz. Era seca, carregada de algo que Juno não entendeu.

    — Bom, eu não fazia nada. Meu pai fazia. Ele vinha com um pedaço de bambu e dava na minha perna até eu lembrar que não existia tempo para me questionar.

    Ele abaixou os olhos por um instante, e a voz dele, antes brincalhona, se tornou firme como aço.

    — Não existe tentativa, Juno. Ou você faz, ou não faz.

    Foram palavras duras, mas não crueis. Dante não falava de forma rude, na verdade, ele treinava de forma agressiva. O Capitão Seleri era o oposto, Juno se lembrava. Batia firme, mas na hora de falar, ele cuspia a raiva toda em cima dela, simplesmente porque ela tinha errado cravar uma estaca para montar a barraca.

    Talvez, esse tenha sido seu erro? Ela errou e eles a deixaram?

    — Vamos, garota — a voz rouca de Jix cortou o ar enquanto ele passava ao lado dela, os passos firmes e ritmados. — Precisa aprender muito mais se quiser derrotar as pessoas que te fazem ter pesadelos.

    Juno sentiu o corpo travar. As palavras do velho ecoaram em sua mente como um trovão distante, fazendo o peito apertar. Seus olhos se arregalaram, fixos nas costas encurvadas de Jix, que caminhava à frente, despreocupado como sempre.

    — Ele sabe…? — murmurou quase sem voz, como se admitir fosse dar forma aos seus medos.

    O velho parou e virou o rosto, só o suficiente para que ela visse o esboço de um sorriso debochado. Os olhos de Jix, sempre pequenos e atentos, brilharam sob a luz do andar inteiro.

    — Qualquer um com olhos pode ver, menina — respondeu ele, a voz carregada de uma calma desconcertante. — Você tem assuntos pendentes, e eles te perseguem como cães cheios de fome.

    Juno estremeceu, o coração acelerando no peito. Como ele podia saber? Ela nunca havia falado sobre aquilo com ninguém. Sobre as sombras que vinham à noite, os rostos que apareciam quando fechava os olhos, os gritos que só ela ouvia.

    — Vamos — continuou Jix, já retomando o caminho. — Não temos o dia todo.

    Por um instante, Juno quis fugir. Quis voltar para o canto mais seguro que conhecia e esquecer aquelas palavras. Mas o mundo não tinha mais cantos seguros, e ela sabia disso melhor do que ninguém.

    — Sim… senhor. — A voz dela saiu baixa, quase quebrada, mas carregada de determinação.

    Ela deu um passo adiante, e depois outro, seguindo outro velho que parecia enxergar tudo o que ela escondia. Seus medos, suas fraquezas, suas dívidas.

    Jix nem precisou olhar para trás para saber que ela o seguia.

    — Boa menina — murmurou ele, mais para si mesmo do que para ela.

    O vento soprou, frio e cortante, levando consigo as palavras não ditas entre os dois.

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