Índice de Capítulo

    A dor ainda latejava no peito de Arsena enquanto ela se erguia. O golpe tinha sido preciso, quase humilhante, mas o que mais a irritava era o jeito despreocupado com que Dante se mantinha parado, como se nada tivesse acontecido. Ele nem ao menos olhava para ela.

    Ele está me ignorando.

    A raiva subiu como fogo, aquecendo-a mesmo no frio cortante da tempestade. Arsena apertou o pomo da espada ainda na bainha, sentindo a frieza do metal contra a palma. Seu orgulho estava ferido, e a irritação crescia ao perceber que ele sequer parecia levar aquilo a sério.

    Ela estudou os movimentos dele enquanto respirava fundo, tentando acalmar o coração acelerado. Aquele homem era diferente. Não era apenas habilidade, força ou experiência. Era a maneira como ele segurava a espada, como se não tivesse importância, como se fosse um mero pedaço de metal.

    — Você sequer respeita a arma que empunha — as palavras escaparam antes que ela pudesse se conter. Havia amargura em sua voz, mas também algo mais profundo: uma tentativa de entender. — Para você, isso é um brinquedo, não é?

    Finalmente, Dante ergueu o olhar. O sorriso que ele lhe lançou era cruel, cheio de desdém.

    — Um brinquedo? Não. — Ele girou a espada com uma lentidão irritante, como se quisesse provocar. — Um brinquedo é algo que me diverte. Isso aqui… é só uma ferramenta.

    Ferramenta. A palavra reverberou na mente de Arsena, como um insulto. Uma ferramenta? Ele ousava reduzir a espada, a essência de uma guerreira como ela, a algo tão banal?

    — Ferramenta? — ela cuspiu as palavras, sentindo o sangue ferver. — Então vamos ver o que acontece quando essa sua ferramenta quebrar.

    A mudança de postura foi automática. Ela ajustou o peso nos pés, os joelhos levemente dobrados, e a mão desceu para a segunda espada ainda presa à bainha. Estava pronta para atacar novamente, desta vez sem segurar nada.

    Mas Dante nem piscou. Ele apenas a observava com aquele mesmo sorriso, aquele olhar desdenhoso que a fazia querer arrancá-lo dali à força.

    — Pode tentar — ele disse, a voz baixa e gelada como o vento ao redor. — Mas vou avisar: ferramentas quebradas podem ser substituídas. Você, por outro lado…

    Ele deixou a frase pairar no ar, inacabada, mas Arsena sentiu o peso de suas palavras. Esse era um aviso. Não, era uma ameaça. Ela apertou o cabo da espada, tentando sufocar a raiva que subia novamente.

    Esse homem não luta para vencer, ele luta… por algo além disso.

    Magrot tinha razão. Dante era perigoso — talvez mais do que Arsena ousara imaginar. E isso a enchia de uma excitação sombria. Não era apenas uma luta; era uma chance de provar que até mesmo ele, com toda sua habilidade, cairia diante de seu estilo.

    Ela avançou com passos largos, a neve espirrando sob seus pés enquanto agarrava a espada caída. O frio era ignorado, substituído pela adrenalina que pulsava em seu peito. Arsena ativou sua habilidade, Refletir, um dom que a fazia inigualável. A técnica permitia que imagens suas se multiplicassem no campo de batalha, confusas e ameaçadoras.

    Seis versões de Arsena emergiram em uníssono, cada uma empunhando uma espada, cada uma movendo-se em ângulos diferentes. Ela sabia o que estava fazendo. Se Dante conhecia os estilos antigos, então ela o faria enfrentar algo além de tradição: o caos encarnado.

    — O que acha disso? — desafiou, sua voz ecoando de todas as direções.

    As espadas avançaram com precisão letal, cada golpe cronometrado para pressioná-lo ao limite. Dante, no entanto, permaneceu imóvel até o último instante, o braço brandindo para frente, bloqueando duas lâminas de uma vez. O som do impacto cortou o ar, mas antes que pudesse sentir vitória, ele girou a espada para a direita, desfazendo duas outras ilusões num movimento perfeito.

    Arsena sorriu. Ele estava jogando no ritmo dela, e era isso que ela queria.

    Abaixou-se, sua verdadeira posição escondida entre as ilusões. As imagens avançaram de frente, cada uma forçando a atenção de Dante para o que parecia ser o golpe principal. Mas ela sabia que sua verdadeira lâmina vinha pela direita, num corte preciso e invisível.

    Dessa vez, ele estava aberto. Sua defesa, finalmente, apresentava uma falha.

    Agora. Agora é minha chance.

    Com o corpo tenso e a espada esticada, Arsena avançou, sua lâmina traçando um arco que separaria o corpo do velho em dois. A certeza da vitória brilhava em seus olhos.

    Sim, estava perfeito.

    — Achei porco.

    A voz de Dante soou indiferente e carregada de desdém. Arsena viu o braço dele estendido, a espada aparentemente presa em um movimento que não permitiria reação. Ela sabia disso. Era um golpe certeiro, uma vitória iminente.

    Mas então, por que algo dentro dela gritava o contrário?

    Seus olhos se encontraram com os dele, e naquele instante, Arsena entendeu. Dante não estava olhando para suas ilusões, não estava perdido na dança de imagens que ela criara. Ele a via, seu verdadeiro corpo, com uma precisão fria.

    Sua lâmina estava a centímetros de acertá-lo, quase encostando. Mas antes que pudesse completar o movimento, Dante se jogou lateralmente, movendo a espada de maneira que ela não esperava. O golpe não veio para bloquear de frente, como deveria. Ele simplesmente mudou o ângulo, redirecionando a força do ataque para longe, como se a previsibilidade dela fosse uma fraqueza óbvia.

    Arsena se viu desequilibrada, sua lâmina cortando o vazio onde deveria haver carne.

    Ela quase não acreditava. Ele não havia apenas se defendido; ele a havia manipulado.

    Num impulso fervoroso, Dante girou a espada para cima com uma precisão assustadora. A lâmina se libertou de sua posse, mas não de seu controle, batendo violentamente contra o braço direito de Arsena. O impacto foi como um trovão atravessando seus nervos, arrancando um grito involuntário de dor de seus lábios.

    Sua própria espada escapou de sua mão, girando inutilmente no ar, e ela só teve tempo de assistir enquanto Dante, como se aquilo fosse natural, estendeu a mão livre e a agarrou.

    Por um instante, Arsena sentiu algo que não era comum em suas batalhas: admiração. Não pela força bruta ou pela violência do gesto, mas pela maestria. Aquele homem, que ela subestimou como um brutamonte rude, demonstrava um refinamento escondido, uma técnica polida que contrastava com seu exterior desgastado e sua postura desleixada.

    Dante ajustou a espada em sua mão com um movimento ágil, quase elegante. Ele separou os pés em uma postura firme e equilibrada, erguendo a lâmina como se fosse uma extensão de si mesmo. Pela primeira vez, Arsena percebeu que ele estava tratando a espada pelo que ela realmente era: uma arma. Não um brinquedo, não uma ferramenta improvisada, mas algo digno de respeito e letalidade.

    O frio da neve ao redor parecia desaparecer, ofuscado pela presença esmagadora de Dante.

    E ele desceu a espada no mesmo instante em que Arsena tocou o concreto frio com as costas. O mundo pareceu se comprimir naquele momento, e a lâmina, brilhando sob a luz tênue da tempestade, tornou-se o único ponto fixo em seu campo de visão.

    Foi ali, entre o som da neve sendo esmagada e o peso do impacto, que ela viu sua família. A lembrança veio como um sopro: o calor de tardes ensolaradas, as brincadeiras com seus irmãos, o tédio doce de esperar seu pai voltar do trabalho. E, quando ele finalmente chegava, aquele sentimento de admiração mudo, de respeito profundo por um homem que nunca a diminuiu, nunca a fez se sentir pequena.

    Então a visão sumiu, substituída pela realidade cruel. A lâmina de Dante parou a um fio de cabelo de sua testa. Literalmente. Ela viu o fio cortado deslizar por sua pele, levado pelo suor que escorria pelo rosto até o queixo, pingando na neve com um silêncio quase ensurdecedor.

    Dante não completou o golpe. Ele havia parado. Por quê? Misericórdia? Desdém? Arsena não sabia.

    — Essa é a diferença entre as nossas habilidades — disse ele, recuando um passo. Com um gesto fluido, limpou a espada da neve acumulada antes de guardá-la. Cada movimento dele parecia carregado de intenção, uma dança precisa que ela jamais conseguiria imitar. — Como o céu e o inferno. Como a montanha e o vale.

    Ela engoliu em seco, ainda incapaz de mover o corpo enquanto o via jogar a espada de volta em seu colo. O metal pesado caiu com um baque, mas ela mal sentiu o impacto.

    — Você viu como eu fiz, Juno? — Dante virou-se, abrindo os braços de maneira quase descontraída para a garota que assistia. — Essa é a sua lição de hoje. Mesmo que seu inimigo seja rápido, você precisa encontrar uma maneira de enxergar o que realmente acontece.

    Ele explicava a luta inteira, detalhando cada movimento como se fosse algo trivial. Como se o embate com Arsena não tivesse significado nada.

    Ela ficou ali, paralisada, encarando o vazio, as palavras dele ecoando em sua mente. Essa é a diferença entre as nossas habilidades.

    Dante era como uma força da natureza, implacável e intransponível. Arsena sentiu o gosto amargo da derrota em sua língua.

    — Magrot nunca teria chance… — murmurou, mais para si mesma do que para qualquer um ali. Ela ainda não sabia se o que sentia era raiva, vergonha ou respeito. Talvez, seus pensamentos nunca fossem se liberar pela boca, fosse um pouco de tudo

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota