Capítulo 94: Siga os Pontos
— E pra onde estamos indo mesmo? — Jix perguntou pendurado em suas costas. Dante usava as rajadas de ar para se movimentar com extrema velocidade pela cidade. E Juno fazia o mesmo com os raios, se atirando por conta própria sem que precisasse de auxílio deles.
A garota tinha melhorado muito nos últimos dois meses. Dante esperava que fosse uma evolução de curto alcance, onde apenas o corpo dela fosse remodelado para receber uma surra, como seu pai tinha feito, mas ela entendeu rápido os movimentos simples, conseguindo desviar de metade deles antes de ser atingida.
Claramente, ainda faltava muito para que pudesse chegar ao nível que Dante esperava, mas Jix também parecia orgulhoso. Enquanto Dante aplicava no corpo, Jix fazia na habilidade. Os raios se tornaram estáveis, seguros, sem um pingo de arrogância constante de que Juno tinha antes.
Os moradores das Ilhas Predias costumavam dizer que um filhote de tigre era perigoso não por suas presas, mas pela promessa do que um dia se tornaria. Juno era isso agora: uma promessa. E Dante e Jix, em contraste, eram os Dragões Adormecidos, temidos mesmo em repouso.
Os últimos dois meses de inverno e os treinamentos que faziam no oitavo andar chamaram atenção, então, haviam espectadores, crianças que queriam aprender, adultos que nunca tiveram incentivos para desenvolver análises centradas do que era suas habilidades.
Jix havia explicado para eles de maneira base, e houve um aumento significativo de moradores que possuíam capacidades diferentes ao ponto de Clara ter que pedir a Blayk que gerenciasse novas ‘profissões’ a eles.
Era um começo importante, bem importante para que a cidade ficasse mais protegida.
— Centro de Pesquisa — respondeu Dante depois de algum tempo refletindo. — Vick mencionou que existe a possibilidade algum tipo de criatura estar lá.
— Mas não estávamos lá da última vez?
— Sim. Ela não avisou antes porque havia um comando para que não comentasse nada sem uma pergunta objetiva. — A frustração de Dante era visível, mesmo que ele tentasse disfarçá-la. — Ainda não entendo por que meu pai deu essa função a ela. Mas parece que há mais coisas que ela consegue fazer. Vick, você disse que tinha mais duas funções. O que seriam?
A resposta veio na voz suave da IA, uma tonalidade quase humana que ainda perturbava Dante.
“Meus dados informam que tenho a capacidade de espelhar minhas coordenadas para as pessoas que possuem ligação com o portador. Dessa maneira, se desejar, terei como mostrar o caminho para Jix e Juno”.
— Isso parece bem interessante — comentou Jix, com um sorriso que mal escondia sua curiosidade. — E o que seria esse caminho?
Dante autorizou a IA a realizar o procedimento. O efeito foi imediato e peculiar. Os olhos de Jix e Juno brilharam em um tom amarelado por um breve instante, antes que suas visões fossem invadidas por marcações que Dante já conhecia bem.
Eles ergueram a cabeça, visivelmente impressionados. Pela cidade em movimento, os pontos brilhavam: locais em azul indicando proximidades seguras, zonas amarelas em um raio mais amplo, e um único ponto vermelho, distante e ameaçador, marcando o destino deles.
O Centro de Pesquisa.
— Nossa — Juno abriu a boca, a mais impressionada. — É assim que você vê o mundo, mestre?
— Não sempre, apenas quando precisava fazer coletas.
Jix deu uma risada seca.
— E pensar que era dessa forma que você coletava. Entendi porque sempre parecia estar no lugar certo.
Dante não tinha problema em contar um dos seus segredos. Se Juno e Jix pudessem ter uma visão mais avantajada da situação, então que seja feito.
Assim que começaram a se aproximar mais da parte em vermelho, eles ouviram um estrondo enorme vindo das laterais dos prédios. Juno continuou acompanhando, mas Dante não diminuiu seu ritmo.
Quando dobraram a curva de uma rodovia elevada, o que viram roubou o fôlego de todos. Ali, segurando-se no segundo andar de um prédio em ruínas, estava a criatura. Era gigantesca, maior que qualquer coisa que Dante já havia enfrentado, com uma forma grotesca que desafiava a razão.
Mesmo curvada, sua altura superava os cinco metros, e o braço, desproporcional e monstruoso, pendia como um tronco mutilado, jogado sem cerimônia na rua abaixo.
Por um instante, o mundo pareceu congelar. Nenhum som além da respiração acelerada de Juno e Jix, nenhuma reação além do choque que se espalhava em seus rostos como uma sombra. Dante sentiu o peso do momento, o frio do perigo que se aproximava, mas seus olhos não se desviaram.
Então, a criatura se moveu. Lentamente, como se soubesse que era observada. A cabeça, descomunal e deformada, virou-se em sua direção.
E havia olhos. Muitos olhos. Pequenos, grandes, disformes, espalhados por onde deveria haver um rosto. Eles piscavam de forma irregular, alguns imóveis, outros girando em busca de algo. Eram os olhos de um pesadelo, de algo que não deveria existir.
— Isso não deveria estar aqui…
E então, a criatura abriu a boca, e quando esperavam um grito, nada apareceu. Dante não entendeu, ela parecia liberar uma quantidade de energia tanto que o vento também balançava pelo movimento, mas nada se liberava.
Foi Vick quem soou para eles:
“Frequência sonora abaixo da capacidade humana. Sem recurso humano disponível. Recomendável fugir. Nível corporal acima de assimilação. Necessito novos estudos”.
Se a própria Vick, com todos os seus cálculos e dados, não estava confiante de que podiam vencer, então Dante sabia que estavam condenados se tentassem.
Sem hesitar, ele segurou Juno pelo braço, puxando-a para si com força suficiente para que ela tivesse um tranco.
Com um movimento rápido, suas pernas expeliram uma rajada de ar que os lançou para fora da rua, longe do alcance imediato da criatura.
Atrás deles, a aberração girou o corpo inteiro com uma lentidão que fazia o tempo parecer se arrastar. Seus olhos, tantos e tão erráticos, focaram em Dante e nos outros como se pudessem vê-los mesmo através do véu do medo. Ainda mantinha a boca aberta, aquela ausência de som tão ensurdecedora quanto um grito, enquanto uma força invisível pressionava contra eles.
Dante aumentou a potência do impulso, sentindo o peso do perigo como uma mão gélida em sua nuca. Ele sabia. Aquilo ali não era o híbrido que Vick mencionara. Não era uma criatura que seguia as regras do mundo como o conheciam.
Aquilo era uma aberração. Algo que não deveria existir. Algo que não deveria estar de pé.
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