Capítulo 95: Ponto Laranja
— Por que não lutamos? — Juno questionou com ferocidade. Dante fez uma pausa em cima de um dos prédios, praticamente duzentos metros da criatura. — Ele está sozinho. Podíamos vencer.
— Não deixe sua confiança se tornar arrogância — respondeu Jix, ainda com um dos braços no ombro de Dante. — Pode ter treinado bastante nesses últimos meses, mas aquilo ali é diferente. Você é nova, então não sabe com o que está lidando.
Juno encarou a criatura parada ainda olhando ao redor, procurando por eles.
— É um Felroz — sua voz bem passional. — Vocês enfrentaram um desse, não foi?
Não houve respostas, quando ela virou Dante estava encarando a criatura distante. Mesmo na tempestade, na neblina densa de neve, ela se mantinha intacta, viva. Nem mesmo o clima tempestuoso poderia lidar com ela.
— Não é um Felroz?
— Não — Dante respondeu, se abaixando. Trouxe Juno para perto de si, a deixando a par. — Está vendo o braço dele? Os Felroz não tem apenas dois. São sempre quatro braços, que mesmo que sejam grandes, não são daquele tamanho. E os olhos, viu quantos olhos a criatura tem?
— Um monte.
— Exato. Felroz não se movem pela visão e sim pelo som. Nesse caso, o que eu posso achar que está acontecendo foi o mesmo no Reservatório. — A lembrança do tanque verde não era das suas melhores. — Lá, encontrei um Felroz que tinha desenvolvido tentáculos, e um outro enorme, de quase três metros. Marcus e eu quase morremos quando fomos sozinhos.
Jix soltou um suspiro aflito, a angústia estampada em seu rosto.
— Invadiram um Lagmorato sozinhos? Vocês ficaram malucos!
Dante deu uma risada curta, seca, sem humor.
— Não foi a ideia mais inteligente, mas conseguimos a bateria.
Seus olhos voltaram ao horizonte, fixando-se no ponto vermelho onde o Centro de Pesquisa deveria estar.
— Se eu estiver certo, lá deve haver outro desses. Essa criatura deve ter escapado de alguma forma. Não estava aqui da última vez que viemos. É grande demais para…
Ele parou de falar, o olhar estreitando enquanto algo capturava sua atenção. Um brilho amarelado, fraco, pulsava na base do pescoço da criatura.
— Ah… então é isso?
Jix também pareceu perceber e abriu a boca, compreendendo.
— Parece que é isso mesmo.
Juno era a única que parecia perdida. Seu olhar oscilava entre Dante e Jix, tentando captar nos rostos deles alguma pista, um fragmento de resposta. Mas desistiu rapidamente, frustrada com o silêncio que a cercava.
— O que foi? Tem alguma coisa?
Dante não respondeu. Não desviou os olhos da criatura à distância, seu rosto era uma máscara de concentração e inquietude.
— Vick — ele finalmente quebrou o silêncio, a voz firme, mas baixa —, quantas Pedras Lunares estavam no Centro de Pesquisa naquele dia?
A resposta de Vick soou imediata, fria e precisa:
“Com base no meu relatório, existiam mais de duas dezenas. O objeto emite uma imensa gama de Energia Cósmica. O correto seria supor que os Felroz que rodeavam a área tiveram acesso à pedra.”
A verdade caiu sobre eles como um peso invisível. A mente de Dante trabalhou rapidamente, conectando os pontos. A mudança que Clara mencionara em Degol fazia mais sentido agora. A Pedra Lunar não era apenas um artefato poderoso; tinha propriedades inatas, quase vivas, capazes de alterar o que tocava. Nos humanos, era algo sutil, uma mudança na personalidade, uma expansão do espírito. Mas nos Felroz…
Os olhos da criatura, tantos e tão estranhos, focaram em Dante de repente, como se tivessem percebido o rumo de seus pensamentos.
Ele sentiu o frio do vento bater contra o rosto, mas o gelo real estava no olhar daquela aberração. Não havia nada de natural ali, nada que pertencesse ao mundo que conheciam.
Antes que Dante pudesse abrir a boca novamente, um som baixo e distante rompeu o silêncio. Não era um grito, nem o ruído da tempestade, mas algo mais humano.
Vick soou mais uma vez, a voz mecânica carregada de urgência:
“Sinais vitais humanos nas proximidades. Seis pessoas a 150 metros a noroeste.”
Dante endireitou-se, os olhos varrendo a paisagem. Lá embaixo, tudo era branco, tudo era neve. A tempestade rugia ao redor, apagando contornos e engolindo detalhes. Ver algo ali era quase impossível. E, mesmo que conseguissem, o simples fato de haver pessoas naquela área não fazia sentido. Ninguém estaria ali por escolha própria.
— Ali — disse Juno, apontando para baixo, o dedo indicando um ângulo estranho, quase impossível. Entre dois prédios semi destruídos, seis figuras lutavam contra a tempestade, tentando erguer uma pedra que bloqueava uma entrada improvisada.
— Achei eles.
— Ótimo — murmurou Dante, mas seu tom estava longe de ser satisfeito.
Seus olhos se voltaram para a criatura, ainda imóvel, mas com os olhos famintos fixados na mesma direção. O monstro não precisava de palavras para expressar suas intenções.
— Parece que o Felroz também encontrou nossos novos amigos.
A criatura abriu a boca novamente, repetindo aquele movimento estranho. Como antes, o som parecia ausente, como se o mundo ao redor fosse um teatro mudo. Dante observou os braços descomunais da besta — largos e brutamontes, sim, mas estranhamente silenciosos enquanto esmagavam os prédios.
Pedras desmoronaram das estruturas, despencando para o solo sem ruído até o último momento, quando finalmente tocaram o chão.
— Merda, ele não faz som nenhum — rosnou Dante, já em movimento. Ele olhou rapidamente para as pessoas presas no beco. — Vick, marque as pessoas. Juno, comigo, agora.
Ele saltou no instante em que a criatura se movia para a rua, cada passo desengonçado destruindo carros e rachando o asfalto. Ainda assim, o silêncio persistia, um vazio opressivo que fazia os sentidos de Dante se agitarem em alerta.
No ar, Juno se preparava. Raios serpentearam ao redor dela, seis camadas de eletricidade vibrante, enquanto uma sétima corrente se enrolava em sua cintura, puxando-a para frente. Ela aterrissou com um deslize controlado, bem no meio da rua, chamando a atenção das pessoas que lutavam para mover a pedra.
— Temos que ir agora — disse, sua voz cortante. — Vamos, moço, saiam daqui!
Os seis hesitaram, olhos arregalados para Juno e suas correntes elétricas. Mas a visão da criatura avançando, com dentes podres e braços imensos que faziam o chão tremer, logo os fez recuar.
Juno engoliu em seco, lançando um olhar rápido para o lado.
— Desculpem por isso — murmurou.
As correntes elétricas avançaram, se enrolando ao redor dos seis. Num movimento fluido, ela os puxou para fora, longe do perigo iminente, enquanto parte do prédio cedia e desmoronava atrás deles. Com um impulso final, Juno lançou as pessoas para um local seguro.
Mas o braço colossal do Felroz vinha em sua direção, rápido demais.
— Sai daí, garota! — gritou um dos homens à distância. — Ele vai te matar!
Um jato de ar rasgou a tempestade. Dante. Ele surgiu como uma flecha, rindo enquanto puxava o punho para trás.
O impacto foi brutal. O soco acertou o olho da criatura com uma força que a fez recuar, tropeçando para trás.
Juno ergueu o queixo, sentindo algo que não era medo. Ela conhecia Dante, seu mestre. Ele não a deixaria em perigo por descuido.
Dante pousou ao seu lado, pousando uma mão leve em sua cabeça.
— Muito bem, garota. Leve as pessoas para cima. Jix tem um plano.
Foi então que Juno percebeu. Jix não estava mais nas costas de Dante. Ela olhou ao redor, confusa, mas antes que pudesse perguntar, Dante ergueu um dedo, apontando para cima.
— Primeiro as pessoas. Depois, o plano.
Os olhos de Juno seguiram o marcador laranja de Vick até o prédio indicado. Lá no topo, Jix esperava, sua bengala em mãos. Mas não era o mesmo homem de sorriso . Seus olhos estavam gelados, determinados.
A batalha seria a primeira de Jix depois de meses de treinamento. O fogo em seus olhos refletia a tempestade ao redor.
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