Capítulo 96: O Buraco é Mais Embaixo (I)
Juno agarrou os seis sobreviventes com suas correntes elétricas e subiu rapidamente. As correntes a puxaram entre os prédios, impulsionando-a até alcançar o topo, onde Jix a aguardava. Ele estava parado, os olhos fixos na criatura que ainda cambaleava após o impacto de Dante. Ao vê-la, Jix acenou com a cabeça, aprovando seu desempenho.
— Foi rápida, mas não deveria esperar por ajuda — disse Jix, sua voz firme, embora sem hostilidade. — Essas pessoas podem esperar, nós não. Entendeu?
— Sim, senhor.
Jix assentiu, mas seus olhos retornaram à rua. Lá embaixo, a tempestade continuava feroz, a neve caindo pesada e o vento rugindo. Felizmente, a posição elevada e o turbilhão natural dificultavam que fossem localizados pela criatura.
— Dante pediu para te avisar sobre sua habilidade — continuou Jix. — Seus raios são brilhantes, atraem atenção. Precisa ter cuidado. Aquela coisa lá embaixo pode não ser ágil, mas é dez vezes mais forte que qualquer Felroz que já vimos. Então — ele a encarou diretamente —, não seja acertada. Entendeu?
— Sim, mestre.
— Dante vai te orientar no que fazer. Eu cuido dessas pessoas.
Juno começou a se afastar, subindo no beiral do prédio, mas Jix a chamou de volta, sua voz carregada de uma urgência incomum.
— Tome cuidado — ele disse, mais suave desta vez. — Estou te esperando.
Ela respondeu com um sorriso enviesado, então saltou do prédio. Dessa vez, dispensou as correntes na cintura, canalizando a energia azulada diretamente nas solas dos pés. A técnica era algo que Dante havia lhe ensinado, mas foi Jix quem a ajudou a dominar.
Em um movimento rápido e fluido, Juno cortou o ar em direção à batalha. Ao chegar, encontrou Dante girando ao redor da criatura. Ele estava em movimento constante, explodindo jatos de ar que empurravam a criatura contra os destroços de prédios caídos.
Ao lado dele, Juno percebeu o sorriso característico de Dante, seu charuto firmemente preso entre os dentes. Era um olhar que sempre carregava entusiasmo, mesmo diante do perigo.
— Vamos começar — disse ele, recuando alguns passos quando o braço colossal da criatura veio em sua direção. O golpe era destrutivo, mas lento. — O que estamos procurando é a Pedra Lunar. Essa coisa horrorosa deve tê-la engolido, e se você prestar atenção, está bem na garganta.
Juno já tinha visto o brilho fraco, mesmo com a tempestade obscurecendo a visão.
— E como vamos pegar isso?
— Vamos precisar de uma espécie de forca — explicou Dante. — Algo que o prenda pela garganta. Se puxarmos com força suficiente, dá pra arrancar a pedra. Depois disso, ele vai cair.
Ele desviou para a direita, levando Juno consigo, enquanto a criatura destruía mais um prédio. Ainda assim, nenhum som emanava dela, como se o próprio ruído fosse absorvido.
— A Pedra Lunar tem efeitos curativos intensos — continuou Dante, o tom sério substituindo qualquer traço de humor. — E parece que os Felroz sabem disso.
— E essa coisa? — Juno perguntou, ainda mantendo o brilho do raio ao redor do corpo. — Alguma habilidade especial por causa da pedra?
— Com certeza — respondeu Dante, os olhos fixos no monstro. — E, honestamente, essa é a pior notícia que poderíamos ter. Se essas pedras fazem isso com eles, então não podemos baixar a guarda. Esse aqui não faz som algum. Não confie na audição. Foque nos outros sentidos.
Juno respirou fundo, ajustando a postura.
— Vamos com tudo?
Dante olhou pra ela e deu uma risada.
— Contra esse tipo de criatura, nós podemos ir. Quer coordenar?
Ela abriu a boca, ficando chocada.
— Eu? Mas… eu nunca fiz isso.
— Ah, verdade. Bom, então fica no meu suporte, pode ser? Precisa sincronizar os movimentos comigo, mas é meio chatinho.
Dante nem continuou a explicação e foi na direção da criatura. O braço dela se esticou, já equilibrado, e ele fez um giro para baixo, descendo para as pernas. Juno o seguiu, saindo do alcance do golpe.
Assim que chegou perto da criatura, parou de ouvir a tempestade. Era um silêncio perturbador. E quando Dante olhou para ela, mais a frente, apontou para o próprio ouvido. Mesmo mexendo a boca, não ouvia nada.
Ele arregalou os olhos e parou. Juno virou-se para trás vendo que das costas da criatura, haviam pontos vermelhos piscando de forma sincronizada. Ela fez uma curva no ar, mas Dante a segurou pelos braços, e a jogou para cima, ainda mais alto.
Antes que pudesse reclamar com ele, dez disparos avermelhados se libertaram. Dante se jogou para trás, os deixando passar. E a explosão só foi ouvida depois de quase dez metros de distância, quando uma das paredes explodiu.
Juno quis descer, mas o Felroz virou seu rosto em sua direção. Os olhos, todos esverdeados, encaravam seu corpo, parecendo analisar, querendo sua vida. Ela sentiu o arrepio na espinha, o mesmo que sentia quando lutava contra Dante.
Medo.
Antes que pudesse subir mais, cerca de cinco braços saíram do topo da cabeça do Felroz, a perseguindo. Ela se lançou no ar novamente, escapando de todos enquanto se afastava. Ao chegar praticamente mais de vinte metros, ainda não conseguia emitir som.
Juno pairava no ar, os raios ao seu redor dançando freneticamente enquanto seu coração batia descompassado. Ela olhou para baixo, vendo Dante desviar habilmente dos disparos e movimentos brutais da criatura. O Felroz parecia ganhar mais braços a cada segundo, como se estivesse adaptando seu corpo à batalha.
A ausência de som era perturbadora. Mesmo quando as explosões rasgavam o ar, ela não ouvia nada até que estivesse a uma distância considerável. O silêncio parecia ser parte da própria habilidade da criatura, uma distorção do ambiente que desorientava seus inimigos.
Juno engoliu em seco, sentindo o suor frio na nuca. Os olhos esverdeados da criatura a perseguiam, brilhando com uma intensidade quase hipnótica. Eles não piscavam, apenas a analisavam, como se calculassem o próximo movimento.
Antes que pudesse reagir, Dante gritou algo, mas as palavras se perderam no vazio. Ele apontou freneticamente para o topo do Felroz, indicando algo que ela não conseguia ver dali.
Concentre-se, ela pensou, reprimindo o medo.
Juno ergueu a mão, liberando correntes elétricas em forma de espirais, que iluminaram o campo branco ao redor. Os raios se conectaram ao solo e a uma das estruturas metálicas próximas, criando uma explosão rudimentar que afastou os braços que a perseguiam.
Ela aproveitou a brecha para recuar, alcançando um ponto mais alto. A criatura, no entanto, parecia não se importar. Seus olhos voltaram para Dante, que agora circulava em torno dela, movendo-se rápido como um borrão.
Quando finalmente se estabilizou, Juno conseguiu ver o que Dante tentava mostrar: o brilho amarelado no pescoço da criatura estava mais forte, pulsando como se fosse um coração. Era a Pedra Lunar, profundamente encravada na carne do Felroz.
Dante ergueu os braços, fazendo um gesto claro. Ele queria que ela fosse o ataque principal.
Juno hesitou. Nunca havia coordenado uma ofensiva tão importante, ainda mais contra algo tão monstruoso. Mas então, as palavras de Jix ecoaram em sua mente: Tome cuidado. Estou te esperando.
Ela respirou fundo, ajustou as correntes ao redor do corpo e fez um sinal de confirmação para Dante.
Era agora.
Desceu em uma rajada, concentrando sua Energia Cósmica, mas quando se aproximou, os braços novamente se estenderam tentando pegá-la. Usou um giro no ar para se esquivar. Mais e mais próxima, viu Dante parar de girar ao redor do Felroz e acertar um soco de baixo pra cima.
O gancho resultou na cabeça da criatura jogada para trás. Juno continuou forçando seu golpe no braço direito. As rajadas elétricas se condensaram mais e mais.
Juno sentiu a energia pulsar ao redor de seu braço, as correntes elétricas se condensando como um vórtice brilhante e vibrante. O som do silêncio imposto pela criatura parecia amplificar a tensão em seu corpo, mas ela manteve o foco. O Felroz, com a cabeça arremessada para trás pelo gancho de Dante, expôs momentaneamente o brilho amarelado da Pedra Lunar em seu pescoço.
Ela sabia que era sua chance.
Os braços da criatura se estenderam novamente em sua direção, mas Juno executou um giro preciso no ar, desviando por pouco. As correntes ao seu redor chiavam, deixando um rastro azul no meio da tempestade branca.
Dante não parou, avançando com velocidade e acertando mais golpes nos flancos da criatura. Cada impacto fazia a carne monstruosa tremer, mas o Felroz parecia mais irritado do que ferido.
Foco na Pedra, Juno tentou ler os lábios de Dante ao cruzar com ele no ar.
Ela assentiu e concentrou toda sua força no braço direito. As rajadas elétricas se tornaram mais densas, um raio sólido quase tangível, como uma lança de energia.
Com um grito mudo, Juno desceu em uma velocidade absurda, o raio ao seu redor cortando o ar como uma lâmina. Quando estava a poucos metros do pescoço da criatura, os braços tentaram interceptá-la novamente, mas ela não recuou.
Agora, pensou.
No último instante, ela girou o corpo em espiral, desviando dos membros grotescos e focando toda sua força em um golpe direto na garganta do Felroz.
O impacto foi devastador. A energia condensada explodiu em um clarão, iluminando toda a rua. A criatura soltou um movimento estranho, como um rugido mudo, enquanto o brilho amarelado da Pedra Lunar piscava freneticamente.
Dante aproveitou a abertura. Com uma explosão de força, ele saltou em direção ao pescoço da criatura, socando com tudo ao lado do golpe de Juno.
O Felroz balançou, seus movimentos descoordenados, enquanto a Pedra Lunar começava a se soltar. A carne ao redor se rasgava, e o brilho intenso parecia consumir a criatura de dentro para fora.
Quase lá, Juno pensou, sentindo o calor da energia cósmica irradiar contra seu rosto.
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