Índice de Capítulo

    — Sabe o que dizem sobre vencedores, Dante? — A voz de Render ecoava na memória, trazendo o calor de uma lição que queimava tanto quanto o impacto de seus punhos contra a árvore grossa. — Que a vitória se torna confiante, e que a confiança é a casa da soberba. Você já ganhou alguma vez?

    Dante, na época apenas um garoto, balançou a cabeça sem tirar os olhos da casca áspera. Suas mãos estavam feridas, mas sua postura permanecia firme.

    — Nunca.

    — E o que dizem da derrota, garoto? — Render caminhou em volta dele, sua presença pesada como a própria gravidade. — O que dizem sobre aqueles que sempre perderam?

    — O gosto amargo da derrota…

    De volta ao presente, no meio de uma cidade devastada, Dante soltou uma risada sombria. A ironia de tudo aquilo o atingia como um golpe invisível. Agora ele segurava os punhos do Felroz Rosa, a criatura deformada e pulsante que parecia se moldar a cada instante. Seus olhos desproporcionais brilhavam, observando, aprendendo, replicando.

    Dante não teve tempo para dúvidas. Desviava e defletia os golpes com uma precisão brutal, cada movimento um jogo de milésimos de segundo. Quando o ataque desceu pela direita, ele segurou o braço da criatura, girando-o com uma força que torceu os ossos expostos. O som do estalo foi abafado pelo impacto de um golpe ascendente, que lançou a criatura para trás.

    Mas ele não parou. Não podia.

    Dante puxou o monstro para perto, desferindo outro golpe seco, estourando um dos olhos deformados. Quando o Felroz tentou se aproximar, como se fosse uma reação desesperada, ele o recebeu com uma cabeçada feroz. Três ataques consecutivos, cada um reverberando como um trovão, rachando o concreto abaixo de seus pés.

    Dentro daquela risada amarga, Dante sabia que estava em desvantagem. Mas, ao sentir a Energia Cósmica pulsando dentro de si, ele recuou ligeiramente, apenas para juntar as palmas das mãos. A compressão de ar ao redor começou a expor os ossos do Felroz, forçando a viscosidade rosa a recuar como uma sombra viva sendo repelida pela luz.

    — Sei que está me ouvindo. — Sua voz era baixa, quase íntima, enquanto avançava lentamente em direção à criatura. — Sei que consegue me entender, mais do que você quer admitir. Você se acha forte, acha que tudo isso aqui — ele gesticulou ao redor, para os prédios em ruínas — é papel para sua força. E, sabe de uma coisa? Você está certo.

    O Felroz ergueu o braço, agora regenerado, bloqueando o avanço de Dante. O olho no crânio pulsava, fixo nele, atento.

    — Eu me sinto da mesma forma, sabia? — Dante sorriu, mas era um sorriso sem alegria, cheio de desafio. — Encontrei um igual a você meses atrás.

    O segundo braço da criatura bloqueou outro golpe. Eles estavam presos, cara a cara, tão próximos que Dante podia sentir o calor viscoso do corpo deformado.

    — Eu fiquei com medo naquele dia. Medo de perder. Porque eu sabia que não podia fazer tudo o que era necessário. — A voz dele era firme, mas carregava uma franqueza inesperada. — Mas você cometeu um erro. Um erro que vai te custar mais do que imagina.

    Ele inclinou o rosto, aproximando-se da criatura até estarem a centímetros de distância.

    — Você encontrou alguém que nunca ganhou.

    Dante saltou, puxando os braços da criatura e lançando-a para trás com uma força devastadora. Enquanto disparava uma rajada de Energia Cósmica contra ela, sentiu a resistência da carne sendo esmagada. A viscosidade rosa explodia em fragmentos grotescos, e ele rugiu enquanto puxava os braços da criatura, arrancando-os de uma vez.

    Por um momento, tudo ficou em silêncio.

    O Felroz caiu no chão, sem os braços, sua forma grotesca parecendo menos ameaçadora. Mas então, Dante sentiu o vulto.

    Instintivamente, levantou o braço direito para defender. O impacto foi tão feroz que o lançou pela rua, criando uma trilha de destruição até despencar na rodovia abaixo.

    Ele caiu de costas, o braço latejando, quase dormente. Respirava com dificuldade, sentindo o gosto metálico de sangue na boca.

    Duplicidade Corpórea.”

    A voz de Vick ecoou, suave, mas carregada de incerteza.

    — O Felroz criou um corpo secundário se baseando em sentidos alternados. Chance de vitória atualmente calculada: 15%.

    Dante ergueu o olhar, o suor escorrendo pelo rosto. Lá estavam eles. Dois Felroz Rosa, idênticos, com os mesmos olhos brilhantes e deformados.

    Ele soltou uma risada seca, empurrando-se de pé com dificuldade.

    — Parece que vou ter que bater em dois deles.

    Ele limpou a sujeira da roupa, o olhar fixo nas criaturas.

    — Vick, ative a marca gravitacional que Jix colocou em mim.

    Se retirar a marca, o impulso gravitacional gerará um campo que forçará a energia. O aumento da Conversão Cinética crescerá de forma acelerada. A marca servia para moldar o uso, sem precisar que…”

    — Eu sei disso. — Dante interrompeu, o tom calmo, mas decidido. — Não estou criticando sua observação. Só quero que esses dois aprendam uma coisa.

    Ele respirou fundo, o sorriso voltando ao rosto.

    — Que às vezes, as menores criaturas são as mais perigosas.

    Vick iniciou a liberação da marca gravitacional deixada por Jix. A habilidade, passiva por natureza, era feita para ser ativada a grandes distâncias, mas Dante nunca a havia usado estando tão longe do velhinho. Agora, com a marca completamente liberada, ele sentiu o peso esmagador cair sobre si, como se o próprio ar ao seu redor tivesse se solidificado. Seus músculos se contraíram, a pele comprimida contra uma força invisível que fazia até seus ossos parecerem mais densos.

    Mesmo assim, ele sorriu.

    Podia caminhar, podia lutar — e faria isso com tudo o que tinha.

    — Ei! — gritou, apontando para cima, a voz carregada de provocação. — Podem me esperar aí!

    Um dos Felroz se remexeu, a inclinação da cabeça indicando que talvez tivesse entendido. Mas quando tentou recuar, algo incomum aconteceu. Ambos os Felroz travaram, como se fossem estátuas vivas. Todos os olhos pulsantes se viraram para frente, congelados.

    Dante sentiu o mundo desacelerar por um instante. Não pelo impacto da habilidade, mas porque admirava o momento.

    Ali, parado entre as duas criaturas, sem aviso, estava ele. O velho tinha surgido do nada, como se tivesse rasgado o próprio tecido do espaço para se materializar. Era como se o tempo tivesse parado, apenas para permitir que Dante absorvesse a cena.

    A silhueta de Dante estava emoldurada pela destruição ao redor, mas ele não hesitou. Seu olhar brilhou com algo feroz, algo primal. Era a sensação de que estava fazendo o que nasceu para fazer, lutando pelo que acreditava, fazendo seus inimigos recuarem para que o mundo pudesse ter paz no meio daquele caos.

    — Recruta Dante! — rugiu, avançando com uma explosão de força.

    As duas palmas de suas mãos agarraram os crânios das criaturas, uma em cada lado. O peso gravitacional emanado pela marca parecia convergir naquele momento, arrastando tudo ao redor para um ponto de ruptura.

    Com um grito gutural, Dante se lançou para frente, usando o chão como um martelo. Os crânios das criaturas foram esmagados contra o concreto e arrastados com uma força tão brutal que o impacto rachou o chão em um raio de vários metros.

    — Da Capital, se apresentando!

    O som do impacto reverberou pela cidade, como um trovão que anunciava o retorno de algo mais do que um homem. Dante continuou empurrando eles contra o concreto, se livrando dos braços que queriam pará-lo.

    No meio daquela risada, lembrou-se da resposta que Render naquele dia disse:

    — O gosto amargo da derrota nunca vai embora.

    E explodiu os dois para frente, sabendo que a luta não tinha nem começado direito. Tudo isso era apenas um pequeno ato, de uma cena, do que os três fariam.

    Contrariando o que qualquer um gostaria de sentir, era a empolgação que pulsava de seu coração e alma.

    O sangue, o sonho e a adrenalina do filho de um homem que deixou de lutar para que ele assumisse o seu legado.

    O Legado da Derrota.

    Mas agora, ao invés de fugir, ele estava se entregando ao destino com uma clareza que não conhecia antes. Ele não era mais um espectador passivo de sua história, mas o protagonista de sua própria ascensão. E, mesmo que o peso da derrota fosse algo com o qual ele teria que conviver para sempre, Dante sabia que a verdadeira vitória não era sobre escapar da derrota. Era sobre fazer dela a base para algo maior, algo mais forte.

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