Capítulo 121 - A escuridão da vila dos três sóis
“A verdadeira escuridão não está ao redor, mas em cada escolha não feita.”
— Sussurros das Sombras XXIII, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
De um momento para outro, o céu escureceu de forma abrupta, pegando Harley de surpresa. Ele olhou ao redor, confuso, enquanto a luz desaparecia de maneira anormalmente rápida. Uma sensação de estranheza tomou conta dele, a impressão de que o próprio tempo estivesse fora de controle.
A transição da claridade para a escuridão era tão súbita que parecia desafiadora até para os sentidos mais aguçados. Harley ergueu os olhos para o céu e, com um calafrio, percebeu que os três sóis, que antes brilhavam intensamente, haviam desaparecido completamente, sem deixar vestígios. O céu mergulhava em uma escuridão inquietante.
O céu mergulhava em uma escuridão inquietante. Parecia que, de repente, o mundo tivesse retornado à sua natureza primordial, sombria e misteriosa. O solo abaixo de seus pés se fundia com o céu acima, ambos envolvidos por uma escuridão densa, criando a ilusão de que não havia mais horizonte.
A sensação de estar flutuando em um espaço indefinido tornou-se opressiva. Harley se viu cercado por uma atmosfera carregada de silêncio, onde cada sombra parecia se mover, viva, pulsando com uma energia própria.
Enquanto a escuridão se aprofundava, pequenos postes de madeira branca, posicionados ao longo da vila, se acenderam com chamas trêmulas, emitindo uma luz pálida que fazia as sombras dançarem pelo chão.
A luz desses postes era insuficiente para afastar o desconforto que Harley sentia, mas proporcionava um alívio momentâneo em meio à crescente escuridão. O contraste entre as pequenas chamas e a imensidão da escuridão ao redor aumentava a sensação de isolamento.
Ele e seus companheiros avançaram pela vila, seus passos ecoando no solo deserto, à medida que o silêncio parecia consumi-los. O caminho os levava em direção ao muro que delimitava os confins do lugar.
O silêncio era quase tangível, uma presença que parecia se estender além do físico, penetrando as mentes de todos os presentes.
De repente, e de forma tão súbita quanto a chegada da escuridão, um dos três sóis reapareceu no céu, lançando suas rajadas de luz sobre a paisagem. Harley piscou rapidamente, sua visão ainda se ajustando à mudança abrupta.
Era um espetáculo confuso, onde luz e escuridão se alternavam de maneira imprevisível, parecendo que o próprio mundo estivesse envolvido em um jogo de forças que ele ainda não compreendia totalmente.
— Isso está além de mim — murmurou Harley para si, seus pensamentos embaraçados pela constante alternância entre claridade e escuridão.
Ali, as regras da natureza pareciam ser outras, algo que o desafiava profundamente.
Quando os primeiros raios de luz atingiram os postes de madeira branca, as chamas que eles produziam desapareceram instantaneamente, engolidas pela claridade.
O ciclo, que parecia caótico para Harley, continuava a se repetir: claro, escuro, claro novamente. Cada transição entre os estados de luz parecia desestabilizar ainda mais suas percepções, fazendo com que a própria noção de tempo fosse distorcida.
Doravan, sempre atento às expressões dos outros, percebeu a perplexidade no rosto de Harley.
Retirou novamente de sua veste um objeto quadrado e luminoso, semelhante ao espelho que o Observador Arcano carregava, e começou a explicar de forma simplificada, embora fosse evidente que os conceitos ultrapassavam a familiaridade do jovem.
— Dia e noite aqui são um pouco diferentes do que você provavelmente conhece — disse Doravan, apontando para o objeto brilhante que ele segurava. Pequenas esferas luminosas começaram a surgir no espaço acima, projetadas pelo espelho, flutuando e girando — Cada uma dessas esferas é um mundo.
À medida que as esferas giravam, ganhavam movimento, mostrando imagens de diferentes planetas, todos envoltos por auras luminosas que mudavam com o passar do tempo, ele completou:
— Nosso mundo, Harley, gira de forma diferente por causa dos três sóis.
Harley balançou a cabeça, tentando absorver as palavras de Doravan, mas a confusão permanecia. Era difícil processar a ideia de um ciclo tão acelerado entre luz e escuridão.
O jovem Ginsu tentava se concentrar nas explicações, mas o conceito de um mundo operando sob três sóis, e com uma rotação que alterava drasticamente o tempo de dia e noite, parecia algo além de sua compreensão no momento.
— Pense assim — continuou Doravan, ao notar a perplexidade de Harley — Em vez de claro, escuro e fim, nós temos claro, escuro, claro, escuro, claro… e fim. O ciclo aqui é mais curto e mais intenso. Com o tempo, você vai se acostumar e entender melhor.
Aurora, sorrindo para aliviar a tensão, aproximou-se de Harley.
— Eu também fiquei fascinada quando vi essa tecnologia pela primeira vez. Especialmente com essa representação visual que o professor criou — disse ela, animada.
Harley, intrigado, olhou para as esferas que flutuavam no ar, seus olhos fixos nos movimentos que pareciam quase mágicos. Dava a impressão de que as imagens tinham vida própria.
— Isso é igual tirar imagens de um espelho e trazê-las para fora? — perguntou Harley, ainda lutando para dar sentido àquilo.
— De certa forma, sim. É como se as imagens ganhassem vida fora do espelho — respondeu Aurora, com um sorriso.
Harley franziu o cenho, confuso com o conceito.
— É magia?
— Não, Harley, respondeu Doravan — Isso é ciência — ele pausou, tentando simplificar para que o jovem pudesse entender melhor — Essas imagens são projeções tridimensionais criadas com luz em um tamanho reduzido. Não é magia, mas ciência. É como se cada ponto no espaço fosse preenchido com informações visuais, criando uma ilusão de profundidade e movimento.
O jovem observava as esferas em movimento, fascinado pela projeção que desafiava a realidade do jeito que ele a conhecia.
Era algo completamente novo para ele, e cada detalhe despertava sua curiosidade.
— E de que maneira isso funciona? — indagou Harley, ainda absorvendo as informações.
— Bem, é um pouco complexo, disse Doravan, enquanto gesticulava com as mãos — Mas basicamente, envolve a manipulação de luz e projeção em três dimensões para criar a sensação de que as imagens estão realmente presentes no espaço, mesmo que sejam apenas ilusões.
Enquanto conversavam, Harley começou a seguir Doravan e Aurora em direção a uma casa decrépita, que parecia ser o destino final. Contudo, quando se aproximaram, uma transformação surpreendente ocorreu diante de seus olhos.
A paisagem ao redor começou a mudar. Blocos de imagens se rearranjando, o cenário de uma simples vila de madeira branca desapareceu gradualmente.
A simples vila de madeira branca desapareceu gradualmente, decomposta em inúmeros quadrados que pareciam ser a base de todas as construções que formavam tudo naquele lugar.
Os blocos foram se rearranjando lentamente, afastando-se e revelando uma passagem oculta que antes estava fora de alcance. A entrada emergia tal um abismo, com uma escadaria monumental que descia para um desconhecido sombrio, de onde emanava uma sensação intensa de mistério.
Harley sentiu seu coração acelerar. Era a sensação de estar testemunhando uma nova realidade desdobrar-se diante dele. A vila rústica havia sido substituída por algo incompreensível, revelando uma entrada escondida. Seus olhos estavam arregalados, incapazes de esconder o fascínio diante da magnitude da transformação.
— Isso também é ciência? — perguntou Harley, finalmente rompendo o silêncio que o havia dominado.
Aurora riu suavemente, encantada com a curiosidade incessante de Harley.
— Sim, respondeu ela com entusiasmo — Isso, os postes, a carroça… tudo é ciência aqui, sem necessidade de magia para funcionar.
À medida que atravessavam a entrada monumental, Harley sentia ainda mais confuso sobre o que acreditava ser magia e o que era ciência. A transformação que testemunhara desafiava tudo o que ele conhecia. Era a impressão de que as barreiras entre a realidade e o imaginário se reconfiguravam sem cessar naquele lugar.
Doravan, agora mais à vontade, guiou-os pelo novo cenário.
— O que você está prestes a descobrir, Harley, é que há muito mais aqui do que parece à primeira vista. Ciência, tecnologia… são apenas o início do que podemos alcançar.
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