Capítulo 112 - Uma força além da forma

“O poder reside não na resistência ao sombrio, mas na adaptação ao vazio que ele guarda.” 

— Sussurros das Sombras XXI, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.

Harley, agora espalhado em incontáveis partículas de energia, era como um eco que se propagava pelo sombrio mundo ao seu redor. O choque tinha aumentado a sua divisão ainda mais. 

Sua consciência espalhava-se pelo território sem contornos, eterno e sem limites, onde a escuridão constituída de energias densas se entrelaçavam em camadas indistintas. 

Ele não mais tentava reunir em si a energia sombria a sua volta por força bruta,pois entendia que o domínio bruto era frágil contra o peso incansável da obscuridade ao redor.

As entidades sombrias observadoras do combate, estavam ainda desdenhosas com as ações do jovem, enquanto Harley se fragmentava mais e mais, até se tornar quase indistinto da própria paisagem sombria que o cercava. 

Cada partícula dele parecia se fundir com o próprio tecido do mundo sombrio, mas havia algo diferente nessa fusão: Harley não estava desaparecendo. Ele estava se infiltrando.

Antes, sua abordagem era sempre um confronto, uma batalha por supremacia, absorvendo a energia sombria para fortalecer a si mesmo. Mas agora, disperso e aparentemente indefeso, Harley se viu adotando uma estratégia completamente nova. 

Em vez de lutar contra a inércia que envolvia aquele lugar, ele decidiu ser parte dela.

Suas partículas, que vagavam pelo campo sombrio, começaram a se enraizar no ambiente, como sementes invisíveis plantadas em um solo que nunca antes fora tocado pela luz. 

Era um processo lento e árduo, mas ele sabia que sua força agora vinha da transformação silenciosa, não do confronto direto. Ele estava espalhando sua essência, infundindo sua consciência em cada minúsculo fragmento da energia ao redor, sutilmente, como uma corrente de ar que se infiltra por fendas imperceptíveis.

Essa nova abordagem confundia as entidades ao seu redor principalmente seu oponente que não tinha mais nada significativo para atacar. Elas, que tinham presenciado batalhas épicas e confrontos violentos por toda a eternidade, nunca tinham visto algo assim. 

A desintegração de Harley parecia uma derrota no início, mas quanto mais tempo passava, mais elas percebiam que estavam presenciando algo diferente. Era um tipo de resistência que não podiam compreender. E isso as deixava inquietas.

Harley, no entanto, não mais se importava com o que aquelas entidades pensavam ou com suas percepções limitadas. Sua consciência, antes perturbada pela presença constante das outras mentes ao seu redor, agora estava livre. 

Ele atravessava uma nova fronteira, uma em que sua ligação com as outras entidades havia sido cortada. O silêncio era profundo, quase absoluto, e, embora inicialmente parecesse um vazio terrível, logo se transformou em algo libertador.

Sem as invasões constantes de sensações e pensamentos alheios, Harley começou a perceber algo que até então lhe escapara: o controle absoluto sobre si mesmo. 

Ele estava sozinho em sua própria mente pela primeira vez desde que adentrou o mundo sombrio, e nesse isolamento, encontrou uma força que nunca havia experimentado.

À medida que se fundia cada vez mais com as energias sombrias ao seu redor, Harley sentiu uma nova conexão se formando, não com as entidades, mas com o próprio mundo sombrio. 

Ele não mais lutava contra a escuridão. Ele era parte dela, e ela, parte dele. Cada partícula de sua consciência que conseguia se infiltrar e dominar a energia ao redor era uma pequena vitória. A escuridão, que outrora parecia uma força intransponível, agora começava a responder ao toque delicado de sua vontade.

Pequenos pontos de luz, quase imperceptíveis, começaram a brilhar na vastidão sombria. No início, eram apenas piscares breves, como estrelas em um céu nublado, mas com o tempo, esses pontos de luz se tornaram mais fortes. 

Eram fragmentos da própria consciência de Harley, manifestando-se de uma maneira que ninguém nunca havia imaginado.

Essas pequenas vitórias lhe davam confiança. Ele estava moldando o mundo sombrio, lentamente, partícula por partícula. E enquanto fazia isso, a escuridão começava a se dobrar sob sua vontade. O que antes era uma força impenetrável agora começava a se curvar, ainda que relutantemente, aos seus comandos.

Harley, agora ciente do poder que estava ganhando, continuou a intensificar seus esforços. Cada partícula de sua consciência, espalhada pela vastidão, concentrava-se em manipular a energia ao seu redor. 

Era um trabalho meticuloso, uma teia de pequenas influências que, juntas, começavam a mudar a paisagem sombria. Ele não era mais apenas uma massa física de energia. Harley havia se transformado em uma entidade de pura força de vontade, e sua presença era sentida em cada canto daquele mundo sombrio.

Com esse poder recém-descoberto, ele começou a moldar a escuridão ao seu redor de maneira mais tangível. Concentrando suas energias dispersas, ele criou dois braços gigantescos de pura sombra, braços que se erguiam como torres negras no meio do deserto escuro. 

Esses braços, formados pela união de incontáveis fragmentos de sua própria essência, descenderam como punhos colossais, movendo-se com um poder devastador em direção à entidade que antes o havia confrontado.

O impacto foi avassalador. O golpe dos braços sombrios de Harley não apenas esmagou a entidade desafiadora, mas aniquilou sua forma completamente, dispersando sua energia sombria por todo o ambiente como cinzas após um incêndio. 

Qualquer traço do ser que ousara confrontar Harley foi completamente obliterado. O campo sombrio, outrora imóvel, agora tremia com a reverberação do impacto.

As outras entidades, conectadas ao mundo sombrio por sua própria natureza, sentiram a obliteração de uma das entidades sombrias, assim como a enorme onda de mudança que emanava de Harley. 

O equilíbrio daquele mundo sombrio estava alterado, e elas sabiam disso. O jovem guerreiro, que antes parecia à beira da derrota, agora havia se tornado uma força que poderia remodelar aquele mundo inteiro.

Mas algo inesperado começou a acontecer. Quanto mais Harley tentava impor sua vontade sobre o ambiente, mais o próprio mundo sombrio parecia resistir. As sombras começaram a reagir de maneira imprevisível, e a escuridão, antes maleável sob seu comando, começou a endurecer lutando contra seu controle.

Era como se o próprio mundo rejeitasse a ideia de ser dominado. Harley sentia isso em cada fibra de sua consciência. A resistência aumentava a cada momento, e, de repente, ele foi violentamente repelido. 

As sombras ao seu redor, que antes ele controlava, agora o empurravam para longe, rejeitando sua influência como um corpo estranho.

Harley, sentindo essa resistência crescente, foi expelido da escuridão que havia tentado moldar. Era como se o próprio tecido do mundo sombrio o estivesse cuspindo para fora, forçando-o a se afastar de sua própria criação. 

Enquanto era empurrado para longe, as luzes que ele havia acendido — os pequenos pontos de sua consciência espalhada — começaram a se apagar, uma a uma.

Cada luz que se apagava era como uma parte de sua mente se desconectando da realidade. A dor da separação era aguda, uma dor que ele sentia em cada fragmento de sua mente. 

Mas o que era mais aterrorizante do que a dor física era o sentimento de impotência. Ele, que havia começado a moldar o mundo ao seu redor, agora estava sendo expulso, e sua conexão com aquele lugar estava sendo cortada.

As luzes continuaram a se apagar, até que restou apenas uma, fraca, lutando para não ser consumida pela escuridão total. Harley, agora isolado de todo o poder que tinha reunido anteriormente, continuou lutando. Mas a escuridão finalmente chegou, afastando-o definitivamente do Mundo Sombrio. Ele tinha sido expelido para outro mundo ou dimensão.