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    “Um coração que cai no vazio sente o peso do próprio passado. Enfrentar o abismo é rever cada sombra que um dia assombrou a alma.” 

    — O Código do Guerreiro Solitário, Verso 39.


    Antes que Aurora pudesse tocar o experimento, uma enxurrada de pequenas esferas arroxeadas os cercou, evocando a imagem de um enxame de insetos atraídos pela presença dos três.

    Harley, Doravan e Aurora foram imediatamente envolvidos por essas pequenas bolas, que se moviam com uma velocidade assustadora, criando ao redor de cada um deles uma barreira de energia flutuante. 

    Em segundos, estavam completamente encapsulados em um escudo móvel, com as esferas zumbindo e vibrando ao redor de seus corpos, mudando a percepção de tudo ao redor.

    Harley mal teve tempo de reagir antes que seus sentidos fossem brutalmente distorcidos. O cheiro, o toque e até o som ao seu redor mudaram. A realidade à sua volta estava sendo reescrita, dando a impressão de que aquela barreira em que tinha sido aprisionado fosse capaz de manipular sua percepção do mundo. 

    O que antes era uma sala sólida, agora se transformava em uma queda vertiginosa. Harley sentiu tal qual fosse jogado em um abismo sem fim, seu corpo sendo arrastado para o vazio com uma força esmagadora.

    A sensação de queda era avassaladora. Ele foi imediatamente transportado de volta às memórias de sua vida antes de ser jogado nesse universo incomum. A queda lembrava o momento em que ele havia adquirido a adaga negra, um momento de transformação em sua vida. 

    As mesmas sensações de impotência, desespero e incerteza retornavam, enquanto seu corpo cortava o ar em alta velocidade, parecendo que estivesse caindo de uma altura inimaginável.

    Enquanto caía, Harley recordou os ensinamentos de seu clã:

    “Sem enfrentar o medo, sem sacrifícios, nada de valor pode ser conquistado.” 

    Essas palavras ecoaram em sua mente, parecendo uma âncora, impedindo que ele sucumbisse ao pavor. Ele se agarrou àquelas palavras, evocando a sensação de um último recurso, uma maneira de encontrar força no caos. Era o medo de novo, tentando dominá-lo.

    Então, uma decisão surgiu. Harley resolveu enfrentar sua queda, tal qual havia enfrentado tudo até aquele momento. Ele focou sua energia sombria. Uma força que ainda estava aprendendo a dominar, dando a impressão de ser um rio de poder denso.

    Seu braço esquerdo, que antes havia sido decepado e substituído por um membro artificial de energia sombria, era agora sua arma. Ele nunca tinha explorado totalmente as capacidades daquele novo braço, mas sabia que precisava aprender, e rápido.

    Com a mente focada e o corpo em queda livre, Harley começou a moldar a energia sombria em torno de seu braço, transformando-o. A energia pulsava e mudava de forma, expandindo-se como um prolongamento de sua própria vontade. 

    O braço artificial não oferecia as múltiplas articulações de um braço natural. Quando moldado sob a forma de lâmina, garra ou outras formas destrutivas, ele se tornava rígido, inflexível, e sua eficácia residia apenas no ponto final de cada golpe.

    Era uma substituição, uma troca de seu braço artificial por uma nova forma. 

    Assim, o jovem Ginsu ao fazer uma transformação de forma do seu braço por uma forma mais fixa, não podia alterar sua trajetória uma vez iniciada, tornando cada movimento uma ação decisiva, diferente de um braço com suas articulações e mão, capaz de pequenos ajustes para corrigir o curso. 

    Esse poder, portanto, carregava o risco de não se adaptar rapidamente, da mesma forma que um braço humano faria, limitando as possibilidades de movimento. 

    Harley aceitou essa limitação. Sabia que, assim como antes, quando perdera a adaga branca ao criar novas armas de energia mágica, o preço de usar a energia sombria era aceitável. Bastava adaptar-se mais uma vez, buscando tirar o máximo proveito das características desse poder e protegendo-se de suas restrições. 

    Enquanto continuava a cair, Harley reforçou a energia ao seu redor, transferindo do seu braço artificial moldando-a ao seu redor em um campo de força sombrio, tentando desesperadamente quebrar o domínio das esferas. 

    O escudo de energia negra ao seu redor começou a crescer sua circunferência, expandindo-se até envolver completamente seu corpo. 

    O jovem agora sentia a resistência das esferas ao redor, mas empurrava sua energia ao máximo, esticando suas reservas de poder sombrio.

    As esferas arroxeadas se chocaram contra o campo de força, criando interferências e zumbidos. A junção das pequenas bolas que formam a barreira se romperam. A realidade distorcida do abismo começou a se desintegrar, e as ilusões se dissiparam. 

    Harley sentiu o choque de destruir o campo das esferas, cada uma explodindo com um estalo alto, até que, finalmente, a queda desapareceu. Ele estava novamente em pé, firme no chão de onde havia sido arrancado. 

    Harley ofegava, seus músculos tensos e sua mente em alerta. Ao seu redor, tudo parecia calmo, mas algo ainda estava errado. Ele olhou para seus companheiros e viu, com uma crescente sensação de angústia, que Doravan e Aurora ainda estavam presos nas ilusões. 

    As esferas arroxeadas os envolviam completamente, criando ao redor deles realidades distintas, de maneira que lembravam uma miragem refletida no ambiente.

    Ele observou mais de perto. Dentro das esferas, havia um líquido roxo borbulhante, que parecia alimentar as ilusões. Harley rapidamente concluiu que aquele líquido era a fonte de poder das esferas, e que talvez estivesse enfraquecendo, mas não rápido o suficiente para libertar seus amigos.

    Doravan estava preso em um ciclo de fracassos, cercado por explosões e experimentos que davam errado. Objetos quebravam, falhavam e se estilhaçavam ao seu redor, cada erro trazendo mais frustração. 

    Aurora, por outro lado, estava visivelmente vulnerável. Sua realidade era um cenário de exposição emocional. Um vento poderoso e constante a cercava, rasgando suas roupas e expondo-a de forma humilhante. A vulnerabilidade extrema a deixava paralisada, impotente, incapaz de lutar contra a força invisível que a cercava.

    Harley refletiu sobre o que estava acontecendo. Ele entendeu que as esferas estavam manipulando o maior medo de cada um deles. Essas esferas possivelmente deveriam escanear a mente e exploravam o medo mais profundo, transformando-o em uma realidade inescapável. 

    Ele reconheceu que, de alguma forma, havia conseguido quebrar sua própria ilusão porque enfrentou aquele medo diretamente. A queda sem fim, o medo de ser impotente, mas no fim ele encontrou força nunca desistindo. 

    Agora, era sua vez de ajudar seus companheiros.

    Não descobrindo o jeito de desligar ou parar o experimento, ele concentrou sua energia sombria avançando contra as esferas que prendiam Doravan e Aurora. 

    Cada golpe de sua energia sombria se chocava contra as barreiras de ilusão, e ele pôde sentir a resistência, criando a sensação de que as próprias esferas estavam lutando para manter o controle sobre suas vítimas 

    Uma por uma, as esferas foram destruídas, com explosões que ecoaram pelo ambiente. A ilusão desmoronou, e seus companheiros foram libertados, caindo no chão, exaustos e confusos, mas finalmente livres de suas prisões mentais.

    Doravan se levantou lentamente, ainda atordoado pela experiência. Seus olhos encontraram os de Aurora, que se recuperava do choque. Ele balançou a cabeça, frustrado.

    — De novo, Aurora! — disse ele, sua voz cheia de cansaço — Você vai consertar toda essa bagunça. Como punição, você vai cuidar das entregas hoje na cidade. E você também, Harley. Vai junto.

    Harley respirou fundo, sentindo o peso da responsabilidade se assentar sobre seus ombros. Mas estava empolgado para ver mais desse novo mundo. 

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