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    — Precisamos de velocidade máxima — disse Doravan, os traços rígidos de seu rosto deixando clara a urgência da situação. 

    Ele manipulava os controles holográficos, ajustando o curso enquanto seus olhos permaneciam fixos no monitor à frente.

    — Estamos ficando sem tempo — disse o velho — Se ela cruzar o portal do Local Proibido, capturá-la será muito mais arriscado.

    Harley até o momento reconhecia Doravan por sua firmeza, mas ali, no peso do silêncio e na hesitação sutil de sua voz, percebeu algo novo: dúvida. Se ele, com todo o seu conhecimento, demonstrava incerteza, então o desafio à frente ultrapassava qualquer previsão que ela pudesse ter feito.

    — Então, me diz… o que faz esse tal: ‘Local Proibido’ ser tão terrível? — perguntou o jovem Ginsu, o olhar fixo na tela — É o suficiente para você falar dele a ponto de tratá-lo como um lugar onde ninguém deve se aventurar.

    Doravan olhou de relance para Harley e respondeu: 

    — Porque é isso. O Local Proibido não é… É uma ferida na realidade, onde as energias dimensionais colidem de formas que nem os maiores estudiosos conseguiram explicar — ele fez uma pausa, ajustando uma configuração antes de continuar — É instável, imprevisível. As distorções lá dentro tornam até mesmo o tempo… fluido.

    — Tempo fluido? — Harley franziu o cenho, cruzando os braços. 

    — De que forma posso te explicar!? — ponderou o velho, soltando uma risada seca, desprovida de qualquer humor — Em certas áreas, você pode sair décadas mais velho; em outras, simplesmente desaparecer, engolido por dimensões que não deveriam nem existir no nosso tempo.

    Harley respirou fundo, tentando processar as informações. Ele encarou o monitor holográfico à sua frente, onde uma representação do Local Proibido pulsava com energia caótica. Linhas brilhantes de azul e vermelho entrelaçavam-se tal qual veias de um organismo vivo, um lembrete constante do perigo à frente.

    — Vamos entrar lá ou existe um plano que não envolve atravessar um lugar onde as regras da realidade não funcionam? — disparou Harley, os olhos fixos em Doravan, tentando decifrar o que ele não estava dizendo sobre os riscos dessa missão.

    — Se ela entrar na convergência e atravessar para o Local Proibido antes que nossos aliados consigam detê-la… não teremos escolha.

    Uma luz súbita preencheu o transporte. A transmissão holográfica se ativou, mostrando a figura de Milenium. O capacete ocultava seu rosto, mas sua voz era inconfundível, ecoando com autoridade.

    — Doravan, a Guardiã Sombria cruzou o portal. Os representantes e guerreiros estão posicionados. Aguardamos sua chegada para avançar — o tom era direto, sem margem para hesitações. 

    Sem esperar resposta, Milenium encerrou a transmissão com um gesto firme. A luz holográfica se apagou, devolvendo ao transporte o silêncio pesado e a urgência do próximo movimento.

    A expressão séria de Doravan refletia o peso do momento, mas a mente de Harley insistia em vagar, retornando à figura de Milenium. Desde o instante em que a vira pela primeira vez, sua presença o marcara de uma forma que nenhuma outra pessoa conseguira em um primeiro vislumbre. 

    Ela era imponente, cercada por uma comitiva que parecia orbitar ao seu redor, igual a planetas ao redor de um sol. Mesmo agora, com o rosto oculto pelo capacete, Harley não conseguia afastar a imagem dela de sua mente.

    Era algo mais profundo do que simples admiração. Era a semelhança. Desde a primeira vez que a viu, não havia forma de negar: ela lembrava sua mãe, a figura que, em sua memória infantil, sempre fora o molde do que significava ser única. 

    Os mesmos cabelos negros, tão marcantes quanto sombras elegantes, e a postura imponente, que parecia comandar respeito sem exigir nada. E os olhos… aqueles olhos amarelos, eternizados na pintura que seu pai mandara fazer em memória da mãe perdida. 

    Durante seus primeiros seis anos, confinados entre treinamento e a solidão de sua gaiola, aquela era a única imagem feminina que existia em seu mundo, uma lembrança silenciosa de uma mulher que parecia tanto real quanto inalcançável.

    Milhares de rostos haviam passado pela vida de Harley, mas nenhum se encaixava no arquétipo que ele carregava na mente, aquela ideia primordial de mulher que parecia existir antes de qualquer outra. 

    E ali estava Milenium, tão diferente de todas as outras e ao mesmo tempo tão próxima da imagem que ele sempre guardara. Não era uma ilusão ou uma fantasia. Era uma constatação que, para ele, era quase reconfortante. 

    Em meio ao caos de mundos que se despedaçavam, havia algo em Milenium que conectava o presente ao passado, e o caos ao ideal, trazendo convergência aos opostos em um único ponto de equilíbrio.

    Doravan lançou um dispositivo para Harley, que o pegou no ar com hesitação, sentindo o peso incomum do bracelete grosso em suas mãos. Três botões brilhavam na superfície, pulsando em tons diferentes de luz.

    — Você vai precisar disso também — disse o velho professor, sua voz carregada de certeza — É um protótipo, desenvolvido para situações dessa natureza. E pode ser mais um fator de grande ajuda nesta missão. 

    O bracelete com seus três botões brilhantes deslizou sobre o seu pulso com facilidade, mas assim que o material tocou sua pele, ela se fechou de forma quase orgânica, indicando que o artefato reconhecia seu novo dono.

     Não havia alças ou trincos visíveis, apenas uma união impecável que parecia impossível de romper. Harley abriu a boca para perguntar, mas a voz de Doravan foi mais rápida, cortando seus pensamentos.

    — É mais uma arma para você — explicou o professor — Cada botão pode ser associado a uma tipo diferente de arma, mas nada disso vem de graça. Cada ativação drena sua energia sombria.

    — Até onde isso vai me drenar? — perguntou Harley, a voz baixa, dando a impressão de que já sabia a resposta.

    Doravan soltou um suspiro, cruzando os braços.

    — Depende da arma que escolher — explicou, apontando os botões — Eu não sei exatamente. Pode ser quase nada, mas também pode ser o suficiente para te enfraquecer seriamente.

    Harley estreitou os olhos, ponderando a situação:

    — Então, basicamente, vou descobrir do jeito mais difícil?

    — No perigo, a única forma de saber é arriscando — respondeu o velho professor, com a voz firme.

    — Escolha suas armas com cuidado — continuou Doravan, enquanto ativava a projeção holográfica no painel — Você terá apenas três escolhas. Quando essas armas forem usadas, o bracelete tecnológico em seu pulso ficará inutilizada — ele hesitou, lançando um olhar sério para o jovem Ginsu — Se tentar pressionar qualquer botão uma quarta vez… ela explodirá.

    As opções se alinharam diante de Harley, com a mesma clareza de um cardápio, exibindo as especificações técnicas de cada conjunto.

    Harley mergulhou na observação das projeções, seus olhos fixando-se em cada linha e detalhe das divisões que separavam os conjuntos de armas. Cada categoria parecia brilhar em um tom distinto, destacando-se diante de seu olhar atento. 

    Ele mentalmente repetiu os nomes dos conjuntos: ‘armamentos estratégicos’, ‘armamentos de múltiplos impactos’ e ‘armamentos ofensivos pesados’, todos ainda além de seu alcance, conforme a projeção indicava. 

    Sem hesitar, avançou para os próximos. O conjunto de ‘armamentos holográficos’ apareceu, ainda não implementado, e o jovem Ginsu absorveu a informação com precisão. 

    Finalmente, o momento da escolha: três armas, e entre as opções estavam ‘armamento tático’, ‘armamento de perseguição’, ‘armamento especializado’, ‘armamento para infiltração’, ‘armamento defensivo’ e ‘armamento anti-magia’. A decisão era difícil, mas necessária.

    Cada arma parecia uma solução perfeita, mas ele sabia que só poderia escolher apenas três. 

    Fechou os olhos por um momento, respirando fundo, antes de focar na barreira de contenção. Era prática, confiável, e ele precisava reforçar a sua defesa. 

    O multiplicador holográfico veio a seguir, sua mente já visualizando cenários em que um inimigo enganado poderia dar a vantagem que ele precisava. 

    Finalmente, optou pelo drone de rastreamento, ciente de que a informação era uma arma tão poderosa quanto qualquer outra, especialmente em um território onde o desconhecido era o maior inimigo. Três confirmações soaram. A projeção apagou. Estava feito.

    — Ótima escolha — comentou Doravan, confirmando as seleções no painel — Mas lembre-se, se o bracelete em seu pulso começar a vibrar ou mudar de cor, livre-se dela imediatamente.

    A tensão no ar se intensificava enquanto o veículo desacelerava. O vale distorcido do Local Proibido começava a se revelar diante deles. As paisagens ali não eram fixas. Elas se dobravam e se torciam, a ponto de fazer parecer que a própria realidade estivesse tentando resistir à sua presença.

    Ainda dentro do invólucro de transporte, os dois analisaram o cenário à frente. A ausência de movimento foi a primeira coisa que notaram. Não havia rastreadores correndo nem a urgência esperada. 

    Em vez disso, depararam-se com um grupo estático, imóvel, provocando a sensação de que algo invisível tivesse interrompido o curso natural do momento.

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