Capítulo 155 - O horror da fusão biomecânica
O choque da transformação das criaturas sintéticas ainda estava presente na mente de Harley, a jovem e Marcus quando algo ainda mais perturbador começou a acontecer.
De súbito, uma série de compartimentos ocultos surgiram nos corpos dos quatro animais artificiais, suas peles reluzindo em azul, cinza, verde e amarelo, enquanto algo ainda mais tenebroso se revelava.
Harley observou com espanto quando um enxame flutuante de pequenas organismos tecnológicos voadores, semelhantes a miniaturas da própria aranha gigante, começaram a emergir.
Esses parasitas mecânicos, menores que a palma de uma mão, possuíam mandíbulas afiadas e minúsculas patas metálicas. Em um movimento assustadoramente preciso, eles se lançaram ao ar, movendo-se tal qual um enxame em direção aos corpos dos inimigos caídos.
— O que é isso agora? — murmurou Marcus, com os olhos arregalados, enquanto observava o que parecia ser o início de algo muito pior. O pavor em sua voz era claro, ele já esperava o pior.
Harley não respondeu. Ele estava paralisado, observando com um misto de fascínio e horror enquanto os pequenos seres se cravavam nos corpos inertes dos guerreiros, magos e exploradores derrotados.
Os parasitas mecânicos começavam um processo grotesco de invasão, tomando os cadáveres a fim de transformá-los em matéria-prima para algo ainda mais perturbador.
O som de metal rasgando carne reverberava pelo ar, um ruído visceral. As patas afiadas e as mandíbulas mecânicas penetravam profundamente nos corpos sem vida, transformados em hospedeiros para parasitas implacáveis.
Esses parasitas trabalhavam em sincronia frenética, substituindo membros perdidos por componentes sintéticos, enquanto costuravam músculos e ossos com precisão macabra, unindo carne e metal em uma simbiose cruel.
Em segundos, os cadáveres deixavam de ser apenas corpos inertes, renascendo na forma de abominações híbridas: uma fusão aterrorizante entre tecido humano e tecnologia fria.
Aurora observava em silêncio, mas seus olhos não mentiam: a repulsa e o medo estavam claros. Ela sempre soubera que havia algo oculto nas criações de Doravan, mas nunca imaginara que ele fosse capaz de levar suas perversões a esse ponto.
Enquanto isso, Harley, horrorizado, observava o impossível diante de seus olhos. O que antes eram seus inimigos começava a se erguer novamente. Mas não sendo semelhantes a humanos.
Os corpos mortos dos guerreiros, magos e exploradores estavam nesse momento fundidos aos parasitas, uma nova forma de autômatos, forjados pela crueldade da tecnologia de Doravan.
Os cadáveres começaram a se mover de forma desajeitada, demonstrando a tentativa de adaptação à nova forma.
Músculos recombinados com peças metálicas faziam suas pernas e braços se moverem com uma fluidez grotesca, enquanto os olhos mortos brilhavam com um brilho antinatural, indicando que não restava mais humanidade neles.
— Isso é… monstruoso… — disse Aurora, sua voz tomada pelo choque e pela repulsa.
Paralisados, todos aguardavam ansiosos, temendo ser forçados a enfrentar aquelas abominações, sem sequer saberem se seria possível lutar contra algo tão monstruoso. Harley, imerso em uma análise rápida, pensava:
“Como lutar contra o que já estava morto?”
O jovem Ginsu sabia que aqueles seres não eram mais humanos; tornaram-se instrumentos, máquinas vivas, governadas por uma tecnologia que ele ainda não conseguia compreender por completo.
Até então, Doravan atacara implacavelmente apenas os inimigos de ambos, mas o silêncio e a postura passiva em relação aos três, nesse ponto, faziam Harley duvidar:
“O que ele está fazendo? Posso confiar nele?”
— Quantos mais ele já fez isso? — murmurou Marcus, seus olhos fixos nas marionetes biomecânicas — Quanto poder Doravan realmente tem? Quantas dessas abominações ele já teria espalhado pelo mundo?
Os novos autômatos se organizaram rapidamente, formando fileiras de combate. Suas movimentações, que haviam sido inicialmente desajeitadas, neste estágio estavam mais coordenadas.
As lâminas afiadas de seus membros brilhavam sob a luz pálida que ainda restava do campo de batalha.
Eles ficaram sem se mover por um momento, sugerindo que esperavam um comando invisível. Harley olhou para Aurora, que observava tudo com a mesma expressão de horror. Marcus também não conseguia esconder seu choque, mas ele sabia que qualquer hesitação naquele exato momento poderia ser fatal.
— Esses monstros… Eles estão esperando ordens! — disse o jovem Ginsu, a frase vazia de significado, já que todos haviam percebido isso há tempos.
A aranha gigante, agora retomando sua forma original, se posicionou à frente dos novos mortos sintéticos, assumindo uma postura de liderança. Com um gesto deliberado, ela confirmava seu controle absoluto sobre as abominações híbridas, seus olhos fixos nos monstros, transmitindo, sem som, uma ordem silenciosa.
As abominações híbridas, então, começaram a se mover com precisão, dando a impressão de que uma conexão invisível as ligava a ela.
Harley sentiu o peso da situação se agravar. Cada movimento ao seu redor parecia um alerta de perigo. O campo de batalha, que antes parecia ser o centro de um confronto, transformava-se de súbito em um cenário macabro.
Os cadáveres autômatos reanimados se erguiam, alinhando-se com uma precisão inquietante em volta da enorme aranha artificial. Seus corpos mutilados e reconfigurados tomavam forma, e uma nova onda de violência parecia iminente.
Parado também observando as abominações artificiais, Doravan parecia tão familiar quanto distante. Dando a impressão de que, naquele instante, ele se desfez das suas habituais camadas de representante, autoridade, professor ou criador que o jovem Ginsu acreditava conhecer, deixando apenas um vazio desconcertante.
Um olhar longo pairou entre Harley e Doravan, criando uma barreira invisível, impossível de ignorar.
O peso daquele momento silencioso por parte do professor transformava o ar ao redor do jovem Ginsu em algo sufocante. Ele tentava ordenar os próprios pensamentos, lutando para aceitar a ideia de que suas piores suspeitas poderiam ser verdade.
Sem fazer qualquer movimento, Doravan permanecia parado, seus olhos vagos fixos na cena à sua frente. Não havia jeito de saber se ele estava perdido em pensamento ou apenas ignorando tudo, à semelhança de alguém que se recusava a agir ou sentir.
Os cadáveres autômatos, reorganizando-se agora com uma precisão sinistra, levavam Harley a questionar, cada vez com mais intensidade, se o velho professor continuaria sendo um salvador ou se, a qualquer instante, se tornaria o criador de novos pesadelos para todos.
Harley começava a perceber que aquele caos era apenas o início. À medida que as máquinas assumiam um controle cada vez maior, exibindo sinais de uma inquietante autonomia, ele sentia suas últimas certezas desvanecerem lentamente, como se escorressem por entre seus dedos.
De repente, um estalo metálico ecoou no ar. Harley virou-se novamente para o velho professor, que ainda permanecia em silêncio. O jovem olhou diretamente nos olhos do homem, tentando buscar respostas, mas o olhar de Doravan continuava impenetrável.
“O que ele está esperando? Por que não diz nada? Por que Aurora, sua aprendiz, parece tão temerosa?” — imaginou Harley, sua desconfiança crescendo a cada segundo.
A tensão entre todos se intensificava a cada momento, e o jovem sabia que algo muito maior estava prestes a acontecer.
Sob a vigilância da aranha, as criaturas híbridas mantiveram-se paradas, seus corpos rígidos e olhos fixos, indicando que algo invisível as estivesse segurando, até que o comando finalmente as libertasse para atacar.
O campo de batalha não era mais reconhecível. O que antes era um terreno de guerra naquele instante se tornara um pesadelo grotesco, onde a morte não era mais o fim, mas uma transformação distorcida para o que parecia ser uma nova batalha.
Contudo, no fundo, Harley não podia se dar por vencido. Ele ainda mantinha uma tênue esperança de que Doravan estivesse de alguma forma ao seu lado.
O jovem Ginsu sentiu uma verdade amarga se firmar dentro de si:
“Não há mais retorno. Após tudo o que enfrentamos, o mundo de antes não existe mais. As cicatrizes do que vivemos são irreparáveis, e o que resta agora não tem mais nada a ver com o que foi.”
Harley segurou sua adaga, agora modificada pela Energia Sombria, com toda a força que lhe restava. A arma pulsava em sua mão, mas ele ainda não sabia ao certo se seria capaz de enfrentar o que estava por vir.
As abominações híbridas, costuradas com sangue e metal, seus membros amputados que haviam sido substituídos por partes sintéticas, aguardavam silenciosas. Cada uma delas, uma fusão calculada de carne e tecnologia, era um testemunho da crueldade de sua criação.
O campo de batalha, suspenso em uma quietude momentânea, apenas reforçava o mistério que envolvia o verdadeiro objetivo de Doravan.
Ao encarar os oito cadáveres autômatos, Harley sentiu uma onda de horror percorrer seu corpo. Ele havia presenciado a transformação brutal que arrancara qualquer vestígio de humanidade daqueles cadáveres.
A partir de então, não passavam de ferramentas, máquinas controladas por algo muito mais ameaçador. Um nó apertava sua garganta ao perceber que, antes, aqueles seres eram inimigos humanos, mas se tornaram apenas fantoches vazios sob o controle do velho professor.
O silêncio parecia se estender indefinidamente, e Harley respirava fundo, tentando controlar sua tensão crescente. Durante todo esse tempo, Doravan não havia dito nada, mas seu silêncio sugeria que algo terrível estava prestes a acontecer.
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