Índice de Capítulo

    “A mente busca respostas, mas há lugares onde o conhecimento é uma maldição e a sabedoria, um fardo. Apenas os tolos buscam iluminar tudo o que está oculto.”

    — Misteriosos inscritos no templo da Adaga Arcana. Sem autor identificável.


    A vertigem ainda dominava Harley. O vento açoitando sua face, a pressão constante no peito, como se estivesse em queda livre por um abismo interminável. Mas algo estava diferente. 

    Ele havia atravessado outros portais antes, sentindo o deslocamento instantâneo e a mudança imediata de cenário. Contudo, desta vez, a sensação era prolongada, perturbadora, e uma inquietação crescia em seu interior. 

    Havia uma ausência palpável de tudo ao seu redor, um vazio absoluto. Nem mesmo os gritos ou a presença de Milenium, dos soldados ou do Cônsul acompanhavam sua queda. Ele estava sozinho.

    O tempo parecia esticar-se infinitamente, deixando-o preso em uma passagem que parecia não ter fim. Ele sabia, instintivamente, que não corria perigo físico. A queda não o destruiria. 

    Mas isso não impedia o desconforto de pesar em sua mente, sugando cada partícula de sua esperança, assim com os seus pensamentos que começavam a girar: 

    “Por que esta passagem era tão longa? Estariam seus aliados enfrentando algo semelhante, ou… estariam mortos?”

    Enquanto tentava organizar sua mente, algo incomum surgiu à sua visão. Primeiro, uma mancha indistinta, um borrão de luz que dançava na escuridão. Conforme caía, a imagem começou a se aproximar, ganhando contornos mais nítidos. 

    Parecia um vislumbre, um fragmento de algo que o puxava. Ele tentou desviar o olhar, mas a imagem continuou avançando, até que, num instante, atingiu-o como uma onda avassaladora, submergindo-o.

    A experiência invadiu a consciência de Harley dominando todos os seus sentidos com uma intensidade esmagadora. Quando os pés dele tocaram o chão, o impacto foi instantâneo e absoluto. 

    Ele abriu os olhos e viu-se cercado por uma caverna vasta, com contornos familiares. Lembrou-se da missão, do holograma detalhado que o Cônsul mostrara antes de partirem. 

    O reconhecimento foi imediato: ele estava nos Salões de Conexões. A memória da voz do Cônsul sussurrou em sua mente, retornando carregada de mistério:

    “Aqui está o coração dos Salões de Conexões, com vários portais para várias dimensões e mundos… nossa base secreta está agora nas mãos de Doravan. Este é o lugar onde a nossa missão repousa à espera.”

    Dissipando a recordação, Harley voltou-se ao ambiente que seus sentidos captavam com uma clareza desconcertante, cada detalhe se revelando em camadas intensas de som e sensação. 

    Mas antes que pudesse se situar, o ar foi preenchido por um estrondo vibrante. Sons de explosões começaram a reverberar por toda a caverna ininterruptamente. O jovem Ginsu teve a impressão de que o próprio chão se agitava sob seus pés.

    Soldados se lançaram em direção a abrigos improvisados, e ele notou Milenium a poucos passos, seu olhar preso em algo horrendo, de olhos arregalados. 

    A onda de destruição varreu tudo. Harley sentiu a dor lacerante do calor da explosão consumindo sua carne, e sua mente gritou, buscando um modo de sair daquela prisão. 

    Em seus últimos milissegundos de consciência, antes de ser completamente engolido pela escuridão, viu Milenium sendo arremessada pela explosão, seus olhos fixos nele em puro pavor, e o Cônsul tentando protegê-la, enquanto dez soldados feridos e ensanguentados lutavam para manter-se de pé. 

    Ele experimentava a impotência total, a aceitação amarga de que nada do que fizesse mudaria aquele destino cruel.

    Então, tudo desapareceu.

    A consciência de Harley retornou apenas para se dar conta de que ainda caía. O vazio o cercava, um abismo imenso que parecia devorá-lo mais uma vez. Sua respiração estava ofegante, e o peso da visão o esmagava. Por um instante, duvidou da própria sanidade em reflexão:

    “Aquilo tinha sido real? Um futuro possível, ou apenas uma ilusão?”

    Recordando o que tinha experimentado, ele sabia que a missão havia sido um fracasso total, os sobreviventes em um número tão reduzido que parecia inútil continuar. As palavras surgiram em sua mente, uma sequência caótica de incertezas: 

    “Será isso o futuro? Uma possibilidade já traçada?”

    Ele sentia-se esmagado, como se sua própria existência fosse um fragmento dispensável na estrutura caótica de algo incompreensivelmente vasto.

    Outro imagem se aproximou. Um novo lampejo tentou invadir sua mente, mas Harley, ainda abalado pela intensidade da última visão possível do futuro que tinha experimentado, esforçava-se para mantê-lo afastado. 

    Ele lutava para recuperar o fôlego, repelindo a nova experiência como quem expulsa uma criatura viva, uma entidade que o pressionava, determinada a se instalar em seus pensamentos.

    De repente, uma decisão se cristalizou: sentiu que não precisava de mais uma visão, não suportaria que seu espírito fosse quebrado por mais fragmentos de um provável futuro incerto. 

    Se era real, preferia ignorar. Ou, talvez, o Local Proibido estivesse tramando para enfraquecer sua vontade, ou quem sabe manipulá-lo, brincando com sua mente, e ele precisava conservar sua sanidade e resistir.

    Enquanto caía, mais de seus pensamentos o rodeavam: 

    “Poderia ser uma armadilha criada por Doravan, uma ilusão tecnológica para semear dúvida?”

    Ele preferiu não arriscar e fechou os olhos, focando apenas na sensação física da queda, controlando sua respiração e isolando sua mente das visões. Já bastava a dor do possível futuro que presenciara. Qualquer coisa a mais seria um peso insuportável que poderia paralisar ou ainda induzir a reações desnecessárias.

    A queda se prolongava ainda mais, e Harley sentiu-se tragado por uma mistura de emoções: frustração, cansaço e a amarga aceitação de que, mesmo com a força que possuía, estava à mercê daquele lugar e das forças que controlavam as passagens. 

    Quando finalmente uma nova força o atingiu, diminuindo a velocidade de sua queda. Desta vez, não havendo um solavanco violento, mas uma transição suave que parecia, de algum modo, antinatural. 

    Ele aterrissou com os pés firmes no chão, e o ambiente ao seu redor finalmente se revelou. Era uma grande caverna, semelhante aos Salões de Conexões que ele havia visto anteriormente e que tentava afastar-se. 

    A umidade do ar envolvia a todos como um manto pesado, enquanto o som dos próprios passos do jovem reverberava de volta das paredes rochosas, criando ecos que pareciam enredar-se em um murmúrio contínuo. Cada ruído lhe devolvia uma resposta única da caverna, algo que nenhuma visão poderia simular. 

    Ali, ele podia parar para observar as paredes e tocar cada fenda, sentir o musgo escorregadio entre os dedos. Era uma experiência vívida, uma liberdade que lhe era negada na provável visão do futuro anterior, onde era apenas um passageiro levado pela corrente.

    Harley levou a mão ao rosto, ainda confuso. As palavras repetidas do Cônsul ecoaram uma última vez em sua mente: 

    “Aqui está o coração dos Salões de Conexões, com vários portais para várias dimensões e mundos…”

    Relembrando mais uma vez aquele momento, o jovem Ginsu percebeu que algo ali era diferente, e sentiu o peso de suas próximas escolhas, pois a sua morte parecia estar próxima se ele se rendesse apenas a sua visão do futuro anterior. 

    Se a experiência que tinha invadido sua consciência anteriormente fosse verdadeira, ele sabia que não teria muito tempo e tinha que agir rápido para mudar o seu destino.

    Ao observar ao redor, ele viu seus aliados exatamente como esperava, posicionados ao seu lado como uma visão já revivida que estava lutando por afastar. 

    Mas, ao tentar focar na realidade ao seu redor, de novo, as explosões iniciaram despedaçaram sua concentração, experiências já vividas com repetições de imagens tão vivas que era impossível ignorá-las. 

    Apesar de tudo, ele internamente ainda tinha a persistente dúvida se o que estava experimentando agora era apenas um presságio sombrio de um futuro inevitável que já tinha presenciado, ou se havia mergulhado, enfim, em uma nova realidade em que podia mudar e fazer outras escolhas.  

    O medo de não conseguir alterar a realidade do que tinha visto anteriormente e o peso de um possível enfraquecimento de sua própria coragem o engoliram por alguns instantes. 

    Recuar não era uma opção, mesmo que as premonições sombrias fossem verdadeiras e que a morte o espreitasse. Ele nunca seria dominado pelo medo. Decidiu ali, com firmeza, que seu caminho não seria moldado por presságios ambíguos, muito menos por um destino invisível.

    Harley ergueu o queixo, respirando fundo. Sua vida poderia estar em risco, e ele sabia que a missão era uma linha tênue entre o sacrifício e o fracasso. Mas ele era mais do que uma ferramenta. Era alguém com vontade própria, alguém capaz de desafiar até as forças que tentavam subjugá-lo. 

    Ele iria mudar o destino se o mesmo se apresentasse desfavorável como antes ele tinha vislumbrando. 

    E uma coisa era certa em sua vontade: nada o impediria de moldar o próprio destino. Se o futuro se revelasse sombrio, ele o reescreveria com cada fibra de sua força.

    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.

    Nota