Capítulo 189 - Segredos antigos das Adagas Arcanas
O céu opaco se estendia sobre a clareira rochosa, como se aguardasse o desenrolar da batalha. O Mestre Arcano e sua acompanhante, cujas formas eram distorcidas pela energia da adaga azul, pairavam, imersos em um silêncio que parecia esconder algo maior, algo que ele ainda não conseguia compreender totalmente.
A mulher ao seu lado segurava uma adaga singular, que emitia uma luz tênue alaranjada. Esse brilho se intensificava de acordo com os movimentos quase imperceptíveis que fazia ao apontá-la para o horizonte.
Observando de cima, viam Harley e Sergio carregarem a tensão deixada por milênios de outros portadores de adagas.
A adaga da mulher emitiu uma nova vibração, e, sem aviso, ela a levantou, girando o punho com destreza. A lâmina brilhou intensamente, e o ar ao seu redor pareceu distorcer-se, contorcendo a própria estrutura da realidade.
Fragmentos de imagens, possibilidades de futuros e caminhos que poderiam ser escolhidos, se revelaram diante dela. A cada movimento da adaga, o cenário ao redor mudava, como se ela estivesse manipulando o próprio destino dos que lutavam à frente.
O Mestre Arcano observou-a em silêncio, sentindo-se mais uma vez confrontado com a vastidão e o peso de suas responsabilidades. Temia o fracasso, um medo primordial que o acompanhava como uma sombra desde o momento em que assumira a função de guardião das adagas arcanas.
Esse temor fora seu combustível ao longo dos milênios, sustentando sua missão com uma seriedade quase obsessiva e com o poder de sua adaga que lhe possibilitava uma vida prolongada de quase imortalidade.
Ele sabia que o destino do universo sempre dependeu de suas escolhas, e que um deslize poderia significar a ruína de todos os mundos.
— Você nunca se engana — murmurou, os olhos na lâmina que, mais do que qualquer portador, inspirava sua confiança.
A adaga era mais que uma arma: era uma entidade viva, que moldava seus portadores. E às vezes, temia o Mestre Arcano, esse poder ultrapassava a vontade humana, guiando decisões que talvez não fossem as ideais. E assim resolveu perguntar:
— Mas hoje… está certa? Foi para isso que me trouxe aqui?
Ela não respondeu de imediato. Em vez disso, fitou os dois guerreiros e todo o campo de batalha mais uma vez, e sua adaga voltou a brilhar, revelando novas visões, linhas tênues de possibilidades entrelaçadas.
Do outro lado das aberturas criadas pela lâmina da mulher, ele também pôde ver relances de futuros incertos, fragmentos de eventos que poderiam ocorrer. As imagens se fundiam, mudavam, como se os destinos dos guerreiros diante dela fossem tão frágeis quanto uma teia que poderia se romper com o menor toque.
— Eles não estão prontos — continuou o Mestre Arcano, um tom de desânimo evidente em sua voz — As adagas que carregam… ainda estão muito além de suas capacidades. Eles mal arranharam a superfície do que poderiam fazer.
A mulher se virou para ele com um olhar que parecia carregar o peso de um milênio de tentativas fracassadas. Sabia que nenhum dos novos portadores escolhidos pelo Mestre Arcano tinha sido capaz de despertar o poder que as adagas exigiam.
Seus olhos brilhavam com uma provocação silenciosa, uma faísca que precedia sua resposta:
— Desta vez, escolheu portadores com sentimentos tão distintos… tão isolados. Solidão e inveja, ambos insuficientes para revelar a profundidade das adagas. Talvez esse tenha sido o problema.
O Mestre Arcano franziu o cenho, uma expressão de frustração atravessando seu rosto. Sabia que cada adaga precisava de um sentimento primário poderoso para liberar todo o seu potencial, mas estava começando a questionar se estava escolhendo esses portadores com as emoções corretas.
Ele observava Sergio e Harley, sentindo-se cada vez mais desapontado ao perceber o quão longe estavam de alcançar o verdadeiro poder das adagas que empunhavam.
Mas antes que pudesse responder, a mulher ergueu a adaga novamente, e um brilho cortante atravessou o espaço entre eles, dilacerando a realidade com um simples movimento.
A fenda que se abriu era uma passagem para outro tempo, um vislumbre do passado. O Mestre Arcano recuou um passo, mas sabia que aquilo era necessário. Sentiu o ar ao seu redor mudar, uma sensação de peso o invadindo enquanto a mulher o puxava para dentro da fenda, levando-o a um tempo distante.
O cenário se distorceu, levando-o cinco milênios ao passado, ao momento em que Abaddon, a Serpente do Caos, fora aprisionado. O poder da adaga que moldava o acaso e o destino agora se desdobrava em sua frente, revelando uma visão impactante.
Ele a viu: a primeira portadora, de quem sua companheira herdara a lâmina, cravando-a em seu próprio peito para acessar o futuro com clareza. Era mais que um sacrifício; era um pacto.
A sacerdotisa ergueu a cabeça, os olhos ardendo com uma luz quase sobre-humana. E, em seu último suspiro, a profecia ecoou pelo ar:
— Mesmo as correntes mais poderosas enfraquecerão. Em cinco milênios, três serão os convocados que abrirão o selo, trazendo Abaddon de volta, e o prelúdio do caos começará.
O Mestre Arcano sentiu uma onda de choque percorrer-lhe o corpo, revivendo a experiência quase como uma dor antiga, uma lembrança gravada em seu ser desde o dia em que ajudara a aprisionar Abaddon.
A realidade ao redor desvanecia-se, como se o tempo lhe escapasse das mãos, puxando-o de volta ao presente. De olhos ainda arregalados, absorvia as implicações do que acabara de relembrar.
— Realmente… Fazem cinco milênios…? — murmurou, sentindo o peso do tempo.
Sem responder, a mulher moveu a adaga novamente, e uma nova fenda surgiu. Desta vez, o cenário revelou Sergio, a Guardiã Sombria e Isabella, marchando sob a liderança de Abaddon, a Serpente do Caos.
Era uma cena de puro simbolismo e poder, e ele não podia deixar de reconhecer a ironia de como aqueles guerreiros haviam sido manipulados por uma entidade que os via apenas como peças descartáveis.
“Três serão os convocados que abrirão o selo, trazendo Abaddon de volta, e o prelúdio do caos começará.” — as palavras da profecia voltaram a ecoar em sua mente, repetindo-se como um presságio iminente.
Ele percebeu, com um arrepio, que o destino do universo não era simplesmente uma responsabilidade, mas uma maldição. As adagas não conferiam apenas poderes. Elas eram fios de um enredo cósmico, destinados a se desenrolar à revelia dos esforços humanos.
A mulher ao seu lado, observando a cena com frieza calculada, quebrou o silêncio:
— Minhas visões me trouxeram aqui por causa das consequências. O que esses dois estão prestes a fazer terá repercussões para além de suas compreensões. Não se trata apenas deles, mas de algo maior.
Ela riscou a realidade novamente, abrindo outra passagem com a adaga, e apontou para a cena que emergia do portal. Lá estava Sergio, avançando com um movimento traiçoeiro enquanto assassinava Doravan pelas costas.
Com isso, Sergio tomou o lugar do grande cientista do Mundo Mágico, absorvendo seu conhecimento, seu poder e, acima de tudo, o controle que Doravan exercia sobre aqueles ao seu redor.
Mas Sergio jamais se tornaria como ele. Faltava-lhe a vocação de construtor e a experiência que o professor acumulou em anos de erros, testes e persistência.
No entanto, o olhar de Sergio, embora desprovido da profundidade de Doravan, refletia uma ambição insaciável, uma fome de poder que ultrapassava qualquer vínculo que ele um dia possuíra.
— Abaddon… — sussurrou Sergio, com um sorriso de triunfo — Nosso acordo está quase concluído. Estou cumprindo minha parte.
O Mestre Arcano sentiu um arrepio. Aquilo não era apenas uma luta pelo poder. Era o cumprimento de uma profecia, a abertura de um caminho que poderia levar à destruição de tudo o que ele lutara para proteger.
Ele voltou-se para a mulher, buscando em seus olhos alguma resposta, uma confirmação de que ainda havia esperança.
A mulher ergueu a adaga fechando a abertura, levando-os de volta a atenção para o presente. O embate entre Harley e Sergio continuava, mas o Mestre Arcano via agora com clareza o que estava em jogo.
Ele sabia que aqueles dois ainda estavam longe de estar prontos. Os sentimentos que carregavam eram incapazes de despertar o verdadeiro poder das adagas, e ele sentia que um deles já se inclinava a servir ao caos e à destruição dos mundos.
Ainda assim, a profecia era clara: o tempo já tinha se esgotado. Em cinco milênios, as correntes que prendiam Abaddon haviam enfraquecido. O caos era iminente, e ele, como guardião das adagas, sentia o peso esmagador do destino prestes a se concretizar.
Enquanto observava o confronto, o Mestre Arcano ponderou se algum sacrifício seria necessário, se haveria uma maneira de impedir o desastre que pressentia. A mulher ao seu lado o observava em silêncio, como se entendesse o fardo que ele carregava.
— Está preparado para o que vem? — perguntou ela, a voz ecoando como uma premonição.
Em silêncio, ele se detinha, ponderando sobre os mistérios que ela teria presenciado e que agora queria trazer à tona. Seu olhar não se desviava da batalha diante dele, consciente de que essa luta contra o caos demandaria tudo o que possuía. E talvez, mais do que estava preparado para dar.
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