Capítulo 170 - O Santuário de Solarium
Harley e Milenium trocaram um olhar carregado de significados não ditos. O jovem percebeu a engrenagem dos pensamentos dela girando, encaixando frases, buscando a maneira exata de se expressar.
Enquanto caminhavam pelo corredor, ele respeitou o tempo dela. O silêncio tinha vida própria, e era apenas questão de tempo até que ela voltasse a falar.
Finalmente ela falou abruptamente, com uma sinceridade que não deixava espaço para dúvidas:
— Estamos em guerra, num período de grande incerteza. Você é um guerreiro extraordinário e descendente do Mundo Sombrio. Suas habilidades são cruciais para nós.
Harley acompanhava cada sílaba dela, percebendo as camadas ocultas por trás das palavras. Mas então elas cessaram, como se houvesse um limite invisível impedindo-a de continuar.
O silêncio se instalou novamente. Ele respirou fundo e decidiu esperar. Algumas palavras só surgem quando encontram coragem para existir.
Os dois soldados que os acompanhavam mantinham uma distância segura, longe o bastante para não ouvirem a conversa, mas próximos o suficiente para intervir em caso de necessidade.
O distanciamento estratégico permitia a Milenium falar com liberdade, sem se preocupar com olhos ou ouvidos indesejados. O jovem sentia o peso daquelas palavras, cada uma delas carregando promessas e perigos.
Sua habilidade, alimentada pela energia Sombria, era algo que precisava ser mantido em segredo a qualquer custo. Em um mundo onde a magia se manifestava apenas através de artefatos, ele era uma exceção perigosa. Uma anomalia que, se descoberta, poderia transformar tudo.
Caminhavam pelos corredores intermináveis da Escola de Exploradores Interdimensionais. Harley mal prestava atenção aos detalhes da arquitetura, embora soubesse que cada pedra, cada parede escondia armadilhas sofisticadas e soldados estrategicamente posicionados.
Ao longo do caminho, o jovem contou mais de quarenta sentinelas. A segurança reforçada apenas confirmava a importância daquele lugar.
Quando passaram por uma bifurcação vigiada por três guardas armados com rifles de tecnologia avançada, o jovem Ginsu cogitou o quão bem planejada era a estrutura. As divisões e corredores sinuosos pareciam pensados para facilitar o bloqueio em caso de invasão, isolando setores específicos. Ele não conseguia deixar de admirar o cuidado com que tudo fora pensado. Sabia que o inimigo que enfrentavam não era qualquer um.
A nova passagem à frente parecia ainda mais imponente, protegida por mais sentinelas. Milenium, com um movimento rápido e preciso, colocou a palma da mão sobre uma plataforma.
Um leve brilho percorreu o mecanismo, e o portão maciço, de uma substância que Harley não reconhecia, começou a se abrir, com uma lentidão que parecia deliberada.
O corredor seguinte estava envolto em um silêncio opressor, apenas quebrado pelo som suave das luzes monocromáticas escaneando seus corpos. Sentiu um arrepio ao perceber a precisão da tecnologia, era como se o próprio corredor estivesse vivo, analisando cada célula sua, verificando cada fibra de seu ser.
— Tecnologia fascinante, não é? — comentou Milenium, percebendo sua inquietação.
Harley assentiu, mesmo que as palavras dela não fosse a que esperava. Ainda assim, não podia negar o fato: a segurança do lugar não era apenas eficiente. Era um verdadeiro monstro adormecido, pronto para reagir ao menor sinal de ameaça.
“Que tipo de poder essas coisas carregam? Se a Escola de Exploradores tem isso, do que mais são capazes?” — pensou.
Mais à frente, outro dispositivo exigiu algo ainda mais pessoal de Milenium. Sem hesitar, ela furou a ponta do dedo e deixou uma pequena gota de sangue cair no scanner.
O dispositivo brilhou por um segundo e, em seguida, a porta diante deles se abriu. A cada passo, Harley sentia o peso do lugar aumentar sobre ele. Era como se estivessem adentrando um domínio completamente diferente, um mundo de segredos guardados a sete chaves.
Após atravessarem mais um arco de segurança, onde luzes multicoloridas irradiavam sobre seus corpos, realizando uma análise ainda mais minuciosa, Milenium inseriu códigos em um painel criptografado. A última porta maciça se abriu, revelando um vasto salão.
O jovem Ginsu ficou impressionado com o que viu. As luzes fluorescentes refletiam sobre o ambiente, revelando um espaço imenso, frio, quase desumano. Braços robóticos trabalhavam incansavelmente, montando peças que pareciam componentes de armas altamente sofisticadas.
O som metálico constante das máquinas criava uma espécie de sinfonia mecânica, deixando o jovem inquieto.
No fundo do salão, uma única figura se destacava. Uma mulher de postura altiva, com cabelos brancos brilhantes sob a luz artificial. Seus olhos, pequenos e intensos, fixaram-se em Harley e Milenium enquanto eles se aproximavam.
— Esta é minha mãe, Solarium — disse Milenium, sua voz baixa, mas firme. — Ela é a cientista responsável por este complexo.
Solarium deu um leve aceno de cabeça, mas seus olhos não deixaram os dele nem por um segundo.
— É um prazer finalmente conhecê-lo. Tenho ouvido muito sobre você através das minhas filhas.
Harley, ainda processando todas as revelações e o ambiente ao seu redor, perguntou com hesitação:
— O cônsul… ele também compartilha esse poder?
Solarium assentiu lentamente, seus olhos analisando cada detalhe da expressão dele.
— Sim. O dom de compartilhar memórias e experiências é algo que corre em nosso sangue. O cônsul, Milenium, Aurora e eu possuímos essa habilidade. É uma dádiva que nos permite aprender e entender o mundo de maneiras que outras pessoas jamais poderiam imaginar.
Harley ficou paralisado por um instante. Sua mente começou a se agitar com pensamentos, alguns deles desconcertantes.
“Se eu beijasse Milenium… todos experimentariam isso?” — a ideia o fez estremecer.
A profundidade da conexão mental daquela família era algo que ele ainda estava tentando compreender, mas uma coisa era certa: ele precisava ser extremamente cuidadoso com cada ação.
Ele voltou a atenção para Milenium e Solarium, tentando entender melhor como deveria agir dali em diante. Cada movimento, cada palavra sua poderia ser sentida por outros. Isso o deixava inquieto, preso em uma teia de expectativas que ele não sabia se poderia cumprir.
— Nosso poder é um segredo, assim como o seu — disse Milenium, interrompendo seus pensamentos, sua voz suave mas carregada de seriedade.
Solarium, percebendo o desconforto de Harley, ofereceu um sorriso, mas era um sorriso que carregava conhecimento, como se ela soubesse mais do que estava dizendo.
— Agora que compartilhamos segredos, posso lhe contar mais sobre nossa missão. Nosso poder não é apenas uma bênção. Ele vem com um fardo, um propósito. — ela fez uma pausa, como se ponderasse o quanto revelar — Nossos ancestrais, desde os tempos do grande mestre Doravan, foram pioneiros na busca por conhecimento. Eles se infiltraram em esferas de poder, buscando unir a magia e a ciência. Este complexo é o resultado de séculos de sacrifício.
Ela o olhou diretamente, como se esperasse que ele entendesse a magnitude do que estava sendo dito.
— Sabemos do seu interesse pelo artífice de armas. — continuou Solarium — Aurora nos falou sobre isso. E, por isso, estou disposta a lhe ensinar tudo o que sei sobre o assunto. Em troca, queremos que você nos ajude a treinar nossos soldados, compartilhando suas habilidades de combate.
Harley sentiu o peso da nova demanda. Já havia aceitado trabalhar com o cônsul, e agora recebia mais uma responsabilidade. Ele estava sendo lentamente enredado nos planos daquela família, seus laços se estreitando cada vez mais com a Escola de Exploradores Interdimensionais.
O zumbido constante das máquinas ao redor parecia refletir a complexidade de sua situação. Ele olhou para Milenium e depois para Solarium, sentindo o peso das expectativas que agora recaíam sobre seus ombros.
“Seria capaz de corresponder a todas elas?”
— Entendo o que está pedindo. — disse finalmente, sua voz baixa, mas firme — E farei o meu melhor para contribuir.
Solarium sorriu, satisfeita.
— Sabemos que você será uma adição valiosa. Estamos ansiosas para ver o que você pode realizar.
— Também estou ansioso para aprender. — respondeu ele, com determinação renovada.
Solarium assentiu, satisfeita.
— Amanhã começaremos. Prepare-se. O verdadeiro desafio ainda está por vir. Agora, tenho uma reunião com os líderes do Mundo Mágico. Diplomacia… uma última tentativa de evitar o inevitável.
Com essas palavras, Solarium virou-se e saiu pelo corredor, desaparecendo entre as luzes brilhantes e o som das máquinas.
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