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    Harley abriu os olhos, sentindo o peso do ar em seus pulmões. Ele estava deitado, a sensação de pressão envolvendo seu corpo. 

    “Mas… onde estou?” — pensou recordando que a última certeza clara que tivera antes de ser consumido pela explosão de seu bracelete era que a destruição o alcançaria em um piscar de olhos. 

    — Cadê a explosão? — o jovem Ginsu sussurrou para si mesmo, a mente confusa. 

    Olhou ao redor, esperando encontrar os destroços, o cheiro de fumaça, a destruição que marcaria o fim de tudo. Mas o que ele encontrou foi apenas… nada. 

    Um vazio absoluto, sem sinais de vida, sem qualquer vestígio de conflito. A luta com Sergio, os soldados caídos, as chamas: tudo parecia ter se evaporado, deixando-o em um espaço estranho, quase onírico.

    — Onde está todo mundo? — Harley se ergueu, seu corpo parecia denso, sem dor, mas com uma estranheza incomum que lhe dava a impressão de estar fora de si, em um cenário completamente alheio ao que conhecia, afastado de sua realidade.

    Ele tentava entender o que estava acontecendo, sentindo o peso de sua respiração, mas não conseguindo captar a plenitude de seu entorno. 

    “Eu morri?” — Pensou, quase em um suspiro, sentindo, de algum modo, que sua vida poderia ter chegado ao fim naquele instante. Mas não. Algo não estava certo. Ele se sentia… não vivo, mas também não morto. Apenas… ausente.

    “O que é esse lugar? Não me parece estranho…” — pensou o jovem, sentindo o peso da confusão aumentar — “Já estive aqui antes, mas… por que está tão diferente agora? O que aconteceu? Parece que a própria realidade está se quebrando, e eu não posso escapar. Eu não posso entender se estou sonhando ou se a morte finalmente me encontrou.”

    Harley tentou focar sua visão, e foi então que o ambiente se revelou diante dele, exibindo uma paisagem fragmentada, parecendo um pesadelo sem coerência. A escuridão o envolvia. 

    O que deveria ser um campo de batalha, um lugar de mortes e destruição, era agora um vazio, com sangue fervente até seus tornozelos, e o som abafado de lamentos distantes.

    O ar estava quente, insuportavelmente quente. Cada passo que dava sobre o líquido viscoso que escorria pelos seus pés trazia uma ardência insuportável, mas não era a dor que ele tinha antecipado.

    O jovem Ginsu não sentia nada, mas ao mesmo tempo, tudo parecia insuportável. As sombras se estendiam ao seu redor, mas não havia forma ou definição nas criaturas que as habitavam. E os sons… os gritos…

    “Retornei para a Dimensão da Morte?” — ele se perguntou, tentando se manter focado enquanto tentava se mover para um ponto mais alto, para algo mais familiar, para algum vestígio de realidade.

    Um fedor pútrido impregnava o ar, um odor inconfundível de decomposição que se infiltrava nas narinas de Harley e o fazia sentir o peso das sombras distantes, suas vítimas, que agora estavam presas ali, naquele lugar. 

    Cada uma das vidas que ele destruiu ou destruiria parecia ecoar ao redor dele, ressoando como um lembrete da consequência de suas ações.  

    O lugar ao seu redor parecia ainda mais denso e opressor do que antes. Tudo era um emaranhado de escuridão, sangue e os contornos distorcidos dos destroços que o jovem Ginsu havia deixado para trás: armas, construções, veículos…

    Harley, consciente desde sua primeira visita, sabia que, no fim, ele seria apenas mais uma sombra esquecida, uma alma condenada, destinada a ser eliminada por outro, tão insignificante quanto as anteriores.

    A Dimensão da Morte não era feita para manter as almas de todos os mortos. Quando alguém morria, sua alma deixava de existir naquele espaço e se unia ao território do vencedor. O jovem seria uma dessas almas apagadas, desaparecendo nas sombras de quem o matasse. 

    As outras almas — as que não haviam sido diretamente tocadas — ficariam, então, perdidas, acessíveis somente ao vencedor que dominaria aquele mundo.

    Harley sabia que, em algum lugar, no abismo do futuro, um grande destruidor solitário surgiria, esmagando todas as dimensões da morte e reduzindo os mundos a cinzas. Ele mataria tudo, até que as únicas sombras que restariam fossem as suas próprias e as daqueles que já havia destruído. 

    A Dimensão da Morte, então, seria a única realidade restante: um vazio eterno de almas perdidas e destruídas, onde não existiriam mais mundos a salvar ou pessoas para serem lembradas. 

    Um reino de desolação, onde nem mesmo as vítimas de ontem poderiam encontrar descanso. A ideia de um fim definitivo, onde todos se tornariam parte de um único universo sombrio, esmagou sua alma.

    Inesperadamente, algo fez sua atenção se desviar. O ambiente ao seu redor pareceu se curvar, uma presença imensa rompendo o vazio, trazendo consigo uma tensão quase palpável.

    As sombras começaram a se agitar ao seu redor, mas nenhuma delas se aproximava. Ele parecia ser uma presença etérea, uma figura desprovida de importância, que passava despercebida naquele reino de escuridão.

    No entanto, Harley sentiu. Sabia, instintivamente, que não estava sozinho. Algo o observava, algo que lhe era desconhecido, mas profundamente familiar. 

    Aquela sensação de ser vigiado fez seus pensamentos se dispersarem, forçando-o a focar no que estava ao seu redor. Ele não estava mais perdido apenas em suas reflexões. Algo se aproximava.

    Foi então que o jovem a ouviu, a voz gutural, aquela que ele conhecia de seu primeiro encontro com a Dimensão da Morte. Agora, ela parecia mais poderosa, mais intrusiva. E mais próxima:

    — Harley Ginsu! Você retornou! 

    Ele sabia que aquela voz não era algo simples. Ela era a própria essência do que o aguardava ali: julgamento, condenação, talvez até a morte em sua forma mais cruel.

    A voz gutural soou ainda mais forte, penetrando sua mente com uma pressão crescente, uma força invisível se expandindo e cercando Harley com cada palavra.

    — Você, mais do que qualquer um, entende que este lugar não é seu. Não é um mundo de poder ou de escolha — ela disse, a raiva palpável nas palavras, fazendo sua garganta vibrar diante do poder do jovem de poder escapar de suas garras. 

    — Este é um lugar que consome, que destrói. Cada um que entra. Cada ato de destruição, de sangue derramado, se torna parte de mim. 

    Harley fechou os olhos por um instante. Sua mente se encheu de flashes de lembranças: os confrontos com Sergio, a morte de Lysandra, a dor das escolhas feitas. Ele sabia o que a voz queria dizer. A Dimensão da Morte se alimentava de tudo o que havia destruído, das escolhas que tomara ao longo de sua vida, de todos os inimigos que havia abatido.

    O ambiente à sua volta parecia se distorcer, moldado pela pressão crescente dentro dele. Vultos começaram a se formar nas sombras, criando uma sensação de que ele estava sendo observado por olhos invisíveis. 

    O sangue quente que se agitava ao redor de seus pés parecia se expandir, inundando a paisagem, mas o jovem ainda avançava.

    — Você continua sendo um tolo — a voz gutural retumbou, seguida por uma risada sombria que parecia emanar das profundezas do lugar — Ainda alimenta esperanças, mas não percebe que na sua próxima luta, não haverá mais escapatória. Não haverá mais fugas, nem segundas chances. Você será meu.

    Harley sentiu um nó apertar sua garganta. 

    “Não vou conseguir! Então, eu nunca vou conseguir…” — o pensamento se formou com uma clareza amarga — “Sempre achei que seria capaz de derrotá-lo, que minha vingança seria possível, mas não. Realmente, eu sou um tolo por acreditar que poderia mudar meu destino.”

    Seus passos ficaram cada vez mais pesados, cada movimento afastando-o ainda mais da esperança.

    O vazio de seus passos refletia a agonia crescente em sua alma. A revelação de sua derrota quebrou algo dentro de si. 

    A cada passo, as sombras ao redor se multiplicavam, se agrupando, criando uma massa fluida de contornos escuros. Era como se a pressão do lugar comemorasse sua desistência: uma confirmação de que estava cedendo àquela força inevitável.

    Com um olhar perdido, Harley observou o aglomerado de almas ao seu redor, incontáveis, distantes e silenciosas, mas famintas. Sabia, no fundo, que todas elas estariam destinadas a serem destruídas por ele no futuro, caso conseguisse sobreviver, tal qual uma promessa sangrenta pendente. 

    As almas já estavam ali, presenças esperançosas, prontas para se libertarem de seus destino trágico assim que o jovem Ginsu sucumbisse.

    Sabia que sua vontade de lutar estava se desfazendo, que a vitória que tanto desejava se tornava cada vez mais inalcançável.

    Ao seu redor, os vultos pareciam se regozijar com sua derrota, tornando o futuro que ele sonhara uma miragem que rapidamente se dissipava. Sua impotência o dominava, e sentia que, mesmo tendo dado tudo de si, não tinha sido suficiente. 

    Ele se arrastava para frente, sem certezas, sem mais forças para continuar a luta que não parecia mais sua. Sem perceber, Harley estava prestes a cruzar o limiar para a dimensão sombria, um lugar onde sua desistência seria consumida e onde não haveria mais retorno. 

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