Índice de Capítulo


    Do alto, pairando sobre o campo de batalha, o Mestre Arcano, com olhar sereno, testemunhava o último ato do confronto, onde Harley e Sérgio se tornaram os atores centrais do caos. 

    Ao seu lado, a mulher permanecia em silêncio, a adaga alaranjada em sua mão tremulando levemente, sugerindo que era afetada pelo turbilhão de eventos abaixo. Ambos estavam envoltos em uma aura azulada, emanada pela adaga que o Mestre segurava, um farol pulsante que iluminava as possibilidades que eles debatiam.

    — Eles não vão sobreviver — disse a mulher, a voz neutra, mas carregada com o peso de séculos de premonições certeiras.

    O Mestre Arcano cerrou os olhos, sua expressão endurecendo em resignação. Ela estava certa: as linhas do destino convergiam implacavelmente para a morte. Contudo, a perda dos dois não era uma opção. Mesmo resistindo a influenciar os rumos do universo, era imperativo salvar um deles. 

    Pelo menos, um milênio se passaria antes que a adaga arcana encontrasse um novo portador, e o universo não sobreviveria tanto tempo diante do que se aproximava. Embaixo, a batalha se desenrolava, cada movimento ecoando a urgência de uma decisão inevitável.

    — E então? — ela perguntou, rompendo finalmente a quietude — Quem favorecemos?

    O Mestre hesitou. Ele não havia dedicado tempo suficiente para conhecer aqueles dois novos portadores, um erro que agora o atormentava. As visões proporcionadas pela adaga de sua companheira eram fragmentadas, mas suficientes para revelar os traços mais importantes de cada um.

    — Sergio… — ele murmurou, a voz tingida de incerteza — Ele é decisivo, calculista. O universo precisa disso. Harley é impulsivo, guiado pela emoção, e isso… isso pode ser perigoso.

    — Ou exatamente o que precisamos — retrucou a mulher, seus olhos fixos na luta. — Decida logo. Uma escolha errada pode significar mais do que a perda de um portador. Pode significar o fim.

    Abaixo, na caverna esfacelada do Local Proibido, Sergio avançou com sua espada longa, cada golpe desferido com precisão mortal. Harley recuava, desviava e girava. Em suas mãos, uma adaga negra e uma prateada reluziam enquanto ele procurava a brecha perfeita para contra-atacar.

    A espada de seu inimigo reluziu ao descer em um arco devastador. O jovem Ginsu ergueu a adaga prateada para bloquear. O impacto reverberou pelos seus braços, mas ele manteve a guarda, empurrando Sergio para trás com um chute repentino no abdômen.

    O antes, reconhecido por todos por ser o filho do líder do clã dos Dragões de Sangue, cambaleou apenas por um momento, e logo voltou à ofensiva. Harley sabia que ele estava gostando da luta, que a violência era quase um bálsamo para aquele homem deformado pelo poder.

    — Sempre foi fácil para você, não é, irmão? — Sérgio disse, com um sorriso amargo — Vamos ver como lida com a ideia de que esse hábito vai acabar hoje.

    “Irmão!?” — Harley recuou pensativo, o sorriso vacilando em seus lábios. 

    A palavra era um golpe inesperado, mais cortante do que qualquer lâmina que Sérgio pudesse brandir. Eles não eram irmãos. Não no sangue, nem em nenhum laço que ele pudesse aceitar. 

    Ainda assim, havia algo na palavra que ressoava, uma sombra no fundo, de sua alma que não conseguia ignorar. Talvez o ódio que compartilhavam os tornasse mais do que inimigos, algo ainda mais profundo, mais trágico.

    Harley vacilou, apenas por um segundo, mas foi o bastante para que Sergio avançasse. Sua espada, cintilando, enquanto o jovem Ginsu desviava por puro instinto, a lâmina passando a milímetros de seu pescoço.

    Seu inimigo continuou rindo, um som frio, ao mesmo tempo, em que sua mão livre tocava o medalhão em seu pescoço. Em um instante, a ilusão que ele usava para mascarar sua verdadeira aparência começou a se dissipar. 

    O rosto de Sergio mudou, revelando um homem com feições semelhantes às de Harley, mas marcadas pelo sofrimento. Cicatrizes atravessavam sua pele tal qual rachaduras. Os olhos, fundos e cercados por sombras, brilhavam com uma loucura insondável.

    — Surpreso? — perguntou Sergio, movendo-se em um círculo lento ao redor de seu inimigo — Você nunca se perguntou por que nossos caminhos sempre se cruzavam? Por que eu sempre estava um passo à frente?

    Harley atacou com fúria, as duas adagas rasgando o ar na tentativa de aniquilar a verdade cuspida por seu inimigo. Suas lembranças retornaram marcadas por rivalidade incitada, treinamentos brutais e uma amarga obsessão em superar o outro. 

    A palavra ‘irmão’, agora, pesava com a força esmagadora de uma corrente insuportável, prendendo-o a algo que ele desejava esquecer. 

    Desde a infância, nunca houve momentos de alegria compartilhada, nem obstáculos superados juntos como aliados: apenas a indiferença compartilhada entre dois desconhecidos confinados à mesma jaula. 

    No entanto, por mais que resistisse, o jovem Ginsu não podia ignorar que aquele indivíduo à sua frente, uma cópia desgastada de si, era, de fato, seu irmão. 

    “Mas aceitar isso? Jamais” — pensa Harley.

    Agora era apenas o ódio que florescia entre os dois. Ambos entendiam que a única maneira de romper aquele vínculo era destruí-lo e reescrever suas histórias em sangue.

    Sergio aparou o golpe com a espada, o aço se chocando em um clarão de faíscas. Ele girou o corpo, usando o movimento para desviar o próximo ataque, e respondeu com um corte horizontal que Harley apenas conseguiu evitar ao se jogar no chão.

    — Porque eu sempre estive lá, desde o começo! — continuou Sergio, sua voz ganhando um tom quase exultante — O irmão que você perdeu. O traidor que você nunca viu.

    O jovem Ginsu tentou responder, mas suas palavras ficaram presas na garganta. Ele se lançou para frente novamente, tentando transformar sua raiva em vantagem. As adagas giraram em suas mãos, criando um padrão caótico que forçava Sergio a recuar. Mas o sorriso do homem não desapareceu.

    — Foi fácil, sabe — disse, entre um golpe e outro — Envenenar nossa mãe. Fazer parecer um acidente. Você não desconfiou, ninguém desconfiou. O pobre irmãozinho, tão cego, tão confiável.

    A visão de Harley ficou turva. Ele atacou novamente, sem técnica, apenas força bruta, mas Sergio desviava com facilidade. Ele contra-atacou, sua espada descendo em um arco amplo, forçando-o a rolar para longe.

    — E você? — continuou seu inimigo, aproximando-se lentamente, a espada brilhando mortalmente — Você sobreviveu ao veneno, irmãozinho. Quase não parecia justo. Mas talvez isso tenha sido melhor. Agora você pode estar aqui, hoje, para ver o que eu me tornei. O que nós poderíamos ter sido, juntos.

    A adaga arcana preta de Harley começou a vibrar em sua mão, reagindo à sua raiva crescente. Ele sentiu o poder dentro dela, mas ainda não sabia controlá-lo. Quando Sergio avançou novamente, ele balançou instintivamente a lâmina, e o ar ao redor deles se rasgou. Um portal surgiu, sugando ambos antes que qualquer um pudesse reagir.

    A luta continuou, mas agora em outro lugar. Eles estavam em um campo de cristais gigantescos, cujas superfícies refletiam suas imagens distorcidas. 

    Harley mal teve tempo de se orientar antes que Sergio atacasse novamente, sua espada golpeando com uma força que estilhaçou um dos cristais. Os fragmentos voaram, lançando-se com a ferocidade de estilhaços, forçando ele a se esquivar.

    O jovem Ginsu usou o terreno a seu favor, escalando uma formação cristalina para ganhar altura. Ele saltou, as duas adagas descendo tal qual uma garra dupla em pleno ataque. Sergio ergueu a espada para bloquear, mas a força do impacto o fez cair de joelhos.

    A luta era intensa, e nenhum dos dois parecia disposto a ceder. A revelação de Sergio e a raiva que isso despertava o impulsionava. Ele lançou um golpe rápido com a adaga prateada, a lâmina sólida cortando em direção ao flanco do seu inimigo. O homem desviou por pouco, mas o movimento o deixou vulnerável à adaga preta.

    Harley aproveitou a abertura, e a lâmina arcana encontrou o ombro de Sergio. Não foi um golpe profundo, mas o suficiente para que a energia da adaga se manifestasse. Outro portal se abriu, puxando-os novamente para um novo cenário: um deserto vermelho, onde tempestades de areia rodopiavam ao redor deles.

    Sergio riu, recuperou-se rapidamente do atordoamento mesmo enquanto sangue escorria de seu ombro.

    — Sempre esperei que você aprendesse por si, irmão — disse ele, girando a espada lentamente — Mas parece que, no fim, é meu dever ensinar. E, infelizmente para você, só sei fazer isso do jeito mais difícil.

    Harley não respondeu. Ele apertou as adagas com mais força e avançou novamente. 

    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.

    Nota