Capítulo 200 - O grito que partiu almas
A caverna era o último resquício de ordem em meio ao colapso dimensional, um oásis de pedra sustentando o peso de realidades em choque.
Agora, esse oásis se partia, implodindo como um vidro rachado sob pressão infinita.
A terra tremeu com um rugido de agonia, e fendas se abriram por toda a estrutura, permitindo que energias puras jorrassem como rios furiosos, buscando consumir tudo em seu caminho.
Sergio apertou mais um botão em seu bracelete, e um brilho quase imperceptível, translúcido como vapor ao sol, serpenteou no ar. A energia era sutil, quase invisível, como uma sombra que rastejava silenciosamente.
Harley mal teve tempo de reagir quando sentiu o ar ao seu redor mudar, como se algo estivesse sendo sugado, deslocando-se de uma distância que ele não podia medir. Ele franziu a testa, confuso, seus olhos buscando o que quer que seu inimigo estivesse manipulando.
De repente, uma forma começou a se manifestar diante dele. Era apenas uma leve distorção no espaço, um borrão tênue, mas conforme a energia avançava, a figura se tornava mais nítida.
O jovem Ginsu piscou várias vezes, como se seu cérebro se recusasse a acreditar no que seus olhos estavam registrando. Uma mulher estava sendo trazida para o lado de Sergio, seus movimentos rígidos, arrastados pela força invisível.
Harley sentiu o peito apertar. Um frio mortal percorreu sua espinha quando reconheceu o contorno do corpo. O cabelo, as feições… Não podia ser.
Aurora.
O coração dele disparou, batendo como se fosse explodir em seu peito. Ela estava lá. A mulher que acreditava estar perdida para sempre. Aquela que ele jurara salvar… Aquela que tinha se sacrificado para lhe salvar.
Ela se debatia, presa pela energia de seu inimigo. Seu corpo não responder à sua vontade. O choque, o desespero, e algo ainda mais devastador paralisaram o jovem Ginsu por completo.
— Não… — murmurou ele, sua voz pouco mais que um sussurro, quase inaudível diante do caos.
Aurora foi sendo sugada para o lado de Sergio, sua figura cada vez mais nítida, mais clara. Harley queria acreditar que ela estava viva, que, de alguma forma, ele a havia encontrado.
Mas quando seus olhos finalmente a distinguiram com clareza, o que viu despedaçou qualquer esperança. A luz no olhar de Aurora não estava mais lá. Sua pele tinha um brilho opaco, um tom pálido e metálico, e suas feições outrora vivas agora eram artificiais.
Ela não era mais Aurora.
Ela era um cadáver autômato, uma das abominações híbridas, os mortos sintéticos de Doravan. Aquela tecnologia profana que fundia corpos com máquinas, transformando seres humanos em escravos vazios, movidos por um sistema parasita.
Aurora, que havia sido seu farol de esperança, agora era uma marionete de carne e metal, um produto da crueldade de Doravan.
— Aurora… — A voz de Harley quebrou como vidro. Ele sentiu o peso esmagador da realidade desabar sobre ele, tirando-lhe o fôlego — O que fizeram com você…?
Suas pernas cederam por um momento, os joelhos quase tocando o chão, como se seu corpo não pudesse suportar a verdade.
O homem que jamais se curvara para ninguém, agora estava à beira de cair sob o peso da dor. Ele não sabia o que doía mais: saber que ela estava viva o tempo todo ou perceber que, no final, ela havia sido roubada de uma forma ainda pior que a morte.
O impacto de reencontrá-la, estava além do que ele podia suportar. Cada lembrança de Aurora, cada sorriso que ele mantivera em seu coração, agora parecia uma cruel piada do destino.
Enquanto Harley lutava contra a devastação que o consumia, o cônsul observava em silêncio. Seus olhos, geralmente firmes e implacáveis, estavam agora arregalados em uma mistura de choque e horror.
Aurora, sua filha, o legado que ele tanto protegera, estava diante dele, mas não mais como a guerreira que ele formara. Ela estava irreconhecível, uma sombra deformada do que fora, transformada pela loucura de Doravan.
O cônsul, que sempre se preparara para a batalha, para a perda, sentiu um nó apertar sua garganta. Aquilo não podia ser sua filha.
— Aurora… não… — murmurou ele, seus punhos fechando-se ao lado do corpo.
Pela primeira vez em muito tempo, o poderoso líder da Escola de Exploradores Interdimensionais estava à beira do desespero.
Milenium, que até então mantinha uma postura forte de liderança, sentiu seu mundo ruir quando seus olhos encontraram os de sua irmã. O choque foi tão profundo que ela mal conseguia respirar.
Milenium deu um passo para trás, sua mão instintivamente buscando apoio em uma parede que não estava ali. Seus olhos, que nunca haviam temido o perigo, agora estavam cheios de lágrimas não derramadas.
— Aurora… irmã… — Sua voz tremia, um grito sufocado pela dor. Milenium, que sempre tivera respostas para tudo, agora se via afogada pela tragédia. Aurora, sua irmã, sua melhor amiga, estava diante dela, mas era como se já estivesse perdida para sempre.
Ela queria gritar, correr até ela, sacudi-la até que aquele brilho morto desaparecesse. Queria sua irmã de volta, queria acreditar que poderia salvá-la, mas a realidade fria se impunha. Aurora não estava mais ali. O que restava era uma casca vazia, uma prisioneira de um destino terrível.
O silêncio que se seguiu foi preenchido pelo som distante de redemoinhos dimensionais e energia pulsante, mas dentro da mente de Harley, só havia o eco da sua própria dor.
Ele se debatia, mas era como se cada tentativa de avançar fosse barrada por uma força invisível, uma força muito mais poderosa que os portais ao redor: o peso do desespero.
Sergio observava, com um sorriso perverso no rosto, a destruição emocional de todos ao seu redor.
— Então, irmão… — sua voz venenosa cortou o ar — Você veio salvá-la. Parabéns. Ela está aqui. Viva. Mas, como pode ver, ela não é mais sua Aurora. Ela pertence a nós.
Harley sentiu o sangue ferver, a raiva rugir dentro de si, mas também soube que não importava o quanto lutasse, o quanto gritasse, não havia como voltar no tempo.
Aurora estava perdida. O choque, o desespero e a raiva se misturaram em um turbilhão dentro de sua alma. Mas uma coisa ele sabia: ele não deixaria Sergio sair vitorioso. Não dessa vez.
Mas enquanto ele tentava lidar com sua própria dor, Harley viu o olhar vazio de Aurora se voltar para ele, como se, por um instante, algo dentro dela tivesse reconhecido seu nome. Ele prendeu a respiração.
“Será que ainda havia alguma parte dela ali, lutando para sair?”
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