Capítulo 207 - O horizonte da Dimensão da Morte
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Harley Ginsu ouviu uma voz surgindo de lugar algum, impossível de localizar. Tentou se levantar. O esforço de levantar-se queimava cada músculo, cada fibra se recusando a obedecer. A resistência estranha do sangue ao redor dos tornozelos parecia querer arrastá-lo de volta ao chão, de volta à submissão.
De joelhos, sustentava-se com o braço sombrio fincado na areia, improvisando um suporte.
Cada palavra que ouvia custava. O jovem Ginsu sentia energia escorrer em si, incandescente e vital, alimentando a frágil ponte entre os mundos. O braço negro pulsava com cada sílaba pronunciada, escurecendo ligeiramente a cada frase.
Harley forçou-se a focar através da dor crescente em sua cabeça. A linha preta que o conectava à Dimensão da Morte pulsava com intensidade que fazia sua visão tremular, cada batida um lembrete de que estava forçando algo além de seus limites. Precisava ser rápido. Não sabia quanto tempo a conexão aguentaria.
O sangue aos seus pés se agitou. Formou ondulações que não seguiam a física normal, mas moviam-se contra a gravidade, desenhando padrões que doíam nos olhos. A voz emergiu dali, das profundezas do líquido viscoso:
“EU DISSOLVI TUA PRISÃO TEMPORAL. CUSTO DEVE SER PAGO.”
— O que quer de mim?
As ondulações no sangue aceleraram, tornando-se redemoinhos minúsculos que giravam em sentidos opostos. A voz veio mais forte, mais presente:
“CONTRABALANCEAMENTO.”
O sangue aos pés de Harley explodiu para cima.
Não violentamente. Graciosamente. Como fonte controlada, líquido viscoso subindo em arco perfeito e suspendendo-se no ar, desafiando gravidade. Ali, suspenso, o sangue começou a mostrar algo.
Linhas. Centenas delas. Milhares. Fios cinzas emaranhados que se estendiam em todas as direções, vibrando com urgência desesperada. Tecidas através do sangue suspenso e visíveis apenas porque a Dimensão da Morte às estava revelando intencionalmente. Mas diferente das linhas que ele via quando acessava conscientemente as Linhas do Destino, essas estavam quebradas.
Cada uma terminava abruptamente. Rasgada. Sangrando energia dimensional que se dissipava no vazio, semelhantes a feridas que não conseguiam cicatrizar.
“A EXPLOSÃO BLOQUEOU A PASSAGEM. INTERFERIU NO FLUXO NATURAL. AS MORTES NÃO CHEGAM MAIS À MINHA DIMENSÃO.”
Harley sentiu o ar fugir de seus pulmões. Não apenas processou a informação, mas sentiu seu peso, sua magnitude esmagadora.
— Não… vêm?
O sangue suspenso tremeu. As linhas dentro dele convulsionaram, nervos expostos que reagiam a cada toque.
“PERMANECEM.” — a palavra se fez sentença de morte cósmica, esmagando tudo ao redor — “AS ALMAS ESTÃO PRESAS EM SEUS PRÓPRIOS MUNDOS. SEM PASSAGEM. SEM CONCLUSÃO. SEM FIM.”
A magnitude do problema atingiu-o. Cada morte em cada dimensão do universo, todas presas, incapazes de completar a jornada final. Acumulando-se. Apodrecendo. Transformando-se em algo que não deveria existir.
— Por quanto tempo?
“DESCONHEÇO SOLUÇÃO IMEDIATA.” — a admissão vinha carregada de algo próximo a frustração — “MAS… CONHEÇO-TE.”
O sangue suspenso colapsou de volta ao chão com som úmido. As linhas dentro dele desapareceram. Não destruídas, apenas retraídas e esperando.
“PRECISAREI QUE RECOLHAS. QUE CONDUZAS. QUE TRAGAS AS ALMAS PERDIDAS DE VOLTA AO CAMINHO NATURAL.”
— Você quer que eu… — Harley sentiu a risada histérica ameaçando escapar — Que eu vire coveiro cósmico?
“NEXUS…” — A correção veio suave, porém irreversível. Quase… carinhosa? — “O CUSTO DEVE SER PAGO.”
O jovem Ginsu fechou os olhos. Cinco séculos imóvel. Finalmente livre. E agora isso.
Mas quando os abriu novamente, havia clareza nova em seu olhar.
— Não posso fazer sozinho.
Mais uma vez falou a Dimensão da Morte, não em palavras, mas em fardo que curvava o ar ao seu redor:
“NÃO FARÁS.”
A massa negra no céu começou a pulsar. Não foi ao acaso, foi por intenção. Os buracos que revelavam fragmentos da realidade externa começaram a se multiplicar, a barreira entre Morte e Vida tornando-se mais fina, mais permeável.
“BENEFÍCIOS VIRÃO, NEXUS.”
Harley sentiu o peso daquela palavra: “benefícios”. Soava carregado de promessa e ameaça, inseparáveis e presentes. O que a Dimensão da Morte considerava benefício raramente coincidia com o que os mortais desejavam.
A instabilidade acelerou.
A zona negra que o protegia começou a falhar. Os buracos multiplicaram-se exponencialmente, a massa escura tornou-se translúcida, permitindo visão cada vez mais clara do deserto além. A barreira que mantinha os Cobradores afastados estava se desfazendo.
E o jovem Ginsu podia vê-los agora.
Seis. Sete. Talvez oito formas reptilianas de pura escuridão faminta circulando a área que havia sido sua prisão por tanto tempo. A área que a invasão momentânea da Dimensão da Morte havia quebrado. E agora essa mesma invasão estava terminando, e a proteção com ela.
Os Cobradores sentiam. Suas formas se agitavam com antecipação crescente, tentáculos se estendendo e retraindo nervosamente, olhos de vazio absoluto fixados em Harley.
A congregação completa, reunida para cobrar a dívida dimensional que ele acumulara.
“A CONEXÃO ESTÁ SE PARTINDO.” — a voz da Dimensão da Morte emergia em forma de sussurro distante, tentando romper o véu que se adensava entre mundos — “A ASSISTENTE CHEGA AGORA.”
A linha preta se rompeu.
Harley gritou, a dor explodindo através de sua cabeça. Caiu de joelhos, mãos pressionando as têmporas, tentando conter a agonia que ricocheteava dentro de seu crânio. Era a sensação de nervo arrancado pela raiz, enquanto a conexão vital se desfazia violentamente.
O silêncio que se seguiu foi absoluto.
Não havia mais a presença da Dimensão da Morte pressionando a realidade. Não havia mais o zumbido constante da linha preta vibrando em seus ossos.
O sangue ao redor de seus pés começou a secar, evaporando-se rapidamente, como se jamais tivesse existido. A massa negra no céu se dissipava, revelando novamente os três sóis imóveis.
Apenas o vento do deserto e o som de sua própria respiração ofegante.
E os Cobradores.
A barreira havia desaparecido completamente.
Eles avançaram.
Não correndo. Não com pressa. Com a confiança de predadores que sabiam que a presa não tinha para onde fugir. Desciam as dunas em formação semicircular, cercando-o metodicamente.
Suas formas reptilianas ondulavam com cada movimento, sombras dentro de sombras, conceitos de predador expressos através de escuridão viva.
O mais próximo estava a apenas cinquenta metros.
Então algo novo começou a se materializar.
No ar onde a zona negra da Dimensão da Morte havia estado momentos antes, a escuridão começou a sangrar através da realidade. Primeiro apenas manchas. Não a escuridão dos Cobradores, mas algo diferente, algo familiar. Depois uma forma vagamente humana sendo esculpida por mãos invisíveis.
Era um processo completamente diferente da manifestação da Dimensão da Morte. Não vinha de fora, não invadia nem conquistava. Emergia de dentro, enquanto a própria Energia Sombria ao redor se moldava.
Os Cobradores hesitaram.
Pararam a quarenta metros, suas formas ondulando com confusão. Sentiam algo: presença que não deveriam ignorar e autoridade que os fazia reconsiderar.
A forma continuou se solidificando.
Cabelos negros que se moviam como fumaça líquida.
Pele feita da mesma substância que compunha braço de Harley.
Olhos que brilhavam com luz que ele via em reflexos de sombra solidificada.
Marcas sutis, impregnadas da lembrança de uma vida que queimou sem reservas.
O jovem Ginsu sentiu o reconhecimento bater em seu peito antes mesmo de processar conscientemente quem era.
A figura se solidificou completamente, e ele reencontrou alguém que havia jurado nunca mais ver.
— Ivana.
Ela não olhou para ele imediatamente.
Seus olhos, brilhantes com energia espectral que não existia quando estava viva, focaram primeiro nos Cobradores. Avaliando. Calculando. Sua postura era a de guerreira em campo de batalha, não de espírito recém-manifestado.
Os Cobradores recuaram mais três metros.
Só então Ivana virou o rosto para ele. E quando seus olhos finalmente encontraram os dele, carregavam tempestade de emoções que nem morte havia sido suficiente para apagar.
— Harley Ginsu! — a voz dela, mesmo com harmônicos nunca antes ouvidos, mantinha a inflexão afiada intocada — Finalmente.
Não era saudação. Era acusação, alívio, promessa e ameaça fundidos em duas palavras.
E os Cobradores continuavam se aproximando, passos mais lentos, gestos medidos e avanço impossível de deter. A congregação estava completa e Ivana finalmente tinha se revelado, embora instável.
Já Harley, exausto, percebeu que nenhuma barreira mais os separava, a ameaça agora era imediata.
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