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    LIVRO 1 – Crônicas da Adaga Arcana


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    Harley Ginsu não sabia que era observado.

    Sete anos presos naquela jaula de ferro retorcido, e algo havia mudado na última semana. O ar carregava uma tensão diferente, lembrando a névoa densa que antecede tempestades. As outras crianças ao redor já não gritavam mais, algumas porque aprenderam que ninguém viria, outras porque suas gargantas secaram para sempre em gritos que ecoaram sem resposta.

    A cicatriz na sua palma direita queimava com intensidade incomum.

    A marcação antiga, feita quando tinha apenas três anos por mãos que ele mal lembrava, sempre esquentava quando algo importante estava para acontecer. Um corte preciso, gravado em sua carne durante algum ritual que sua mente infantil não conseguira compreender. O sangue havia escorrido então, misturando-se às lágrimas que não sabia como conter, enquanto vozes murmuradas entoavam palavras ininteligíveis.

    Agora, aos dez anos, era apenas uma lembrança física de um passado que parecia pertencer a outra vida. 

    Ele ergueu os olhos escuros do chão manchado de sangue para o céu noturno. A lua solitária o encarava de volta, repetindo o gesto de sempre, uma companhia silenciosa em noites que pareciam eternas. 

    Logo seria a hora da alimentação. Os guardas traziam água turva e migalhas de pão apenas quando a escuridão se estabelecia completamente, como se a própria luz fosse inimiga de qualquer forma de misericórdia.

    Este teste de privação já durava uma semana. Diferia dos treinamentos brutais que seu pai lhe dera durante anos no Clã Adaga Arcana, sessões que começavam antes do amanhecer e terminavam quando suas mãos sangravam demais para segurar uma lâmina. Julius Ginsu não conhecia piedade. “Dor forja aço”, costumava dizer enquanto observava o filho tropeçar sob o peso de exercícios impossíveis.

    Seus músculos protestavam contra a inatividade forçada. Forjados através de combate constante e disciplina familiar implacável, ansiavam pela dança mortal que havia sido sua vida desde os primeiros passos. 

    Cada fibra em seu corpo havia sido condicionada para movimento, estratégia e sobrevivência. A imobilidade era uma tortura mais refinada que qualquer chicote.

    Contudo, entre ele e a lua havia uma sombra.

    Uma figura que não pertencia àquele mundo de espinhos e gaiolas materializou-se no ar noturno. O ser flutuava acima das árvores entrelaçadas, ignorando a gravidade de modo que parecia desafiar todas as leis menores. 

    Vestido em um manto que ondulava sem vento, segurava algo que fazia o coração de Harley acelerar: uma adaga que pulsava com luz azul etérea.

    A lâmina diferia das armas grosseiras que os guardas carregavam. Esta vivia. Respirava. Chamava.

    O desconhecido murmurou, sua voz ecoando sem usar a boca:

    — Interessante. Sete anos, e ainda tem fogo nos olhos.

    Harley não respondeu. Havia aprendido que palavras eram armadilhas. Seus punhos se fecharam instintivamente, dedos encontrando a cicatriz que latejava cada vez mais forte. A marcação reagia à proximidade daquele ser com intensidade jamais vista.

    Ele sabia, sem entender como, que aquele era o Vigilante.

    Já o homem flutuante estudava o garoto com fascínio crescente. Voando sobre a Floresta de Espinhos que se estendia infinitamente ao redor, ele havia observado a devastação. 

    As árvores entrelaçadas pareciam garras gigantes emergindo da terra ferida, formando um labirinto natural de defesa, sempre manchado de sangue e cinzas por batalhas constantes.

    A gaiola que prendia o garoto reluzia sob a penumbra esverdeada, isolada no coração de um mar sem fim. Em torno dela, a terra morta formava um círculo perfeito, lembrança cruel de onde o Clã Adaga Arcana, orgulhoso, havia se mantido firme contra o inevitável.

    Para o Vigilante, era mais do que ruína: era método. Mil mundos visitados, mil tradições selvagens observadas, e ainda assim nunca havia encontrado nada tão brutal quanto eficaz. 

    Aqueles guerreiros não forjavam apenas soldados. Forjavam sobreviventes através da solidão absoluta, seres humanos despidos de toda compaixão, moldados unicamente para resistir quando outros quebrariam.

    Espalhadas pelo terreno devastado, o conjunto de jaulas lembravam cicatrizes na paisagem. Algumas vazias, suas grades manchadas de sangue seco onde pequenas mãos haviam se agarrado em desespero, arranhando ferro até que os dedos não obedecessem mais. 

    Outras ainda abrigavam corpos juvenis curvados em posições de desistência, crianças que haviam escolhido a rendição ao invés da resistência, permitindo que a dor as consumisse completamente.

    Em todas elas, marcas de mordidas, arranhões e sangue contavam histórias silenciosas de fúria impotente contra barras de ferro. Cicatrizes que se tornavam mapas de sofrimento, registros permanentes de almas sendo quebradas e reforjadas.

    Apenas Harley permanecia diferente. Ereto. Observando. Esperando.

    O Vigilante que empunhava a adaga azul ergueu outra lâmina: menor, branca, imbuída de energia visivelmente vibrante. O artefato pulsou uma vez, lembrando um coração prestes a parar, e ele soube que havia apenas uma oportunidade. 

    Artefatos de uso único eram preciosos demais para desperdiçar, especialmente quando a própria realidade resistia à sua presença.

    Com movimentos quase divinos, cortou o ar.

    A realidade explodiu em fragmentos. O espaço se partiu, estilhaçando-se em mil reflexos de mundos que nunca deveriam existir simultaneamente. Um rasgo dimensional se abriu diante da jaula, não uma porta gentil, mas uma ferida sangrenta na estrutura do cosmo.

    Luz azulada sangrou pela fenda quando o corredor dimensional se desenhou atrás do Vigilante. Ondulando tal músculos vivos, as paredes instáveis pareciam respirar, enquanto o chão fragmentado pulsava ritmicamente. Era menos uma passagem que uma criatura interdimensional, algo que respirava entre realidades.

    As forças cósmicas atacaram imediatamente.

    Tentáculos de energia caótica se lançaram contra o portal, investindo com a ferocidade de predadores famintos tentando cicatrizar a anomalia. A própria realidade rejeitava aquela violação, enviando ondas de poder destrutivo para eliminar a abertura não autorizada. 

    O impacto atingiu o homem encapuzado com intensidade suficiente para pulverizar montanhas, obrigando-o a recuar um passo.

    Ondas invisíveis de destruição rugiam ao redor, tentando devorá-lo junto com sua criação impossível. 

    O Vigilante se firmou no espaço instável, cercado por energias furiosas que clamavam por sua aniquilação. Ergueu a adaga azul, investindo-a à semelhança de escudo. Cada segundo mantendo aquela fenda aberta custava mais que poder bruto, custava anos de vida, fragmentos de alma, convicção absoluta de que o sacrifício valia a pena.

    A lâmina branca começou a rachar. O artefato de uso único estava se desfazendo, cumprindo seu propósito único antes de retornar ao nada de onde veio.

    Harley observava tudo em silêncio. Não com terror. Terror era para crianças que ainda tinham esperança de serem salvas. Observava com a sede fria de alguém que finalmente via algo interessante depois de anos de vazio absoluto. 

    A cicatriz em sua palma não apenas queimava agora, ela pulsava, reconhecendo na energia que vazava do portal uma familiaridade profunda, algo que pertencia a ele por direito ancestral.

    O estranho encapuzado resistia ao colapso da passagem, músculos tensos contra a pressão invisível. Sua adaga branca se despedaçava em centelhas que evaporavam no ar, tal qual fragmentos de luz que não encontrariam mais o chão. Ainda assim, enquanto avaliava os efeitos do portal sobre a criança, ele falou:

    — Sete anos moldando você… Nenhum conforto. Nenhuma piedade. 

    Os olhos de Harley se estreitaram. Dez anos de vida, sete deles nesta jaula, e finalmente alguém reconhecia o que ele havia se tornado. Não uma vítima. Uma arma forjada pela dor.

    — E daí? — respondeu, voz rouca de desuso, e, apesar da fraqueza, carregava uma fúria tão pura que fazia o ar tremular.

    Duas palavras. Simples. Mas carregadas de tal intensidade que o próprio Vigilante sorriu por trás da máscara de sombras. Aquela resposta valia mais que mil demonstrações de poder. Era a prova de que a forja havia funcionado.

    O ser dimensional continuou enquanto caminhava através do espaço fragmentado:

    — Daí que você não quebrou. 

    Atrás dele, o corredor dimensional se estendia em arco suspenso, ligando o rasgo no espaço a um além que ninguém ousaria nomear. Mesmo com as energias caóticas investindo contra a passagem e devorando-a à maneira de anticorpos cósmicos, a vontade do Vigilante não se desviava da criança. 

    A adaga branca estava quase completamente desfeita agora, apenas um cabo translúcido restando de sua forma original.

    Harley se levantou lentamente. Seus joelhos protestaram, uma semana de imobilidade forçada depois de anos de treinamento intenso deixava o corpo inquieto. Músculos acostumados à ação constante reclamavam da inatividade.

    Apesar de tudo, seus olhos nunca se afastaram do portal. Ou a adaga azul que pulsava com força própria, como se respirasse sob seus dedos.

    O Vigilante inclinou a cabeça, examinando não apenas o corpo à sua frente, mas percebendo no silêncio do menino uma armadura invisível. Quando falou, sua voz se insinuou diretamente na mente do garoto:

    — Você está pronto para deixar essa prisão?

    NOTA AO LEITOR:

    📢 LEITOR, CUIDADO: VOCÊ ESTÁ ENTRANDO EM TERRITÓRIO DE TRAVESSÕES EM LIBERDADE.

    Eles aparecem no meio do pensamento. No meio da fala. Às vezes parecem substituir vírgulas. Mas não se assuste, é tudo técnica.

    🔍 Como funciona este estilo literário (ou esse caos organizado):

    • Pensamento:
      Sempre entre aspas e separado por travessões se tiver pausa narrativa.
      “O que eu tô fazendo aqui?” — pensou, suando mais que o normal — “Até o garçom parece saber que eu sou uma fraude.”
    • Fala:
      Começa com travessão, tem pontuação emocional na frente e não pontua o narrador no meio.
      — Isso foi genial! — disse, com um sorriso que não convencia nem ele mesmo — Ou talvez só muito estúpido…

    📌 E por que essa pontuação fora da norma culta?

     Porque a emoção vem primeiro. Se o personagem grita, pensa ou sussurra algo desesperadamente, você vai sentir.

    A pontuação vem para marcar como se ouvisse o personagem pensar ou falar, não para agradar gramáticos mortos.

    A parte “— disse tentando parecer calmo” não precisa de vírgula. Ela só tá ali passando informação. O drama já foi.

    📱 Ah, sim:

    • Parágrafos curtos: leitura mais fluida no celular.
    • Sem margem no início: estética limpa.
    • Vírgula onde faz sentido emocional: ritmo acima da regra.

    Sobre a história, os mundos existentes, personagens, romance, se é uma história de cultivo, ficção científica ou envolve sistemas, e se há magia, encontrarão respostas detalhadas nos comentários abaixo:

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