Capítulo 02 - O destino se revela
Cinco anos depois
O Salão de Pedra do Clã Dragões de Sangue ecoava com o som de passos. Darak, líder do clã mais temido do Continente das Terras Esquecidas, caminhava entre os pilares negros que sustentavam o teto cavernoso.
Cada pilar estava esculpido com símbolos arcanos, não como mera decoração, e sim como cicatrizes de batalhas vencidas. Runas de poder arrancadas dos crânios de inimigos derrotados, gravadas na pedra ainda quente de sangue recém-derramado.
A história do clã estava escrita em morte e conquista, cada símbolo, um testamento de supremacia forjada na brutalidade.
O trono aguardava no centro do salão. Forjado das coroas e armas de clãs extintos, era mais que assento de poder, era monumento ao genocídio sistemático. Metais preciosos de linhagens mortas fundidos em forma única, cada fragmento carregando o eco das almas que um dia os usaram com orgulho.
Mas Darak não se interessava por sentar esta noite. Alguma coisa estava errada no ar. A pressão era familiar.
As tochas tremularam sem que houvesse vento. Primeiro, o ar estremeceu leve, miragem quase imperceptível, depois explodiu em força, realidade cedendo a uma vontade superior. As sombras nas paredes se alongaram contra toda lógica da luz, esticando-se tal qual dedos famintos tentando tocar algo além do alcance mortal.
Um frio cortante preencheu o espaço, e então:
Ele surgiu.
O Mestre Arcano com uma adaga azul em sua mão, materializou-se no ar, flutuando três palmos acima do chão de pedra polida. Sua forma oscilava entre o etéreo e o tangível, refletindo uma hesitação da própria realidade em defini-lo completamente. Era menos presença física que conceito armado, a ideia de autoridade tomando forma apenas tempo suficiente para dar ordens.
Apesar de fundos e cansados, os olhos azuis ainda continham a vastidão do abismo entre mundos. Prenderam-se ao líder do clã Dragões de Sangue com a intensidade de quem examina ferramenta antes do uso crucial.
Darak sentiu a presença o envolvendo, um eco sem voz que repercutia em seus ossos. Quarenta anos liderando os Dragões de Sangue, cinquenta vitórias sobre clãs rivais, incontáveis mortes ordenadas por seu comando, nada disso importava diante desta força cósmica.
O universo continuou comprimindo-se ao redor dele, tornando cada respiração um esforço consciente. O ar ampliava a densidade, fazendo seus pulmões trabalharem contra resistência sobrenatural.
Os ensinamentos ancestrais surgiram em sua memória, transmitidos de geração em geração, avisos sagrados que não podiam ser ignorados:
“Quando os Vigilantes descem, a mudança é inevitável. Resta apenas escolher se será ferramenta ou obstáculo.”
Curvando-se lentamente, reconhecendo instintivamente que estava diante de força que poderia apagá-lo da existência com um pensamento casual, perguntou com voz carregada de reverência genuína:
— O que o grande Vigilante deseja?
A forma etérea se solidificou ainda mais, e a voz que emanou dele ganhou tom de comando direto. O tempo de sutilezas chegara ao fim. Apenas a obediência importava.
— Darak! Venho com instruções.
O velho guerreiro tornou-se mais ereto, a mão instintivamente buscando a empunhadura da espada ancestral. Não por desafio, tal ideia seria suicídio elaborado, mas precisava conter o tremor que ameaçava percorrer seus dedos, peste emocional que se alastrava.
A voz do Vigilante assumiu a qualidade de lei natural sendo decretada, tornando claro que ele não dava ordens. Apenas revelava o que já estava escrito no tecido da realidade.
— Você dizimará o Clã Adaga Arcana. — pausa calculada, permitindo que o peso das palavras assentasse — As crianças que mantêm em jaulas, moldadas pelo isolamento e pela dor… você as trará para seu clã. Elas serão seus novos recursos.
Darak franziu o cenho, processando as implicações. O Clã Adaga Arcana era lembrado pelos métodos cruéis de treinamento de seus filhos.
Que serventia teria esse tipo de soldado fragmentado para os Dragões de Sangue?
Uma satisfação quase palpável emanou da figura encapuzada, como se tivesse finalmente alcançado a parte do plano que mais lhe agradava. A manipulação mais refinada de seu jogo multidimensional estava por ser revelada.
— Essas crianças são precisamente o que você necessita. Cada uma carrega dentro de si uma fera interior faminta, e sua fúria ainda permanece adormecida.
O Vigilante flutuou mais alto, sua presença se expandindo até preencher cada centímetro do salão:
— Você as submeterá ao seu regime. Explorará suas capacidades até o limite absoluto, pressionará até que se quebrem… ou se transformem nos escudos vivos mais eficazes que seu clã já possuiu.
A mente de Darak recebeu as palavras tal qual ferro em brasa marcando a carne. A visão começou a se formar: órfãos do Clã Adaga Arcana, já condicionados à dor, sendo refinados pelos métodos marciais superiores dos Dragões de Sangue. Não seriam apenas soldados. Seriam ferramentas perfeitas, armas que pensavam, mas não questionavam.
Darak deu um passo adiante, absorvendo cada nuance da estratégia. Crianças já despedaçadas, destinadas a ressurgir transformadas em armas vivas sob sua liderança. A economia era perfeita, por que desperdiçar guerreiros experientes quando possuía matéria-prima já condicionada ao sofrimento?
— E se se rebelarem? — a pergunta deslizou num murmúrio involuntário, carregando a rouquidão de quem conhece os riscos da ambição.
O Vigilante flutuou mais próximo, sua presença dominando o salão tal qual força gravitacional invisível. Quando falou, havia algo semelhante a um sorriso em sua voz:
— Você as esmagará com a mesma autoridade que as moldou.
Flutuando ainda, o ser dimensional continuou:
— Elas desconhecem, mas seus destinos já foram traçados. — a voz assumiu tom quase profético — Harley… Ele será a peça central de tudo.
O nome ecoou pelo salão, trazendo a sensação de uma premonição sombria. Darak não ousou questionar, embora a curiosidade queimasse em sua mente.
O nome Harley nada significava para ele neste momento, porém sentia instintivamente que não precisava compreender todos os aspectos do plano divino. Apenas cumprir sua parte na engrenagem maior. Finalmente, tomando coragem, perguntou com sua ambição já fervendo em suas veias:
— Quando devo começar?
O Mestre Arcano começou a se dissolver, as bordas de sua forma se desfazendo em espirais de sombra e luz azul, pronunciando-se pela última vez:
— Agora!
Com um movimento que pareceu dobrar o próprio espaço, o Vigilante desapareceu completamente. O salão voltou à temperatura normal, as sombras retornaram a seus lugares naturais, mas o eco de poder permaneceu vibrando nas pedras antigas como promessa e ameaça combinadas.
Darak permaneceu saboreando o peso da revelação. O poder cósmico o havia escolhido, transformando-o em instrumento de mudança universal. Depois, virou-se para o trono de coroas fundidas e sorriu: um sorriso repleto da fome fria de quem acabara de receber permissão para saciar apetites há muito contidos.
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