Capítulo 02 - O Mestre Arcano
“Na solidão, o guerreiro encontra a si mesmo. É na ausência dos outros que a verdadeira força emerge, forjada pelo fogo da introspecção.”
— Reflexões do Clã Adaga Arcana, Capítulo 3, verso 12.
Seus olhos piscavam repetidamente, o coração batendo com força à medida que a escuridão sufocante da jaula era banhada por uma luz azulada. Exaurido até o limite, Harley se questionava se tudo aquilo não passava de uma alucinação provocada por seu corpo esgotado.
Fechou os olhos por um instante, tentando afastar a sensação de vertigem. Ele se lembrou de como, após tantas pancadas e golpes durante os treinamentos, não era incomum ver estrelas dançando na escuridão ou até mesmo adversários duplicados, suas formas se fundindo e distorcendo à sua frente.
Sua mente cansada sempre tentava enganá-lo, criando ilusões quando o corpo não aguentava mais.
“Será que a luz azul não passava de outra alucinação?” — pensou Harley, a exaustão pesando em seus ombros, enquanto sua mente, desgastada, parecia fabricar visões para poupá-lo da escuridão opressiva da jaula.
Ele voltou a encarar o portal rasgado na realidade, a luz azul irradiando uma força sobrenatural que quase o cegava. Sua mente exausta lutava para compreender o que via, enquanto os sussurros que o perseguiam nas noites sombrias ecoavam mais fortes, porém com uma nova promessa, sedutora e irresistível.
A fronteira entre sonho e realidade estava desmoronando, e, por um breve instante, Harley já não sabia se estava desperto ou aprisionado em um pesadelo sem fim.
O garoto piscou novamente, fixando o olhar naquela figura flutuante, envolta em sombras e poder. A entidade pairava acima dele, seu olhar penetrante fixo em Harley como se pudesse ver através de sua alma.
O portal cintilava com a promessa de algo mais, algo além da prisão de ferro que conhecia. O poder que emanava da adaga azul parecia rasgar a própria essência da realidade, oferecendo uma saída.
Instintivamente, seu corpo respondeu antes que sua mente pudesse processar. Harley balançou a cabeça afirmativamente, em um gesto quase involuntário. Talvez fosse apenas o desejo inconsciente de algo diferente, uma fagulha de esperança que ainda restava dentro dele. Ele não sabia ao certo se aquilo era real ou uma criação de sua mente, mas mesmo assim, ele aceitou.
A entidade, observando tudo com um olhar de deidade distante, não esperou mais. Deslizou para dentro do portal, desaparecendo em um lampejo de luz azul que se dissolveu no ar frio da noite.
7 anos depois…
O Salão de Pedra do clã Dragões de Sangue era uma visão opulenta e imponente. Pilares negros, esculpidos com símbolos arcanos e gravados com runas de poder antigo, sustentavam o teto cavernoso. O ar ali era denso, carregado de uma atmosfera de poder e autoridade absoluta.
Com um manto dourado fluindo sobre seus ombros, o líder dos Dragões de Sangue repousava em um trono forjado a partir das coroas de clãs destruídos, símbolos silenciosos da ruína e submissão que ele impôs a seus inimigos.
De repente, o ar começou a ondular. As sombras nas paredes do salão se alongaram, e a luz das tochas pareceu vacilar. Um frio cortante preencheu o espaço, e então, uma presença surgiu: O Mestre Arcano.
A figura materializou-se no ar, flutuando levemente acima do chão. Sua forma era etérea, mas inegavelmente poderosa. Seus olhos, brilhando com um azul profundo, cravaram-se no líder do clã Dragões de Sangue.
O velho homem sentiu a presença como um trovão silencioso, reverberando em sua alma antes que seus olhos ousassem erguer-se. O ar ao redor estava denso, como se o universo estivesse reunido em uma força esmagadora, comprimindo sua respiração.
Ele já sabia quem era; os ensinamentos ancestrais não o haviam preparado o suficiente para esse momento. Curvando-se lentamente, com a voz carregada de temor, perguntou:
— O que o grande Deus deseja?
— Darak — a voz do Vigilante ecoou pelo salão, uma mistura de comando e profecia. — Eu venho com ordens que seu clã deve seguir, sem questionamento.
O líder dos Dragões de Sangue levantou-se lentamente, segurando a empunhadura de sua espada. Ele não ousou falar, apenas fitou o ser flutuante com uma reverência temerosa.
— Você dizimará o clã Adaga Arcana — declarou o Vigilante, sem emoção, como se sua palavra fosse a própria verdade — As crianças que eles mantêm em jaulas… você as trará para o seu clã.
Darak franziu o cenho, confuso, mas manteve-se em silêncio, atento às instruções.
— Essas crianças são o que você precisa — continuou o Vigilante, sua voz reverberando nas paredes — Elas foram forjadas na dor, moldadas pela pelo isolamento. Cada uma delas carrega a fera interior do seu próprio sofrimento, mas elas ainda não são indomadas. Você as submeterá ao seu regime, explorando até o limite suas capacidades, até que quebrem… ou se tornem escudos vivos para o seu clã.
As palavras do Mestre Arcano eram como aço sendo cravado na mente do velho líder. A ideia de moldar aquelas crianças abandonadas, de transformar os órfãos do clã Adaga Arcana em ferramentas de guerra, agradava à sua ambição.
— Elas serão suas ferramentas mais letais, suas armas mais precisas. A dor as forjou, mas ainda podem ser dobradas à sua vontade. Poderão ser exploradas ao máximo, servindo em tarefas menores e realizando o trabalho que seu clã despreza. Elas são o seu recurso bruto, suas feras a serem controladas.
Darak deu um passo à frente, absorvendo cada palavra. A promessa de mais recursos oferecido pelo Deus o encantava. Crianças moldadas na solidão extrema, seres que, quando domados, poderiam ser a proteção impenetrável de seu clã. Elas não seriam apenas servos. Seriam armas.
— E se elas se rebelarem? — Darak perguntou finalmente, sua voz grave quase inaudível como um sussurro que escapou involuntariamente.
O ser flutuou levemente para mais perto, sua figura dominando completamente o salão.
— Você as esmagará com a mesma mão que as moldou. Elas foram feitas para suportar dor, para sobreviver ao inimaginável. Mas como todas as coisas quebráveis, se não forem fortes o suficiente, você encontrará seu limite. Elas não são diferentes de você. Se forçam o bastante, podem se tornar feras indomáveis, ou morrerão no processo. De qualquer forma, seu clã sairá vitorioso.
Darak permaneceu em silêncio por um longo momento. O plano começava a fazer sentido em sua mente. Ele imaginou as crianças sendo moldadas como ferro quente, batidas e pressionadas até adquirirem a forma perfeita de guerreiros subjugados. Eles seriam escudos de carne, instrumentos de poder bruto que fariam seu clã invencível ou no pior da hipóteses, servos sugados até o último pingo de forças.
— Elas não sabem, mas o destino já foi traçado — a voz do Vigilante se suavizou levemente — Harley… ele será a chave. Se sobreviver à dor, poderá se tornar muito mais do que uma ferramenta para o seu clã.
Darak não questionou. Ele não sabia quem era Harley, mas sentiu que não precisava saber. Apenas precisava seguir as ordens, pois o destino estava, mais uma vez, fora de seu controle.
Com um movimento súbito, o Mestre Arcano desapareceu em um turbilhão de sombras e luz, deixando Darak sozinho com sua ambição crescente.
A guerra havia sido declarada.
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ANEXO:
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