Capítulo 03 - Três anos depois
“O conhecimento dos antigos é uma lâmina afiada, pronta para cortar a escuridão da ignorância. Todo guerreiro deve empunhar sua rede com sabedoria.”
— O Livro das Marés, Manuscrito IV.
No coração de um cenário de rivalidades e conspirações, a Biblioteca das Marés permanecia intocada, um santuário sob o controle do Clã Dragões de Sangue. Entre seus corredores silenciosos e solenes, onde o tempo parecia não ter significado, Harley Ginsu, com 1,70 metros, destacava-se.
Seu físico moldado pela adversidade contrastava com a serenidade daquele local antigo e misterioso, um santuário de sabedoria onde apenas uma pequena parte do clã ousava se aventurar além das palavras escritas nos pergaminhos.
A biblioteca era um símbolo de poder para o Clã Dragões de Sangue. Suas prateleiras, forjadas de uma madeira escura e antiga, abrigavam pergaminhos, papiros e escritos que continham segredos ancestrais.
Muitos diziam que aquele lugar havia sido construído junto com a formação da ilha, mas ninguém aparentemente tinha a resposta exata ou definitiva.
A biblioteca, para Harley, significava muito mais do que simples paredes cheias de livros. Longe da brutalidade constante do exterior, ele experimentava ali um contraste profundo com o ciclo repetitivo e fechado de sua formação em sua infância.
A avalanche de conhecimento disponível era, para ele, uma surpresa constante: uma inundação de novas perspectivas que desafiavam as verdades limitadas com as quais ele havia sido criado.
Ele agora vestia uma túnica curta, prática e leve, e uma calça preta flexível, que facilitava seus movimentos. Em vez do cinto tradicional, usava um cordão preto, uma escolha proposital que fazia referência ao seu antigo clã, a Adaga Arcana.
Era um símbolo pequeno, mas importante, que carregava consigo a memória de seu passado, uma resistência silenciosa à opressão de seu novo lar.
A mochila marrom, desgastada e resistente, pendia de suas costas como uma sombra silenciosa de seu passado. Dentro dela, havia livros da biblioteca e pedaços de sua identidade: o amuleto que sua mãe deixara, entregue por seu pai antes de desaparecer; o mapa queimado que traçava caminhos que ele jamais poderia seguir.
E então havia os bolsos vazios, não apenas lacunas físicas, mas símbolos daquilo que sua vida deixara de ser — os espaços ausentes onde memórias e esperanças deveriam estar, agora substituídos pelo vazio constante da rotina.
Cada objeto era uma âncora ao que ele foi, enquanto o vazio era um eco do que ele temia perder para sempre.
A tranquilidade da biblioteca era quase desconcertante para Harley, um contraste gritante com seu começo no clã Dragões de Sangue. Desde sua chegada, ele havia sido submetido a maltratos e um regime de treinamento extremo, embates que o jogavam constantemente contra outros jovens, especialmente os de seu antigo clã.
Aqueles três primeiros anos foram pura sobrevivência: ele suportou doses crescentes de dor, testando os limites de seu corpo e sua mente. Tudo parecia ser uma prova de até onde ele poderia aguentar sem quebrar.
Dentro das paredes calmas da biblioteca, ele se perguntava qual seria o verdadeiro motivo por trás de sua transferência repentina para aquele lugar tão atípico.
Aquela sensação de inadequação que sempre o acompanhava parecia se dissipar enquanto Harley organizava os pergaminhos nas prateleiras mais remotas da biblioteca. No entanto, as lembranças da infância retornavam com uma força quase física. Ele revivia os dias antes de seu clã ser destruído, quando seu pai, o implacável líder do Clã Adaga Arcana, o forçava a treinar sem cessar.
A dor que percorria seus braços e pernas a cada movimento repetido ainda parecia viva em sua memória. Sob o olhar atento e exigente do pai, Harley foi moldado.
Agora, finalmente, ele compreendia a razão por trás de cada golpe e bloqueio, vendo o quanto aqueles treinos árduos haviam preparado seu corpo e mente para a sobrevivência no inferno que o clã Dragões de Sangue se tornara.
Com um suspiro pesado, Harley olhou ao redor, permitindo que seus pensamentos vagassem brevemente. A biblioteca não era apenas um lugar de conhecimento, mas de poder. O Clã Dragões de Sangue, que controlava o território, fazia questão de manter a biblioteca sob sua guarda, como uma fortaleza invisível de segredos.
Para eles, o controle do conhecimento era tão importante quanto o controle da força militar. Livros de magia, histórias de guerras antigas, tratados sobre o uso de energia arcana — tudo estava ali, esperando para ser lido e compreendido por aqueles que eram considerados dignos.
Mas Harley não era digno. Pelo menos, não aos olhos dos Dragões de Sangue. Para eles, ele não passava de um servo, uma ferramenta útil para organizar os livros e manter a ordem no espaço sagrado. Um estrangeiro, um prisioneiro, que deveria se sentir grato por estar vivo.
Ele fechou os olhos por um momento olhando para toda aquela estante. Os pergaminhos que ele organizava eram pesados, como se carregassem o peso de todo um mundo que ele ainda não conhecia.
O pensamento de ser apenas um ‘organizador de livros’ o corroía por dentro. Ele havia sido treinado para liderar, para lutar, para proteger, e ali estava, escondido entre as estantes, com suas habilidades sendo corroídas pelo tempo e pelo ódio reprimido.
— Pow!
O som veio antes da dor. Harley sentiu o impacto antes de processar o que estava acontecendo. O soco de Sergio atingiu seu rosto com uma brutalidade que o pegou completamente de surpresa, fazendo com que cambaleasse para trás.
O gosto metálico de sangue se espalhou pela sua boca, enquanto ele tropeçava e batia contra uma estante de livros.
Os volumes antigos caíram ao chão com estrépito, espalhando-se em todas as direções. A poeira levantou-se como uma nuvem, misturando-se ao suor que escorria da testa de Harley. Seus olhos, semicerrados de dor, fitavam Sergio com incredulidade. Ele não esperava aquele ataque. Não ali, não naquele momento.
Os risos ecoaram pelos corredores da biblioteca. Sergio, acompanhado de seus dois aliados, ria com satisfação maldosa. Para eles, aquilo era um jogo, uma demonstração de poder, uma forma de humilhar o jovem estrangeiro.
Eles sabiam que Harley não tinha permissão para revidar, e usavam isso a seu favor. Ele era um servo, um prisioneiro de guerra, uma sombra do que já fora.
— Covarde — disse Sergio, sua voz cheia de desdém enquanto se aproximava, um sorriso frio desenhado em seu rosto — Sempre se escondendo entre os livros como um rato.
Harley levou a mão ao rosto, sentindo o gosto do sangue e a dor latejante que agora irradiava por sua mandíbula. Mas ele não respondeu. Não com palavras, pelo menos. As palavras seriam inúteis contra alguém como Sergio.
O que importava era sobreviver. Ele sabia que não podia deixar a raiva tomar conta. Não ali. Cada movimento que ele fazia, cada decisão, tinha que ser calculada. Ele estava ali para se adaptar, para aprender e sobreviver.
Seu corpo estava dolorido, mas sua mente estava afiada. Ele podia sentir a tensão crescendo. Não era a primeira vez que enfrentava aquele tipo de situação, e não seria a última. Sabia que não podia retaliar com toda a sua força. Não ainda.
Sergio era uma ameaça, mas a verdadeira batalha ainda estava por vir. E para essa, ele precisava estar preparado.
ANEXO:
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