Capítulo 04 - O peso da fúria silenciosa
“Os maiores guerreiros não são aqueles que controlam o campo de batalha, mas os que controlam a si mesmos. A fúria, quando canalizada, se torna uma arma mais afiada do que qualquer lâmina.”
— O Código do Guerreiro Solitário, Verso 25.
Os outros dois jovens, filhos de figuras proeminentes do clã Dragões de Sangue, cercaram-no. Um deles brandia uma barra de madeira improvisada, enquanto o outro sorria, divertido com a situação. A biblioteca, que antes parecia um refúgio, agora se tornava uma armadilha.
Harley já conhecia o jogo. Não podia retaliar com toda sua força. Se causasse muitos danos aos jovens, as consequências seriam terríveis para ele: confinamento, atribuições de serviços mais degradantes, punições severas com ferimentos graves, talvez até uma sessão pública de tortura, como exemplo para os outros na mesma posição. Ele sabia o que acontecia com aqueles que se destacavam negativamente.
— Whoosh!
Ele se abaixou rapidamente, desviando do próximo golpe em um movimento fluido, enquanto a barra de madeira cortava o ar horizontalmente, passando perigosamente rente à sua cabeça.
Era um treinamento involuntário, mas real. Cada encontro com Sergio e seus amigos era uma oportunidade para melhorar suas técnicas de combate. Os roxos, as contusões, faziam parte de um aprendizado maior.
O jovem Ginsu sabia que a complacência seria sua ruína; suas habilidades precisavam permanecer tão afiadas quanto a lâmina de uma navalha. O desafio era equilibrar suas respostas, retaliar sem destruir.
Outro dos jovens avançou, desta vez com um chute voador. Harley girou o corpo com precisão, desviando do ataque, e no momento em que o oponente passava por ele, aproveitou o impulso para segurar sua cintura.
Num único movimento contínuo, utilizou a própria força do adversário para projetá-lo em direção à estante de livros. O impacto foi o suficiente para derrubá-lo, mas foi medido para não causar ferimentos graves. Controlar a força era essencial; ele não podia atrair atenção indesejada.
— Ele está se esquivando de novo — gritou um dos rapazes, frustrado pela falta de sucesso.
Harley acompanhou o adversário se erguendo, ainda abalado pela força do golpe. Seus olhos estudavam cada movimento enquanto os oponentes se reuniam para o próximo ataque. Com frieza, ele permaneceu calmo, já antecipando os próximos passos e esperando o momento certo para agir.
Ele sabia que, se continuasse por muito tempo, sua estratégia de evitar golpes e contra-atacar moderadamente se tornaria insustentável. Sergio observava à distância, os braços cruzados, ainda mantendo uma aura de confiança.
No entanto, o controle da situação claramente não estava mais a seu favor. A irritação de Sergio começava a se manifestar em olhares cada vez mais inquietos.
Sem perder tempo, Harley pegou um dos livros caídos no chão e o arremessou em direção a um dos candeeiros que iluminavam a biblioteca. O objeto voou em linha reta.
— Puff! — O livro atingiu em cheio a chama, apagando-a num instante, enquanto a escuridão se espalhava pela biblioteca.
— Ele está se escondendo de novo! — um dos jovens gritou, os olhos arregalados, tentando enxergar através da penumbra crescente.
— Eu cuido da porta — ordenou o filho do Líder do Clã Dragões de Sangue — O restante, avance! Vamos ver se ele realmente consegue desaparecer no ar.
— Vão achá-lo! — repetiu Sergio, sua voz carregada de frustração e impaciência. O fervor em seus olhos revelava a crescente raiva diante da situação.
Mas Harley não estava se escondendo. Ele estava em seu elemento. Movendo-se como parte das sombras entre as prateleiras, seus passos silenciosos, sua respiração controlada.
A escuridão o abraçava como uma velha amiga, e ele sabia exatamente como usá-la a seu favor. Desde criança, havia sido moldado para se tornar parte das sombras, a se fundir com elas, observando e se movendo de forma imperceptível, como um fantasma à espreita.
Anos de treinamento árduo em seu clã desde a infância o haviam moldado para esse momento, e agora ele refinava suas habilidades com precisão. Era como se cada passo calculado fosse um eco de seus ensinamentos passados, o que o fazia se sentir em controle da situação.
Enquanto os dois jovens avançavam com cautela, o cerco a Harley se fechava. Eles diminuíam o raio de ação, encurralando-o cada vez mais em um dos cantos escuros da biblioteca. Sérgio, impaciente, começava a perder o controle.
— Mais rápido, ele está escondido atrás de alguma estante! — resmungou, os olhos atentos, varrendo todas as direções.
Oculto nas sombras, Harley seguia cada movimento de seus inimigos com precisão. Ele sabia que não podia enfrentá-los diretamente. Mas seu objetivo não era derrotá-los: era sobreviver. Cada vez mais, a escuridão da biblioteca parecia se fundir com seus pensamentos, como se ele e o ambiente fossem um só.
Quando Eder chegou perto o suficiente, Harley emergiu das sombras com rapidez e acertou um golpe certeiro no diafragma. O rapaz caiu ao chão, ofegante, com o rosto contorcido de dor, lutando para recuperar o fôlego enquanto a respiração vinha em curtos e difíceis arquejos.
Sem hesitar, Harley usou o corpo caído como trampolim, pisando sobre ele para alcançar a janela alta de uma das paredes.
“Era agora ou nunca” — decidiu Harley, com a determinação firme em seus olhos.
Com um salto ágil, se lançou pela janela, sumindo na escuridão da noite. O ar frio invadiu seus pulmões enquanto ele aterrissava do lado de fora. Estava exausto, mas ainda tinha força o suficiente para continuar fugindo. Ele sabia que Sergio e os outros não demorariam a segui-lo.
Harley correu pelo clã, seus pés fazendo pouco barulho enquanto ele se esgueirava pelos cantos mais sombrios. Sabia exatamente onde pisar, conhecia os pontos cegos e as rotas de patrulha dos guerreiros que vigiavam a área à noite. Sua mente trabalhava em alta velocidade.
Enquanto corria, memórias de seu clã destruído invadiram sua mente. Lembranças de quando tudo era diferente, quando ainda tinha uma casa, um clã próprio. Sua família havia sido dizimada.
Seu pai, o líder do Clã da Adaga Arcana, desaparecera de forma misteriosa. Ele fora capturado, separado de seu irmão e jogado em um mundo onde agora era apenas um servo.
Essas memórias o perseguiam constantemente, assim como agora Sergio e seus aliados o caçavam. Perambular pelo clã à noite era proibido, especialmente para servos e sem autorização, mas esse era o jeito de Harley resistir às imposições do Clã Dragões de Sangue.
Cada passo que dava parecia ecoar os gritos do passado, lembrando-o das batalhas que dizimaram sua família. A dor o corroía, mas era também o que o mantinha em movimento, sua maneira de continuar vivo e lutar, mantendo a esperança por dias melhores.
Ele encontrou um pequeno beco sem saída, cercado por sombras. Parou por um instante para recuperar o fôlego, encostando-se à parede de pedra fria. Seus pulmões ardiam, mas ele precisava continuar em silêncio. Os passos de seus perseguidores ecoavam ao longe, mas ele sabia que logo estariam próximos de novo.
O frio da noite parecia envolver sua mente em um torpor, mas as lembranças e a necessidade de escapar o forçavam a permanecer alerta. Seu pai o ensinara a sobreviver em situações impossíveis. Agora, ele precisava transformar o caos em ordem, o desespero em ação.
Com a respiração mais controlada, Harley observou as sombras à sua frente e tomou uma decisão. Não podia mais fugir para sempre. Era hora de mudar a dinâmica do jogo.
ANEXO:
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