Capítulo 05 - Entre sombras
“A dor ensina em silêncio, sua mão invisível moldando o espírito. Somente aqueles que a abraçam, sem se deixarem quebrar por ela, podem tocar o ápice da grandeza.”
— Sussurros das Sombras VI, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
Harley parou por um momento, ofegante, escondendo-se atrás de uma das grandes estátuas que decoravam o pátio externo do clã. O ar gelado da noite envolvia sua pele suada, e a pedra fria da estátua parecia absorver seu cansaço, embora não pudesse aliviar a exaustão que tomava conta de seus músculos.
Ele sabia que não poderia descansar por muito tempo. O som metálico das armaduras das patrulhas noturnas ecoava ao longe, mas o perigo estava sempre mais próximo do que parecia.
Cada patrulheiro seguia uma rota específica — algo que Harley memorizara após inúmeras noites de observação cuidadosa. Esse conhecimento era seu único trunfo agora. Sabia onde pisar, quando se mover e quando congelar no lugar.
Mas hoje, seu corpo protestava mais do que o normal. Suas pernas ardiam. A luta de mais cedo havia sido mais brutal do que ele esperava. Sergio e seus amigos estavam mais determinados a derrubá-lo naquela noite.
Harley tentou controlar a respiração, que vinha em arquejos irregulares, e sentiu o peito apertado com o frio cortante da noite. O ar que entrava em seus pulmões era gélido, como uma lâmina atravessando sua garganta. Sabia que precisava continuar, mas o cansaço pesava como uma âncora invisível.
As noites eram sua única chance de se preparar, de praticar o que seu corpo havia aprendido na infância. Durante o dia, estava preso à monotonia da biblioteca, mas ali, na escuridão, longe daquelas prateleiras empoeiradas, ele se movia como fora treinado a vida inteira.
Quando fechou os olhos por um momento, Harley sentiu a solidão envolver-lhe o coração como uma velha amiga. Desde sua infância no clã da Adaga Arcana, ela sempre estivera ao seu lado, e após a destruição de tudo que conhecia, tornou-se a única companhia constante em sua vida.
A solidão nunca foi uma inimiga, mas uma sombra silenciosa que o acompanhava. E, às vezes, Harley se perguntava se sua jornada seria sempre assim: uma travessia interminável, sozinho, de batalha em batalha.
Assim como antes, ele não tinha outra opção a não ser seguir em sua luta silenciosa pela sobrevivência. Ser descoberto significaria enfrentar consequências inimagináveis, e ele já testemunhara o destino brutal reservado àqueles que ousavam desafiar as regras.
— Eu não posso ser pego — murmurou para si mesmo, a voz quase inaudível no vento.
O som de passos interrompeu seus pensamentos. Sergio e seus aliados estavam mais perto do que ele imaginava. Ele sentiu a adrenalina tomar conta de seu corpo, forçando-se a reagir. Não havia tempo para hesitação. Ele se moveu rapidamente, deslizando pelas sombras, desaparecendo entre os corredores mal iluminados do clã.
A cada noite, ele refinava suas habilidades, conquistando maior controle sobre cada movimento. Não enfrentava apenas seus inimigos, mas também seus próprios limites — uma batalha silenciosa contra a fraqueza e o cansaço que buscavam consumi-lo.
Quando finalmente parou, longe dos sons de seus perseguidores, seus pensamentos vagaram para o passado. Mas não por muito tempo. Risadas zombeteiras ecoaram no ar, e ele reconheceu de imediato: Sergio e seus aliados estavam próximos novamente. Harley abriu os olhos, ainda cansado, mas com a mente afiada. Não havia mais tempo para descanso.
Ele se levantou, os músculos protestando a cada movimento, e começou a se mover silenciosamente pelos clã. Cada passo calculado, cada respiração controlada. Ele não estava fugindo; estava se preparando. Sergio era insistente, mas Harley conhecia as sombras como ninguém.
Poucos minutos depois, ele ouviu novamente as vozes de seus perseguidores. Eles estavam mais perto do que o esperado, e desta vez não havia sombras o suficiente para desaparecer. Era tarde demais para fugir. Ele teria que lutar novamente.
Sergio apareceu de repente, bloqueando seu caminho, o sorriso arrogante estampado no rosto.
— Achou que poderia nos enganar de novo? — cuspiu Sergio, sua voz cheia de desprezo — Desta vez, você não vai escapar. Eu vou saborear cada segundo enquanto acabo com você, lentamente..
Harley respirou fundo. O cansaço pesava em seus músculos, mas ele sabia que não podia hesitar. Seu corpo já estava pronto, os reflexos condicionados pelo treinamento de uma vida. Ele não precisava pensar; apenas agir.
Sergio avançou primeiro, desferindo um soco direto. Harley desviou com agilidade, movendo-se como uma sombra viva. Os movimentos de defesa fluíam automaticamente.
Um dos outros jovens tentou acertar uma rasteira, mas Harley saltou, esquivando-se no ar, e quando pousou, girou o corpo com precisão, desferindo um golpe no estômago do agressor.
O rapaz caiu de joelhos, ofegante, enquanto Harley já se preparava para o próximo movimento. Cada golpe era calculado, cada ação meticulosamente controlada. Ele não podia se dar ao luxo de errar.
— Agarrem-no! — rugiu Sergio, a raiva evidente em cada palavra.
Outro jovem avançou, desta vez com um bastão de madeira. Harley desviou para o lado, num movimento ágil, e rapidamente desferiu um chute giratório preciso, atingindo a lateral da cabeça do atacante.
— Pum! — O impacto veio com uma força que Harley não esperava, e a dor pulsou imediatamente, diferente dos outros golpes. Ele tropeçou para trás, sentindo cada fibra de seu corpo gritar em protesto. Este golpe não passaria despercebido.
O céu começou a clarear. Os primeiros raios de sol despontavam no horizonte, tingindo o céu de laranja e púrpura. A chegada do amanhecer trouxe um momento de pausa. Sergio hesitou por um instante, os olhos ainda cheios de fúria, mas a luz crescente parecia sugerir o fim da luta. Nenhum deles queria continuar à luz do dia.
— Hoje você durou mais — disse Sergio, com um sorriso de desprezo, enquanto dava meia-volta e começava a se afastar com seus companheiros — Amanhã, talvez eu te quebre.
Harley não respondeu. Sua mente já estava longe dali. Ele precisava voltar à biblioteca e terminar suas tarefas antes que alguém percebesse que ele havia estado fora durante a noite.
O jovem correu de volta à Biblioteca das Marés, seus passos rápidos e silenciosos. Quando chegou, a biblioteca ainda estava fechada, e ele sabia que tinha apenas alguns minutos para arrumar tudo antes que os outros membros do clã aparecessem para começar o dia.
Seu corpo estava exausto, mas ele não podia se dar ao luxo de descansar.
A biblioteca era seu único refúgio, mas também sua prisão. Cada hora de sono que ele sacrificava para treinar à noite era um passo a mais para sua libertação. Ele sabia que não poderia ficar ali para sempre. Mas, por enquanto, sobreviver era o suficiente.
O sol iluminava o ambiente quando ele terminou de organizar os livros. Ele sabia que o responsável pela biblioteca chegaria em breve e lhe daria mais tarefas para o dia. Sem perceber, Seu corpo finalmente cedeu ao cansaço, e ele adormeceu ali, entre os livros, esperando que, pelo menos por um breve momento, pudesse encontrar algum tipo de paz.
ANEXO:
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