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    “Olhe para o passado, pois nele estão as raízes que sustentam a árvore do presente. O respeito pelas tradições e técnicas ancestrais fortalece a alma do guerreiro.”

    Sussurros das Sombras I, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.


    Harley finalmente conseguiu despistar o grupo de perseguidores. A noite caía sobre as Terras Esquecidas, e a densa floresta se envolvia em uma escuridão inquietante. Os sons mudavam gradualmente, o dia se transformava em noite, e criaturas noturnas emergiam, compondo uma sinfonia sombria que ecoava a tensão crescente no ar.

    O coração de Harley Ginsu pulsava com força. Um dos últimos sobreviventes de seu clã, ele continuava a correr entre as árvores deformadas e arbustos espinhosos. Cada batida do coração era um lembrete de que ele não podia parar. O tempo parecia persegui-lo, faminto como um predador à espreita.

    A floresta era seu refúgio, sua aliada. Ele conhecia cada raiz exposta, cada espinho traiçoeiro. Movia-se com a precisão de um animal selvagem, nascido naquele ambiente hostil, desviando de obstáculos com uma agilidade instintiva.

    Quando a vegetação finalmente começou a se abrir, uma nova onda de emoções o atingiu. Ao longe, avistou o que restava de sua antiga vila. As árvores espinhosas deram lugar a uma clareira devastada, um pedaço de terra marcado por cicatrizes profundas. 

    Aquele lugar, um dia seu lar, agora era apenas um campo de destroços carbonizados, cercado pela vida selvagem que o engolia pouco a pouco.

    O coração de Harley apertou. A destruição de sua vila era uma ferida antiga, reaberta com um golpe cruel. Para as aves que sobrevoavam a região, sua terra natal parecia uma cicatriz no coração da floresta: um círculo de cinzas e carvão, desprovido de vida, em contraste com o verde vibrante que a cercava. As chamas haviam consumido tudo, exceto as sombras de seu passado.

    Por um breve momento, Harley quase sucumbiu à vontade de parar. As perdas do passado pesavam sobre ele, como se cada passo o levasse de volta àquele momento devastador. Mas não havia espaço para lamentos. A sobrevivência exigia movimento, e o tempo para lamentar nunca chegava. A necessidade de viver sempre o empurrava para frente.

    Dez horas haviam se passado desde o início da prova, e a fome agora era uma companheira implacável. Ele sabia que a Floresta de Espinhos era traiçoeira — encontrar alimento era arriscado, e muitos dos frutos e ervas eram venenosos sem o devido preparo. Mas parar para comer estava fora de questão.

    Seus olhos captaram um movimento. Entre as raízes de uma árvore, uma passagem escondida surgiu como uma oportunidade inesperada. Ele se abaixou e seguiu por ela, mergulhando ainda mais profundamente na escuridão da floresta.

    O caminho era estreito, quase impossível de atravessar para alguém que não conhecesse a área tão bem quanto Harley. Finalmente, emergiu em um refúgio secreto — um esconderijo que, milagrosamente, havia escapado das chamas que consumiram sua vila.

    Ali, ao seu alcance, estavam as relíquias de sua família. Objetos preciosos que guardavam memórias de um tempo há muito perdido. Manuscritos antigos e pergaminhos cobertos de poeira estavam ali, intocados. A dor de sua perda o envolveu como uma sombra, mas Harley não podia ceder à fraqueza.

    Ele se ajoelhou e, pela primeira vez desde que fora forçado a abandonar sua terra natal, permitiu-se sentir. As lágrimas não caíram, mas o nó em sua garganta era sufocante. Sabia que o passado era algo que jamais poderia recuperar. Mas agora, diante dos resquícios físicos de sua antiga vida, percebeu que precisava continuar. A corrida não havia acabado.

    O som distante de fogos de artifício interrompeu seus pensamentos. O tempo estava se esgotando. Mais competidores haviam cruzado a linha de chegada, deixando ainda menos vagas disponíveis. O peso da realidade voltou com força total.

    — Não permitirei que a fraqueza me domine — sussurrou, com uma determinação renovada. A fuga não era mais uma opção.

    Ele se levantou rapidamente, deixando as lembranças para trás. Agora, caçaria seus perseguidores. Enfrentaria o que viesse com a força de quem não tinha mais nada a perder. Não se esconderia mais, nem evitaria as consequências de ser o último descendente de uma linhagem poderosa. Enfrentaria tudo e todos que bloqueassem seu caminho.

    À medida que se aproximava do grupo, sua mente trabalhava freneticamente. Como poderia derrotar cinco competidores violentos e implacáveis? Seus olhos caíram sobre uma pedra no chão, e uma ideia começou a tomar forma.

    Pegou a pedra e a colocou no compartimento vazio de sua mochila, transformando-a em uma arma improvisada. Com passos silenciosos, localizou o grupo que havia ficado para trás, ainda barulhento e desatento.

    Os passos pesados do grupo faziam o chão tremer levemente. Harley sabia que tinha pouco tempo. Com um movimento rápido, ele girou a mochila como uma maça improvisada e a lançou contra o primeiro perseguidor que se aproximava. O impacto foi devastador — a pedra atingiu o rosto do homem, que caiu no chão, nocauteado instantaneamente.

    — Harley voltou! — gritou o líder do grupo, indignado ao ver seu companheiro cair.

    — Eliminem-no! — ordenou um dos outros. A ira era palpável, mas Harley não hesitou.

    A luta começou de forma intensa. Harley girava a mochila com precisão, mantendo os adversários à distância. Cada movimento era calculado. Sabia que não podia permitir que eles o cercassem, então usava o terreno e sua agilidade para se manter sempre em vantagem.

    Desviou de socos, bloqueou chutes e usou a mochila para amortecer golpes. Cada golpe que desferia estava impregnado com anos de treino, suas habilidades lapidadas desde a infância no ambiente hostil da floresta.

    O segundo adversário caiu após um golpe certeiro na lateral da cabeça. Os estampidos dos fogos continuavam ecoando ao longe, lembrando Harley de que o tempo estava correndo.

    A trilha estreita onde se encontrava o impediu de ser cercado, permitindo que enfrentasse os competidores um a um. Seu foco era absoluto.

    Um dos adversários foi empurrado para a vegetação densa de espinhos, e os gritos de dor se misturaram aos ruídos da floresta. O segundo caiu quando Harley acertou sua perna com a mochila, inutilizando-o. Agora restava apenas um.

    O último adversário tentou um ataque desesperado, lançando um chute alto. Harley, com reflexos rápidos, esquivou-se e aplicou uma rasteira, derrubando o homem no chão com um baque surdo.

    Sem perder tempo, Harley desferiu o golpe final com a mochila, acertando o estômago do oponente, que caiu inconsciente no chão. A respiração ofegante de Harley era o único som que restava. Os fogos ao longe lembravam que ele ainda estava em uma corrida mortal.

    Com um último olhar para os adversários caídos, Harley retomou sua corrida. O silêncio da floresta o cercava, mas a certeza de que a vitória estava ao seu alcance o movia. Ele não pararia, não enquanto ainda houvesse uma chance.

    Nota