Capítulo 20 - Humilhação
“Somente quando somos reduzidos ao nosso ponto mais baixo é que descobrimos o verdadeiro potencial da nossa alma. A humilhação não destrói; ela purifica e fortalece.”
— O Código do Guerreiro Solitário, Verso 11.
Pai e filho finalmente estavam juntos, mas a cena estava longe de ser um reencontro alegre.
Julius Ginsu ostentava uma expressão de alívio, seu rosto suavizado por um sorriso contido. Harley, no entanto, era consumido por emoções conflitantes, uma mistura devastadora de raiva e dor. Seus músculos estavam tensos, os olhos fixos em Julius, mas ele parecia incapaz de ver realmente o homem diante dele.
O mundo ao redor havia se desvanecido, suas sensações recentes de queda e desespero substituídas por uma única presença avassaladora: seu pai. E a única coisa que restava dentro de Harley era a raiva ardente, queimando em seu peito com fúria insuportável.
Cada fibra de seu ser gritava para extravasar aquela fúria, deixar sua voz ecoar através do abismo que parecia se estender sem fim.
— Desgraçado! — bradou Harley, suas pernas impulsionando-o em uma corrida feroz em direção ao pai.
O som de seus pés contra o solo ressoava como trovões em sua mente.
— Como pode nos abandonar? — gritou, com a voz trêmula de fúria e os olhos brilhando de indignação.
Sua raiva transbordava, a intensidade de suas palavras saindo em jorros violentos.
A cada passo, a fúria crescia. Harley fechou os olhos por um momento, tentando, em vão, conter o turbilhão que se formava dentro de si. Quando seus olhos se fecharam, uma lembrança dolorosa irrompeu de suas memórias, arrastando-o de volta a um passado que ele jamais conseguira escapar.
Não era apenas uma lembrança comum: era um pesadelo constante, uma sombra persistente que eclipsava tudo o que ele enfrentara recentemente.
Ele foi transportado para o pior momento de sua vida, quando a vergonha e o desespero o dominaram pela primeira vez. Ele só tinha 7 anos…
O salão do clã parecia voltar à vida diante de seus olhos, cada detalhe cruelmente nítido. Ele podia ouvir, como se fosse agora, a voz ensurdecedora do líder do Clã das Adagas Voadoras, Lâmina Sombria, ressoando com desprezo enquanto invadia a fortaleza de sua família.
— O covarde fugiu? — vociferou Lâmina Sombria, sua voz perfurando o ar como uma acusação — Estou aqui para o desafio, e ele fugiu como um rato?
Suas palavras ecoavam, enquanto ele caminhava de um lado para o outro, seus olhos faiscando de fúria. Os anciões do clã de Harley abaixavam a cabeça em silêncio, incapazes de encarar a humilhação, envergonhados demais para responder.
De repente, Lâmina Sombria avançou em direção a Harley com uma velocidade impressionante, suas mãos poderosas agarrando o pescoço do jovem.
O líder do clã ergueu Harley com facilidade, seus dedos apertando com força esmagadora, bloqueando seu ar e sufocando suas palavras. O terror tomou conta de Harley enquanto ele se debatia, seus olhos arregalados em puro choque pela ação repetida.
— Onde está o covarde do seu pai? — Lâmina Sombria rugiu, seu rosto próximo ao de Harley, que tentava em vão respirar.
As mãos ao redor de sua garganta apertavam mais e mais, e ele sentia como se sua vida estivesse por um fio, prestes a escapar.
— Isabella! — gritou Lâmina Sombria de repente, sua voz ecoando pelo salão.
Isabella, a filha do líder, aproximou-se com hesitação. Seu rosto era belo, mas seus olhos, escuros como a noite, estavam cheios de conflito. Ela era a jovem com quem Harley estava prometido, um casamento arranjado entre os dois clãs. Mas naquele momento, ela parecia tão distante quanto uma estranha.
Lâmina Sombria lançou um olhar de desprezo para Harley antes de ordenar à filha:
— Pegue o contrato de casamento e enfie na boca desse miserável!
Isabella obedeceu com relutância, os movimentos hesitantes enquanto olhava para o pai e depois para Harley. Ao se aproximar, seu olhar encontrou o de Harley, um olhar cheio de emoções reprimidas.
Ela empurrou o pergaminho na boca de Harley, suas mãos trêmulas, mas o gesto ainda carregava a frieza que cortava mais profundamente do que qualquer dor física.
Com um gesto brusco, Lâmina Sombria lançou Harley contra a parede. O impacto foi devastador, e Harley deslizou pelo chão, ainda com o contrato enfiado na boca. A dor se espalhou por todo o seu corpo, mas a humilhação era muito pior.
— A partir de hoje, não há mais compromisso entre o Clã da Adaga Arcana e o Clã das Adagas Voadoras! — proclamou Lâmina Sombria, sua voz cheia de desprezo — Vamos embora! Já perdi tempo demais com essa vergonha!
O salão começou a desaparecer lentamente da mente de Harley, mas não antes que ele visse Isabella saindo ao lado do pai, sem nunca olhar para trás.
De volta ao presente, Harley abriu os olhos de repente, puxado de volta para a realidade. As memórias de sua queda, do abismo, foram momentaneamente apagadas por aquela dor antiga. Sua raiva, agora alimentada por anos de ressentimento, estava mais forte do que nunca.
— Desgraçado! — gritou novamente, sua voz cheia de fúria incontida — Como pode nos abandonar? Como pôde fugir? — Sua voz falhou por um instante, mas ele empurrou o ódio para continuar.
Ele avançou em direção ao pai, o corpo tremendo de raiva e indignação.
— Como pôde nos deixar? Abandonar o clã? Deixar tudo queimar? — Sua voz estava à beira do colapso, mas ele persistia, desesperado por respostas que poderiam aliviar seu tormento.
Agora a poucos centímetros de Julius, Harley cerrou os punhos, sua raiva fervilhando. Com um movimento explosivo, ele desferiu um soco no peito do pai.
O impacto ecoou pelo silêncio ao redor, mas não trouxe o alívio que ele esperava. Harley sabia que não era a dor física que queria infligir; era a dor emocional que o dilacerava por dentro, a traição e o abandono que o corroíam.
— Como pôde fugir? — repetiu Harley, sua voz carregada de dor — Deixar o clã… nossa família… morrer? — Ele lutava contra as lágrimas que se acumulavam em seus olhos, recusando-se a ceder à fraqueza. Ele já havia sido quebrado demais. Já havia perdido muito.
O soco que atingiu Julius não foi apenas um gesto de raiva, mas um clamor por respostas. Um pedido desesperado para entender o que nunca fez sentido. As lágrimas começaram a se formar, mas Harley as segurou, recusando-se a mostrar fraqueza. “Não de novo. Nunca mais.”
— Quando outros dependem de nós, não podemos fugir! — gritou Harley, sua voz ressoando no vazio ao redor — Não podemos ser covardes! — as últimas palavras saíram como um grito desesperado, uma mistura de súplica e condenação.
Então, como se suas forças tivessem finalmente se esgotado, Harley caiu de joelhos diante de seu pai.
Todo o ódio, a dor e a vergonha que carregara por tanto tempo desmoronaram sobre ele. Seu corpo tremia, exausto. As lágrimas que ele havia segurado por tanto tempo começaram a escapar, mas ele lutou para se recompor, incapaz de suportar a ideia de mostrar fraqueza diante do homem que o havia destruído.
Antes que pudesse se entregar completamente, uma inquietação crescente tomou conta de Harley. O ar parecia vibrar ao seu redor, enquanto sua visão se desfazia em névoa.
“Teria desmaiado? Estaria sonhando? Ou este era o verdadeiro fundo do abismo?” — ele se questionou.
A realidade tremia, distorcendo-se como um reflexo em águas turbulentas. O clímax de sua jornada, ele sentia, estava à espreita. E, no fundo da alma, sabia que o abismo não havia sido deixado para trás — ele ainda o aguardava, paciente.
Então, a escuridão o envolveu por completo.
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