Capítulo 22 - Segredos
“As sombras guardam segredos que a luz nunca pode revelar. Apenas os bravos ousam entrar na escuridão para buscar a verdade.”
— Sussurros das Sombras LII, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
Harley havia perdido completamente a noção do tempo durante sua recuperação. O tempo parecia distorcido, elástico, como se o santuário onde estava o mantivesse em um limbo.
O que restava de sua força física era ínfimo, um reflexo do guerreiro que fora. A prova para Kamikaze junto com a vertiginosa queda no abismo não lhe permitiram avaliar o verdadeiro impacto que sofrera, mas agora, após dias de repouso, ele começava a sentir a gravidade de seus ferimentos.
O eco da dor o acompanhava em cada gesto, em cada tentativa de se mover, como um lembrete da proximidade da morte. Ele se lembrava da queda — o vazio, o vento cortante, o medo cravado em sua mente enquanto o abismo o engolia.
Cada movimento que fazia era um lembrete doloroso das suas limitações. A adrenalina do combate, que o havia mantido cego à dor inicialmente, agora não estava mais ali para salvá-lo.
Com sua consciência finalmente retornando por completo, Harley compreendeu o tamanho da jornada à frente.
Sentia-se à mercê de seu corpo enfraquecido, prisioneiro de uma cama de pedra em um ambiente que ainda lhe era estranho.
A sensação de confinamento não era nova. Remetia-o à infância, quando passava noites trancado, e os momentos fora da gaiola eram dedicados a uma rotina cruel de treinamento.
No Clã Dragões de Sangue, essas restrições se repetiam — o tempo que deveria ser de descanso era consumido por tarefas intermináveis, servindo a um ciclo sem fim de obrigações.
Agora, porém, Harley enfrentava uma prisão diferente: as limitações de seu próprio corpo em recuperação. Essa nova restrição pesava ainda mais sobre ele, porque, pela primeira vez, ele havia experimentado o sabor da liberdade na prova para Kamikaze.
O gosto de poder escolher seus próprios caminhos, de tomar decisões e arcar com as consequências. Como um pássaro que escapa de uma gaiola e se surpreende com a vastidão do céu, Harley se assustava com as possibilidades que vislumbrava, mas queria mais.
Ansiava por mais dessa liberdade que, embora nova, era tudo o que ele desejava para sua vida.
Em decorrência de suas restrições físicas, o jovem Ginsu só tinha, na maior parte do tempo, o ambiente ao seu redor como companhia. Ele já conhecia cada detalhe das paredes de rocha bruta, marcadas por inscrições antigas que pareciam vibrar com uma energia própria.
O calor suave que se filtrava pelas pequenas fendas nas pedras era sua única fonte de conforto, mas até esse calor parecia distante e frio, como se estivesse lá apenas para lembrar-lhe que o tempo continuava a passar.
O santuário, embora silencioso, parecia vivo, atento à sua presença, como se as próprias pedras observassem cada suspiro que ele dava. As sombras dançavam nas paredes conforme a luz mudava, como se quisessem brincar com sua percepção da realidade, lembrando-o constantemente da passagem do tempo.
Silas, o velho guardião que cuidava de Harley, tornara-se seu único ponto de contato com o mundo exterior. Sempre que entrava no quarto para trazer comida ou tratar seus ferimentos, Harley sentia uma ansiedade crescente, misturada com uma fome desesperada por respostas.
Ele ansiava por saber mais, por entender o que era aquele lugar, o significado da adaga e, principalmente, algo sobre o destino de seu pai. Mas o silêncio de Silas só fazia alimentar ainda mais sua frustração.
Cada vez que Silas entrava, Harley o encarava com uma expectativa crescente, esperando que algo finalmente fosse revelado, algum sinal de que suas perguntas seriam respondidas.
No entanto, as palavras que o guardião lhe dirigia eram sempre as mesmas, carregadas de mistério, como se pesassem sobre Harley o fardo de uma revelação que ele ainda não estava pronto para ouvir:
— Calma. No momento adequado, conversaremos.
A repetição dessa resposta começou a corroer a paciência de Harley. Com cada resposta vaga de Silas, Harley sentia uma chama de impaciência crescer dentro de si. Sua respiração tornava-se pesada, e seu peito apertado com o peso de segredos não revelados. Ele queria mais. Precisava de mais. A curiosidade o devorava por dentro.
“O que mais havia para saber? O que estava sendo escondido?” — essas perguntas surgiam a cada vez que Silas partia sem responder.
Harley sentia o mistério ao redor dele se tornando cada vez mais denso, como uma sombra que o cercava. As respostas que Silas negava o inquietavam, e o silêncio do velho guardião apenas alimentava suas dúvidas.
As paredes pareciam apertar sua curiosidade, enquanto o silêncio prolongado alimentava sua crescente frustração. Mesmo com seu corpo se recuperando em uma velocidade surpreendente — algo que Silas atribuía ao contato com a Adaga Negra — a espera por respostas corroía sua paciência. Foi então que algo inesperado chamou sua atenção
O que antes parecia ser uma decoração sem importância — inscrições antigas e runas misteriosas espalhadas pelas paredes — agora prendia sua atenção de forma quase hipnótica. Era como se as paredes sussurrassem segredos perdidos, esperando para serem revelados.
Ele sentia que aquelas inscrições podiam narrar a história da adaga ou o verdadeiro destino de seu clã. A visão delas o inquietava, dando-lhe a sensação de que estava prestes a desvendar algo grandioso. Algo que o ligava profundamente ao seu passado e à sua herança.
Como qualquer linguagem enigmática, faltavam ao jovem Ginsu os elementos essenciais para entender aqueles símbolos. Sem ajuda, ele percebeu que seria impossível criar padrões, traçar injunções ou encontrar uma ligação com a realidade.
Mesmo com o tempo que possuía, aquilo estava além de sua compreensão. E sempre que questionava Silas, a resposta que recebia era invariavelmente a mesma:
— Ainda não é o momento.
Essa resposta se tornava insuportável. Cada vez que Silas falava aquelas palavras, Harley sentia como se uma porta fosse trancada diante de si, mantendo-o afastado da verdade.
Os dias passavam lentamente, e sem mais informações à sua disposição, Harley voltou sua atenção para o único caminho possível: ele mesmo.
O jovem Ginsu sabia que a adaga ainda não o aceitara por completo, e entendia que apenas o tempo poderia melhorar sua conexão com o artefato.
Determinado a acelerar sua recuperação, ele começou a testar os limites de seu corpo, exercitando-se da melhor maneira que podia.
Foi então que algo incomum aconteceu.
Um som sutil ecoou pelo santuário, um ruído suave, quase como um sussurro. As runas nas paredes, até então inertes, começaram a brilhar. A luz que emanava delas formava padrões complexos, como se as próprias pedras tentassem comunicar uma mensagem. Harley observava, maravilhado, enquanto as luzes dançavam diante de seus olhos.
“O que significa isso?” — perguntou-se, percebendo a confusão se instalar enquanto tentava encontrar sentido naquilo.
Silas logo apareceu, e pela primeira vez, sua expressão estava carregada de preocupação. O velho guardião, geralmente calmo, parecia alarmado ao ver as runas brilhando.
Seu olhar, antes sereno, agora estava tomado por algo que parecia medo. Harley o observava atentamente, notando o tremor em suas mãos, um sinal claro de que algo grande estava para acontecer.
“‘O que Silas sabe que estou ignorando?’ — pensou Harley, o desconforto crescendo em seu peito.
— Imaginei que teríamos mais tempo… — murmurou ele, mexendo nervosamente em sua barba.
O velho guardião se aproximou de uma das paredes onde as runas brilhavam com mais intensidade, e, com um gesto cuidadoso, tocou uma saliência que não estava ali antes.
Um movimento leve fez com que a rocha se partisse, revelando uma passagem oculta. A sala que antes parecia um abrigo simples se transformava em algo muito maior.
A luz das runas iluminava a passagem recém-aberta, e, por um breve momento, tudo pareceu suspenso no ar, como se o tempo houvesse parado.
A revelação daquela passagem atingiu Harley como um golpe, superando qualquer coisa que ele pudesse ter imaginado sobre o lugar e suas runas antigas. O mistério finalmente se revelava diante de seus olhos, e ele sentia, quase como um chamado, que precisava atravessar aquela porta.
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