Capítulo 36 - O primeiro portal
“Os portais para novos mundos são abertos por aqueles corajosos o suficiente para buscar o desconhecido. A travessia é tanto uma jornada externa quanto uma viagem interior.”
— Misteriosos inscritos no templo da Adaga Arcana. Sem autor identificável.
Com um clarão ofuscante, Harley e Anastasia foram lançados pelo espaço, levados por uma força misteriosa que os arrastavam em um movimento espiral em direção ao solo de um mundo desconhecido.
Enquanto giravam pelo ar, a súbita iluminação que os cegara momentaneamente começou a diminuir, revelando um cenário que desafiava a compreensão.
À sua frente, estendia-se um rio majestoso, sereno e envolto em uma luz prateada que irradiava por toda a paisagem. Suas águas, tão puras que pareciam feitas de luz líquida, fluíam a perder de vista, infundindo a mente de Harley com uma calma inesperada. O brilho do rio tocava cada canto da terra, banhando o horizonte em uma claridade quase divina.
Ao longo das margens do rio, seres de todas as formas e aparências se espalhavam. Mas havia algo estranho: todos os corpos estavam imóveis, como se tivessem sido presos em uma armadilha invisível.
O jovem Ginsu observava com atenção, uma inquietação crescente em seu peito. Esses seres estavam, de algum modo, aprisionados, suas essências suspensas em um estado entre a vida e a morte.
Ao tocar o solo junto ao rio, Harley e Anastasia sentiram algo indescritível. Era como se uma parte de suas almas tivesse sido separada de seus corpos. A sensação de que suas consciências haviam se libertado de suas formas físicas inundou a mente dele.
Ele lutava para encontrar palavras que descrevessem aquela experiência: uma mistura de êxtase e estranheza, de liberdade e desconforto.
Ele logo percebeu algo ainda mais curioso: uma conexão sutil, quase sagrada, ligava os corpos daqueles seres à energia invisível ao redor. Essa energia os unia de forma profunda, transcendendo a individualidade e os moldando em algo maior, uma essência coletiva que vibrava em harmonia com o próprio tecido do universo.
Harley observou a conexão com fascínio. Um fio luminoso, visível apenas com foco, ligava seu corpo físico à sua essência. O fio brilhava com tons de azul profundo, como uma ponte entre dois mundos.
Quando se virou para Anastasia, viu que a conexão dela era mais delicada, uma linha de luz rosa suave que parecia pulsar em sincronia com seu coração. Sua expressão estava distante, como se ela estivesse presa em uma luta interna, perdida em lembranças que ele não podia acessar.
Ao olhar ao redor, Harley percebeu que cada ser ali tinha sua própria conexão única: cordões luminosos de várias cores, espessuras e intensidades. Alguns desses fios se estendiam tão longe que desapareciam no horizonte, como se as essências dos seres estivessem vagando em terras além da visão.
Era uma visão profundamente intrigante, uma rede de vidas entrelaçadas que o fez refletir sobre o mistério dessas conexões entre corpo físico e algo mais etéreo.
De repente, sua contemplação foi bruscamente interrompida. Harley sentiu uma força sombria chocando-se com sua projeção luminosa, como uma nuvem densa de energia tentando apagar ou dominar sua essência projetada.
A presença ameaçadora se colidia, tentando submergir a serenidade de sua essência azul. Ele sabia que essa massa luminosa não era uma parte dele, mas uma força externa, algo que tentava corromper sua natureza e dominá-lo.
O jovem se viu diante de um dilema sufocante:
“Devo enfrentar as forças sombrias que ameaçam consumir minha essência azul ou tentar encontrar um caminho de volta ao meu corpo físico, escapando dessa realidade distorcida?”
Cada escolha trazia seus próprios riscos, e a dúvida pesava em sua mente, mas ele sabia que não poderia evitar a decisão por muito tempo.
O medo começou a se instalar, mas Harley sabia que não podia deixar essa emoção tomar conta. O medo era uma advertência, não uma sentença. Ele não precisava eliminá-lo, mas sim encontrar um equilíbrio para enfrentá-lo de frente. Sabia que, se cedesse à massa de luz, perderia mais do que sua conexão azul. Perderia a si mesmo.
Determinando-se a resistir, ele concentrou sua energia, reafirmando sua essência. Era uma luta silenciosa, mas feroz, um embate. As energias colidiram, a luminosidade externa tentando envolver o azul brilhante de sua essência.
Ele resistiu com cada fibra de seu ser, recusando-se a ser subjugado.
O embate foi longo e exaustivo, mas, aos poucos, a luminescência começou a ceder. Embora sua essência azul tivesse sido manchada ficando mais clara, a parte etérea de Harley emergiu mais forte no horizonte acima do rio onde o corpo físico do jovem também era uma estátua.
Nesse embate de forças etéreas, ele não só havia vencido, mas também alcançado uma nova compreensão de seus medos mais profundos. Coragem, ele percebeu, não era a falta de medo, mas a determinação de avançar apesar dele.
Com essa nova clareza, a cor azul de sua essência, agora ligeiramente mais clara, brilhava com uma intensidade renovada no céu daquele mundo, um reflexo de sua força de vontade.
Sua linha luminosa, que o conectava ao corpo físico, se expandiu, como se estivesse abrindo um caminho para algo maior, algo além da compreensão imediata. Era uma ponte que o conduzia a um novo horizonte, um caminho que ele sabia que deveria seguir.
Contemplando sua essência renovada, Harley sentiu uma onda de gratidão. Mas o momento de paz foi breve. De repente, uma colossal sombra negra surgiu, cobrindo o céu e ameaçando engolir sua luz azul. A escuridão era opressora, maior e mais avassaladora do que qualquer coisa que ele havia enfrentado até então.
Harley sabia que não podia lutar contra essa força — pelo menos, não ainda. Não havia glória em enfrentar uma derrota certa. Ele reconheceu que a única opção sensata era recuar.
Hesitante, afastou-se da enorme massa à sua frente. Ele sabia que, eventualmente, o confronto final aconteceria, mas aquele momento ainda não havia chegado. A sombra negra, permaneceu quieta, como se estivesse satisfeita com sua retirada, observando-o de longe.
A luz azul, que naquele mundo era o próprio Harley, brilhava intensamente entendendo que cada passo de recuo era um passo em direção ao fortalecimento, e ele começava a entender que recuar não era um sinal de fraqueza. Pelo contrário, agora via isso como um ato necessário, uma escolha consciente para sobreviver.
Lembranças de momentos passados, cheios de medo, quando ele foi forçado a se esconder ou fugir, invadiram sua mente. Porém, elas agora pareciam menos opressivas, como se o peso dessas lembranças finalmente começasse a ter um menor impacto. Sua luz azul parecia brilhar ainda mais intensamente.
Embora ainda sentisse vergonha, ele reconhecia que havia sabedoria em recuar em vez de se entregar à morte. Harley sabia que, ao adiar o confronto, estava aguardando o momento em que sua vontade de lutar estivesse plenamente alinhada com suas forças e capacidades.
Então aumentando a velocidade e se afastado provisoriamente, cada vez mais da gigantesca massa sombria, ele prosseguiu.
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