Capítulo 74 - Fronteira entre o conhecido e o desconhecido
“O tempo é um escultor implacável, moldando nossas vidas com suas mãos invisíveis. A cada segundo, somos convidados a escolher entre a estagnação e a transformação, entre a inércia e o crescimento.”
— Fragmentos da Libertação, de Nostradamus.
— Mãe? Minha mãe? — repetiu novamente Harley como um sussurro que estava entalado em sua garganta.
Para ele, a figura materna sempre foi envolta em mistério. A última lembrança consciente que ele tinha dela era diante de uma lápide, onde seu nome estava gravado com a data de sua partida deste mundo. Ela se tornou um enigma, uma figura ausente e misteriosa que ele desejava compreender mais profundamente.
O jovem guerreiro recordou o dia em que, diante da lápide, suas mãos tocaram a pedra fria e suas lágrimas caíram em um ritual silencioso de despedida. Seis anos de idade, uma criança confrontada com a perda antes mesmo de compreender completamente o que era a vida. A lápide tornou-se o memorial de sua mãe, uma presença constante em sua jornada.
Agora, diante dessa mulher que afirmava ser sua mãe, Harley se via entre a alegria do reencontro e a resistência em aceitar o que parecia impossível. Os olhos fixos nos olhos dela buscavam respostas que desafiassem a lógica.
— Como isso é possível? — perguntou ele para si novamente com uma expressão de perplexidade em seu rosto, como se temesse que esse encontro fosse fugaz e irreal, uma miragem em meio ao deserto de incertezas.
Enquanto as emoções se chocavam dentro dele, uma luta entre a lógica e a esperança, sua mãe continuou a sorrir, como se entendesse a batalha interna do filho.
— Finalmente estamos juntos. Temos tanto para falar. Você cresceu, está tão parecido com seu pai. E esta é a sua esposa?
Paralisado, Harley encontrava-se imerso em um turbilhão de pensamentos. A incredulidade dominava sua mente enquanto ele cogitava a possibilidade de estar sonhando. Como alguém poderia retornar do mundo dos mortos? Isso não era possível até onde ele sabia.
A dúvida se instaurava de maneira inquietante: teria sua crença na morte de sua mãe sido uma farsa desde o início? E com que propósito? Porque seu pai e todo o seu clã mentiriam? Com que propósito? Por que somente agora ela retornaria? Por que nunca o procurou antes? As interrogações ecoavam em sua mente, desafiando a lógica do que entendia sobre a vida e a morte.
Aos poucos, a desconfiança começava a corroer sua percepção da realidade, mesmo diante da evidência física. As emoções, à medida que escapavam ao seu controle, delineavam um terreno instável.
Harley nunca antes havia vivenciado uma carga emocional tão avassaladora; consequentemente, a dor da ausência que sempre fora sua companheira tornava-se mais intensa.
Era como se ele carregasse consigo um vazio persistente, uma lacuna que nunca encontrou maneiras de preencher. Essa falta, que sempre aguçou a inveja e suas fantasias, tornava-se ainda mais pronunciada diante da visão de outros desfrutando de relações maternais plenas.
Contemplando essa conexão única, o jovem iniciava uma batalha interna, erguendo ainda mais o muro emocional que por tanto tempo represou essas emoções. Sua racionalidade buscava incansavelmente por falhas, minimizava a importância e chegava até a denegrir e menosprezar os sentimentos.
Todas essas estratégias internas eram como mecanismos de defesa que o jovem empregava para conter o impacto emocional que o assolava. Assim, questionava-se profundamente sobre o verdadeiro significado de ser mãe. Seria apenas o ato de dar à luz a uma nova vida? Um anseio interno por experiências positivas? Ou estaria na dedicação constante que molda, poda e ensina ao longo do tempo?
As incertezas ecoavam incessantemente em sua mente, desvendando a intrincada complexidade do papel materno. O vazio emocional tornava-se mais tangível diante dessa análise introspectiva, revelando as profundezas da busca de Harley por compreensão e pertencimento.
A mulher à sua frente continuava a se aproximar com um sorriso, um paradoxo pulsante que desafiava as próprias fundações lógicas que governavam a sua existência. Cada passo que sua mãe dava era como um aviso de felicidade que há muito estava pendente, um oásis emergindo no deserto que suas emoções e expectativas haviam se tornado.
Era uma promessa de dias melhores, uma verdade encarnada de que a beleza estava prestes a se revelar. Era a garantia de que todas as incertezas seriam dissipadas, transformando os sonhos e desejos há muito tempo acorrentados em uma realidade tangível, tudo isso por meio de um simples abraço.
Harley estendeu os braços, enquanto, ao mesmo tempo, ouvia as palavras de Isabella, que, naqueles breves instantes, parecia não fazer parte da paisagem nem mesmo existir.
— É sua mãe!. O que está esperando aí parado? Não é esse o seu maior desejo? — declarou Isabella, seu tom de voz carregado de convicção, mas seus olhos mostravam uma inquietação que Harley nunca vira antes.
A declaração de sua ex-noiva atingiu o jovem como um raio, mas não da maneira esperada. Ao invés de conforto, uma onda de desconforto e desconfiança se apoderou dele.
A habitual frieza nos olhos da garota que agora estava madura, que Harley conhecia tão bem, cedeu lugar a uma expressão de dúvida e surpresa. Aquela era a primeira vez que o jovem via ela responder emocionalmente a algo. A própria mudança de Isabella era uma confirmação para Harley de que algo estava drasticamente errado.
Instintivamente, o jovem recuou com seu corpo tenso e alerta. A adaga, que normalmente repousava serenamente ao seu lado, agora estava erguida em posição defensiva. Ele percebeu que não podia confiar completamente na realidade apresentada diante dele.
— Harley! O que você está fazendo? É a sua mãe! — exclamou ela, surpresa com a repentina reação hostil que testemunhava.
— Quem é você? Não vou ser enganado facilmente — pronunciou Harley, ignorando os questionamentos de Isabella.
O jovem fixou seu olhar e concentrou toda sua atenção na mulher que alegava ser sua mãe perdida. A desconfiança crescia incessantemente à medida que o jovem percebia mais claramente que sua ex-noiva, que jamais tinha conhecido sua mãe, reagia com uma intensidade tão marcante quanto a dele.
A mulher desconhecida, mantendo um sorriso confiante, avançou na direção de Harley, aparentemente ignorando a adaga erguida em sua direção. Entretanto, seus passos encontraram um obstáculo inesperado quando chegaram diante da barreira de poder mágico que ele habilmente havia criado. Foi nesse momento que o confronto entre a realidade percebida e a verdade oculta atingiu seu ápice.
Harley, firme em sua postura defensiva, dirigiu seu olhar para Isabella. A verdade, por mais dolorosa que pudesse ser, agora se revelava como a única senda a ser trilhada.
Diante da barreira mágica que separava a desconhecida, que afirmava ser sua mãe, ele sentiu um impulso avassalador. Ele dirigiu-se a sua ex-noiva com cautela, buscando compartilhar suas suspeitas.
— Isabella, algo está definitivamente errado aqui. Sinto que estamos sendo manipulados — sussurrou ele, buscando compreensão nos olhos dela.
A expressão de confusão se desenhou no rosto de Isabella.
— Manipulados? Harley, o que você está dizendo? Essa é a sua mãe, não é? Por que está agindo assim?
— Não sei explicar, mas algo não se encaixa — insistiu ele, sua voz carregada de determinação e inquietação.
— Você está sendo um inútil novamente. Nem um cachorro trata sua mãe assim!
Do outro lado da barreira mágica, impossibilitada de abraçar seu filho, a mulher começou a chorar com as reações de seu filho. Lágrimas escorriam por seu rosto, e soluços entrecortados revelavam a agonia que ela sentia diante da resistência de Harley.
— Mereço tudo isso — disse a mulher entre soluços, suas palavras ecoando um pesar profundo. Ela se recriminava, sentindo a dor da distância entre ela e seu filho.
Ajoelhando-se no chão, cobriu o rosto com as mãos trêmulas, entregando-se ao desespero que a consumia.
— Tentei com todas as minhas forças. Nunca desisti de voltar para casa, para a minha família — murmurou, sua voz sufocada pelo choro. As palavras dela pairavam no ar, carregadas de um desespero angustiante.
— Eu sempre estive aprisionada aqui! Em um lugar sem esperança, afastada de você por tanto tempo, meu filho — lamentou ela, suas palavras vibrando com a amargura de uma realidade que parecia intransponível — tenho tantas coisas para te falar. Nunca mais nos separaremos!
A intensidade das emoções preenchia o espaço, criando um cenário de desespero compartilhado entre mãe e filho através de uma barreira mágica que começava a ficar instável. A culpa marcava cada gesto da mãe, que se via incapaz de oferecer provas tangíveis de sua identidade e realidade.
Harley, ao ver sua mãe nesse estado, sentiu-se dividido entre a desconfiança que o guiava e a dor evidente que ela expressava. Uma batalha interna travava-se dentro dele, entre a necessidade de proteção e o desejo de compreensão.
Isabella, por sua vez, observava a cena com um misto de perplexidade e compaixão. A desconexão entre o que parecia ser a mãe e a realidade desconhecida deixava todos envolvidos em um dilema emocional.
A verdade, envolta em lágrimas e soluços, parecia mais difícil de alcançar do que nunca. O desafio de desvendar a complexidade da situação persistia, enquanto as emoções tumultuadas ecoavam no espaço, evidenciando uma narrativa familiar que escapava ao entendimento imediato.
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